Os comunistas e a construção do socialismo em Cuba

imagemPor Alhelí Cáceres[i]

Réplica ao artigo de Ronald León Núñez (*)

À guisa de introdução

A decadência teórica e intelectual de uma das tantas seções do trotskismo internacional é tal que se evidencia na incapacidade recorrente de fazer justiça ao método marxista para analisar os fenômenos sociais, o qual não é outro senão partir da realidade. Isto é, cabe analisar a realidade à luz da teoria marxista e não tentar “ajustar” a realidade a um corpo teórico. Como comumente o faz o pensamento dominante, numa clara e vergonhosa vulgarização do marxismo.

Portanto, ao analisar os fatos que tiveram lugar em Cuba em julho deste ano, não podemos abstrair o assédio político, econômico e militar que pesa sobre a revolução cubana desde seu nascimento e que toma corpo não apenas através do que comumente se conhece como “bloqueio”, mas que vai muito mais além, implicando, inclusive, a denominada guerra “não convencional”.

Ao mesmo tempo, uma evidência a mais da decadência teórica e instrumental do trotskismo a cuja seção se alinha o senhor Ronald León Núñez, verifica-se na manifesta incapacidade para manejar categorias elementares da economia política marxista e, portanto, na impossibilidade de distinguir entre modos de produção, cuja pedra angular radica no tipo de propriedade dominante em uma sociedade.

Assim, León incorpora a definição de “burguesia nacional” para localizar nesse terreno dirigentes do Partido Comunista de Cuba, quando não existem provas concretas – e sim uma quantidade de informações falsas que, há décadas, vêm sendo publicadas pelos aparatos ideológicos imperialistas – de que estas pessoas tenham posse de meios de produção.

Ao mesmo tempo, transitando tenebrosamente pelas margens superficiais da vulgaridade marxista, coloca a categoria de ditadura de forma simplista, sem ter em conta qual é a classe social hegemônica. Mas não descansa León em sua vileza intelectual e então caracteriza como “plano neoliberal” o que se desenvolve em Cuba, deturpando toda a compreensão séria desde uma matriz que se pretenda marxista e rigorosa na hora de abordar de maneira materialista a história, utilizando o método dialético.

A revolução cubana à luz do marxismo

Se em duas palavras se pudesse caracterizar a revolução cubana, sem dúvida, estas seriam “assédio e resistência”. Desde o triunfo da revolução em janeiro de 1959, esta tem sido condenada pelo imperialismo por haver tido a ousadia de construir o socialismo a 90 milhas do império. Como uma ilha pobre, outrora o quintal da máfia cubano-americana, poderia se rebelar contra seu amo?

Uma análise marxista da revolução cubana implica a necessária compreensão das condições materiais a partir das quais se coloca a tarefa de organizar a revolução e, posteriormente, construir o socialismo. Neste sentido, compreender o lugar que ocupa Cuba na dinâmica de acumulação capitalista em escala mundial implica, necessariamente, compreendê-la em sua condição de país atrasado e dependente.

Sendo assim, um elemento estratégico que ordena as ditas condições materiais é a guerra que envolve o processo cubano, com diversas expressões de terrorismo capitaneado pelas patronais norte-americanas e seu Estado burguês, com a participação dos monopólios imperialistas de todo o mundo. O bloqueio, a ocupação de Guantanamo e a quantidade de atentados e incursões militares são parte deste cenário de guerra que agudiza a luta de classes para além do território cubano, envolvendo, como máximo protagonista, nada mais nada menos que a principal potência mundial.

Qualquer situação que envolva seres humanos teve, tem e terá contradições. Os erros são parte do cotidiano dos seres humanos. E quando as maiorias trabalhadoras e suas direções são obrigadas a organizar suas formas produtivas, sociais, culturais, militares, marcadas em uma guerra, as possibilidades de erro e de contradições se multiplicam. Dito isto, a modo de explicação e nunca como justificativa de erros, valorizamos a tenaz luta de cubanas e cubanos, da militância e direção do Partido Comunista, assim como de quem está à frente do governo, conscientes da profundidade dos debates, num processo de crítica e autocrítica, que se desenvolvem em todos os espaços de ação política, econômica, social, cultural e militar dentro de Cuba.

Uma restauração capitalista?

O triunfo da revolução significou a abolição da propriedade privada sobre os meios fundamentais de produção que, numa escala nacional, iniciou o processo de construir o socialismo nas condições mais hostis possíveis. Não somente aquelas derivadas da deformação estrutural que caracteriza as economias dependentes, mas, acima de tudo, decorrentes da ofensiva do capital internacional que implicou inclusive a incursão armada e o terrorismo.

O assédio por parte da maior potência imperial, colocou de maneira dramática a voracidade e violência do capital, acelerando o processo de consciência coletiva da liderança, da militância e da maioria camponesa e operária cubana, forçando a revolução a definir-se como socialista e alinhar-se ao denominado campo de países com dita orientação, para garantir sua sobrevivência, num contexto de golpes e ditaduras militares que assaltaram a região latino-americana e caribenha entre as décadas de 60 e 70, junto à ofensiva do capital que, de mãos dadas com as tiranias militares e os organismos financeiros internacionais, impuseram as contrarreformas mal chamadas de “neoliberais”, desde a década dos 90 até os dias de hoje.

A derrocada da União Soviética significou para Cuba a destruição de 85% de seu comércio exterior e uma queda do PIB em 35%. Nunca antes uma economia havia experimentado tal destruição, assim como nunca antes na história das relações internacionais, um país havia suportado mais de meio século de assédio econômico, financeiro, comercial, político e militar, como tem sofrido o povo cubano e sua revolução.

A queda do campo socialista não resultou na “restauração capitalista” como mal intencionada e erroneamente assinala León, o que de fato ocorreu foi a diversificação dos sócios comerciais e a abertura aos investimentos estrangeiros. Pois, como é sabido, para qualquer um que entenda os elementos fundamentais da dinâmica econômica, um país requer dispor de recursos monetários que permitam impulsionar as atividades produtivas.

O turismo tem sido historicamente o motor da economia cubana, num país que não conta com grandes recursos naturais, como rios caudalosos, grandes reservas de hidrocarbonetos ou, inclusive, solo fértil para impulsionar o setor agrícola e a pecuária, dada a localização geográfica da ilha que, junto à salinidade do solo, tem dificultado a implementação de uma política agrícola que possibilite cobrir a demanda nacional de alimentos e, portanto, garantir a soberania alimentar.

É por isso que a revolução apostou no desenvolvimento da indústria biomédica e biofarmacêutica, com a intenção de que estes ramos se constituam nos setores dinamizadores da economia, assim como a formação de profissionais e a exportação de força de trabalho altamente qualificada.

Apesar da forte queda do PIB entre os anos 1990-1994 e o início do que os cubanos denominaram de “período especial”, a revolução não recorreu à privatização nem da saúde, nem da educação e continuou mantendo o monopólio sobre o comércio exterior, como ocorre até a atualidade. Da mesma forma, tampouco se recorreu a ajustes que alterassem os direitos conquistados pela classe trabalhadora.

No artigo do autor trotskista se menciona de maneira dogmática e até com certa vileza a ausência de uma “autêntica política socialista”, como se a construção do socialismo demandasse a existência de uma “receita” que se deveria seguir para que, com justeza, se adquirisse o rótulo de “socialista”, quando, parafraseando Mariátegui, o socialismo não é outra coisa que a construção heroica dos povos. Construção heróica que se encontra condicionada e, até certo ponto, determinada pelas condições histórico-concretas no contexto da luta de classes em nível mundial.

A socialização dos meios de produção, o desenvolvimento de uma política produtiva industrial, o manejo de diversas formas produtivas, a política monetária e financeira, o movimento da lei de valor em processos produtivos planificados, a questão dos estímulos materiais foram e são parte da discussão crítica e autocrítica permanente, atendendo ao caráter global do capitalismo e à necessidade de construir uma estratégia revolucionária comum rigorosa em termos marxistas. Aquilo que ficou conhecido como “O Grande Debate”, entre 1963 e 1964, foi uma importantíssima síntese desse intercâmbio realizado à luz pública entre militantes e quadros cubanos, soviéticos e de outras latitudes, liderado com uma genialidade pouco conhecida, por Ernesto “Che” Guevara.

O autor sustenta, além disso, que o “relato castrista não resiste à prova dos fatos”, referindo-se ao bloqueio e seus impactos como catalisadores das penúrias que afligem o povo cubano, evidenciando o peso que possui o histórico e atual quadro no qual a revolução cubana resiste e se projeta, como se fosse possível que o “Verbo Divino” esboçado em um papel ou vociferado em tribunas terminasse por resolver as complexas condições em que a luta de classes se desenvolve, impondo a hegemonia dos monopólios como potentes condicionantes do movimento de governos proletários, sem desconsiderar nem retirar a subordinação simbólica, cultural e ideológica que há décadas vem desarmando não poucas organizações políticas cuja raiz teórica se reclame marxista.

De fato, quando falamos de hegemonia recorremos a uma concepção que Lenin utilizou com muita profundidade e, por sua vez, com sentido de oportunidade, e que Gramsci tomou para dotá-la de uma descrição e análise que permitam uma abordagem crítica de sua dimensão. Na concepção da hegemonia, conceitos como sociedade dividida em classes, poder e dominação, senso comum e bom senso, guerra de posições, bloco histórico, revolução passiva se imbricam e são pressupostos para realizar diversas sínteses em cujo centro se localiza o Poder [1]. A análise das relações de força e da pluralidade de formas nas quais o poder existe e se manifesta é central para situar o peso de diversos fatores, como por exemplo o do Bloqueio a Cuba.

E é justamente este um destes fatos pouco mencionados pelo autor, propositalmente talvez. Referimo-nos ao impacto econômico do bloqueio e ao esgarçamento do tecido social de que isto deriva [2]. O conjunto de medidas coercitivas contra Cuba implica na realidade em um complexo emaranhado jurídico que viola não apenas todas as normativas do direito internacional, mas, acima de tudo, ataca a soberania e o direito do povo cubano à autodeterminação dada a extraterritorialidade das sanções.

A Lei Helms-Burton, sancionada pelo congresso dos EUA em 1996, amplia e aprofunda as sanções que já estavam contempladas na Lei Torricelli, aprovada em 1992. A Lei Torricelli – de embargo econômico – limita o comércio de Cuba com o resto do mundo ao proibir que as subsidiárias de companhias dos EUA estabelecidas em terceiros países comercializem com a ilha, ao mesmo tempo em que estabelece a imposição de sanções a terceiros países que violem as regulações estabelecidas nos marcos deste ato jurídico; ao mesmo tempo, proíbe que os navios que tenham embarcado em portos cubanos com propósitos comerciais possam chegar a portos estadunidenses com os mesmos propósitos, durante os 180 dias seguintes à data de saída dos portos cubanos. [3]

Enquanto isso, a Lei Helms-Burton, dividida em quatro seções, estabelece tanto a proibição de financiamento direto a Cuba, quanto proíbe a ilha de ter acesso a financiamento de organismos financeiros internacionais. Da mesma forma, exclui Cuba da OEA e estabelece a violação do espectro radioelétrico cubano, promovendo a difusão de sinais de rádio e televisão de conteúdo subversivo.

Ao mesmo tempo, esta lei habilita os Estados Unidos a exigir informes dos países que fazem o comércio com a Ilha e assistem a Cuba, bem como autoriza o financiamento de organizações não governamentais com fundos dos contribuintes estadunidenses, cujo propósito seja a luta pela “democracia e a liberdade de Cuba”. De fato, o presidente Biden autorizou, no passado mês de maio, a destinação de 20 milhões de dólares para o financiamento das organizações subversivas que operam em território cubano. [4]

Os alcances da lei envolvem também a ingerência estrangeira quanto à eleição do governo cubano, pois estabelece em seu Título II a imposição de uma política de transição, junto aos requisitos que o dito governo deve ter para ser “eleito democraticamente”.

Entretanto, o caráter extraterritorial e violatório do direito internacional não termina ali, pois o Título III autoriza cidadãos cubanos e estrangeiros que se considerem “afetados” pela política de confiscos de bens durante a revolução, que estabeleçam ações judiciais contra o Estado cubano em tribunais estadunidenses. [5]

Ao assédio político, econômico e militar contra Cuba por parte dos EUA, junto com as 243 [6] novas sanções impostas por Trump, dentre as quais se destacam a incorporação de Cuba à lista de países patrocinadores do terrorismo e as consequências que derivam desta inclusão, se soma a proibição do envío de remessas, assim como das viagens de cidadãos estadunidenses até a ilha, entre outras tantas, que impactam negativamente na economia da nação, destruindo o aparato produtivo e impondo severas condições de vida ao conjunto da população. É, portanto, neste contexto em que deve entender-se a revolução, seus avanços, desafios e os últimos acontecimentos que têm tido lugar na ilha [7].

Nem política “neoliberal” nem restauração capitalista

Em 10 de dezembro de 2020 Miguel Díaz Canel Bermúdez anunciou o início da “Tarefa de Ordenamento”, fato este que não pode ser considerado uma surpresa, pois, para os cubanos residentes na ilha, era algo esperado e necessário. O governo cubano projetou desenvolver a curto prazo a unificação monetária, cambial, de tarifas e salários, bem como a eliminação gradual de subsídios excessivos e gratuidades indevidas, ainda em meio à complexa situação econômica que vive o país, agravada pela pandemia, pela crise mundial e o bloqueio.

As dúvidas a respeito estavam relacionadas ao momento em que devia ser implementada esta política, pois, a grave crise mundial, a que se somou a pandemia e o recrudescimento do bloqueio derivado da ampliação das sanções e da habilitação do Título III da Lei Helms-Burton, tornaram ainda mais complexo o cenário interno.

A economia e a sociedade cubanas passam por um momento de grandes dificuldades, as quais se manifestaram durante todo o ano de 2019, inclusive antes de que a pandemia da COVID -19 afetasse o país. Um bloqueio recrudescido como nunca antes pela administração de Trump com a implementação de 243 novas sanções que se somam às que já contempla a Lei Helms-Burton, mais a debilidade do aparato produtivo nacional, em especial do setor agropecuário, dívidas incrementadas que diminuem os investimentos externos e tornam impossível, no curto prazo, conquistar uma melhora da oferta via importações e um espaço fiscal extremamente reduzido.

Colocado em valores correntes, os danos acumulados em quase 60 anos de aplicação deesta política, chegam a mais de 147 bilhões de dólares que, se fossem recebidos, incrementariam a capacidade de pagamento de Cuba, permitindo, “em menos de um quinquênio, restituir significativamente a situação de obsolescência de grande parte da infraestrutura cubana e, em particular, transformar a matriz energética do país em favor das fontes de energia renováveis. Dispor desse montante permitiria reverter favoravelmente a situação financeira do país, consolidar a confiança dos investidores e credores externos e incrementar substancialmente a capacidade de ter acesso aos mercados financeiros e de capitais”.[8]

Neste marco histórico e atual teve início uma reforma estrutural inédita na economia cubana. Em geral, trata-se de um cenário altamente negativo para o começo desta necessária transformação, na qual atuam muitas variáveis que estão fora de controle do governo e que geram elementos de incerteza e alto risco.

Em primeiro de janeiro de 2021 iniciou oficialmente o processo de eliminação do peso convertível cubano (CUC), concebido como uma resposta tática de defesa da economia do país, frente a uma posição extremamente hostil da administração norte-americana de turno, que ordenou uma perseguição implacável às operações em dólares norte-americanos realizadas pela economia cubana, diversas situações que somente permitiram a superação dessa anomalia neste momento, 27 anos depois. [9]

A reforma monetária havia sido uma reivindicação, durante anos, da maioria dos especialistas econômicos, e as autoridades cubanas haviam insinuado em várias ocasiões que o CUC terminaria por desaparecer, tema este refletido em todos os documentos de orientação para o desenvolvimento do país, tanto do PCC [10] quanto do governo cubano.

Primeiramente, dizer que a existência de várias moedas e taxas de câmbio na economia tipifica uma situação absolutamente anormal, que deve ser superada, é um tema de consenso na academia cubana. Há muito tempo circulavam diversas propostas sobre como realizar esta reforma, muitas das quais foram finalmente consideradas e incluídas nas diretrizes da política econômica e social.

Por outro lado, se desenharam mecanismos para conhecer imediatamente a opinião da população e dar resposta quase imediata aos reclamos por mudanças discutidos e aceitos, de modo a evitar que uma política gradual de unificação monetária se traduza em uma terapia de choque que prejudique setores importantes da população.

Assim, foram anunciadas correções para baixo nos novos preços aprovados pelo Estado para eletricidade, gás, refeição dos trabalhadores, espetáculos culturais, etc., o que gerou inicialmente grandes protestos por parte da população e onde, na tentativa de preservar as conquistas sociais da revolução, a direção da Central de Trabalhadores de Cuba foi fundamental para impedir o aumento dos preços desses serviços. Da mesma forma, foi elaborado um amplo programa de divulgação sobre a implementação da Tarefa de Ordenamento, que inclui o diálogo direto com a população por parte das principais autoridades do país.

É um processo, porém, que envolve muitos riscos, nem tudo pode ser previsto. Muita atenção tem sido dedicada à necessidade de controlar a inflação dentro de certos marcos, assimiláveis nos aumentos de vencimentos, soldos e pensões. Será difícil evitar que a desvalorização e a consequente perda do poder aquisitivo do cidadão cubano, que ocorrerá quando o câmbio entre duas moedas que tiveram uma diferença tão acentuada for unificado, sejam completamente contidas.

Durante o ano de 2020, em resposta à deterioração da situação econômica, o governo cubano criou estabelecimentos comerciais em que são vendidos produtos em divisas através do pagamento eletrônico. Trata-se de uma medida que estava em debate faz bastante tempo, no momento em que se esperava que cerca de 2 bilhões de dólares que eram extraídos do país por agentes privados pudessem ser captados internamente e utilizados em função do desenvolvimento econômico e social.

Esta medida, contraditória do ponto de vista social, foi implementada junto com outras como a autorização para os agentes privados de importar e exportar através das empresas estatais estabelecidas que oferecem este serviço. Frente à expansão desta rede de mercados aos quais tem acesso apenas um setor da população, surgiram dúvidas e preocupações que se mantêm até hoje. Esta situação, que pode ser compreensível, tem levado vários economistas a falar que, na realidade, a dualidade monetária não desaparece, já que existe uma “dolarização cativa” à medida em que se avança com a unificação dos tipos de câmbio.

Qualquer um que tenha os mais elementares conhecimentos de economia, reconhece que a aplicação de qualquer tipo de política econômica tem custos, tanto no âmbito político como no social. Além do mais, mesmo que as medidas busquem ajustar os mecanismos econômicos em Cuba, onde a aparição do CUC foi resultado das sanções estadunidenses que impedem a utilização do dólar em transações internacionais e obrigam o país a pagar adiantado em toda negociação, sendo ainda que os custos vêm aumentando, tais prejuízos jamais recaíram sobre o conjunto da população mais vulnerável.

Ao contrário, o governo tem feito todo o possível para preservar as conquistas sociais da revolução, como na saúde, na educação, na cultura, etc., mesmo nas condições mais adversas, condições estas que nenhum outro país tem enfrentado.

Por exemplo, as empresas alemãs Sartorius e Merck, assim como a Cytiva e outros fornecedores regulares de material de laboratório, reagentes e insumos, devido à intensificação do bloqueio, pararam de fornecer a Cuba em 2020. Desse tempo para cá, o país não pôde ter acesso a um total de 32 equipamentos e insumos relacionados com a produção de vacinas candidatas contra a COVID-19 ou com a execução de etapas que permitam a conclusão dos estudos clínicos da vacina, dentre os quais o equipamento para a purificação dos vacinas candidatas, acessórios para equipamentos de produção, tanques e cápsulas de filtração, solução de cloreto de potássio, timerosal, bolsas e reagentes. Cuba teve de recorrer a outros provedores como intermediários, gerando um incremento do preço entre 50% e 65% do estabelecido historicamente, dada a impossibilidade de contratar diretamente ao fabricante [11].

Apesar do reforço do bloqueio, a revolução conseguiu conter com sucesso o avanço da pandemia em seu território por um ano, ao desenvolver 3 vacinas e duas vacinas candidatas. Sendo o único país latino-americano a produzir sua própria vacina e imunizar sua população com ela, enquanto o resto do mundo viu seu sistema de saúde entrar em colapso, em Cuba, apesar da escassez de suprimentos médicos, a pandemia foi administrada de forma eficaz, o que até a levou a ser reconhecida por organizações internacionais e centros de pesquisas médicas.

Sobre os fatos de 11 de julho… o governo revolucionário sempre dá a cara ao povo

Sem dúvida, os acontecimentos de 11 de julho se enquadram no contexto da deterioração das condições de vida do povo cubano. No entanto, não é verdade dizer que o governo criminalizou os protestos e aqueles que se manifestaram. De fato, o próprio Diaz-Canel compareceu diante dos manifestantes na cidade de San Antonio de los Baños, na província de Havana, reconhecendo as legítimas demandas do povo por melhorias materiais em suas condições de vida, ao mesmo tempo em que reconheceu as fragilidades e os grandes desafios que o governo e o povo cubanos enfrentam.

Na mesma linha, não é verdadeiro estabelecer relações entre desemprego e protestos em Cuba, como faz o autor do artigo. Na ilha, o desemprego fechou 2019 com 1,3% segundo dados da CEPAL, cujo relatório indica que, embora se esperasse um aumento da taxa de desemprego para 2020, este se deu no setor não estatal da economia, devido à retração do turismo em decorrência da pandemia, uma vez que o setor autônomo está intimamente ligado às demandas geradas nesta área, como aluguel de moradias, transporte e restaurantes.

No entanto, apesar da pandemia e das difíceis condições geradas, o Estado não restringiu os direitos dos trabalhadores, como se fez no resto do mundo, onde milhões de pessoas perderam seus empregos e ficaram à deriva. Em Cuba, o Estado garantiu a cobertura de 100% do salário dos trabalhadores dispensados no primeiro mês e 60% nos meses seguintes, além de promover a modalidade de teletrabalho com 100% do salário.

Da mesma forma, afirmar que o sistema de saúde em Cuba entrou em colapso ou vem se arrastando num colapso estrutural não é verdade. A qualidade do sistema de saúde da ilha é uma das principais conquistas da revolução, reconhecida internacionalmente, embora alguns pseudo “esquerdistas” não o admitam. Apesar do aumento do bloqueio, que impede o acesso a insumos e medicamentos, a indústria biofarmacêutica cubana produz 58% da cesta básica de medicamentos do setor, num total de 619 medicamentos.

Por fim, a série de falácias a respeito da “ditadura de partido único” encabeçada pelo PCC revela o absoluto desconhecimento do sistema político cubano e a má-fé de quem escreveu o referido artigo. A revolução não “destruiu” os partidos políticos, foi Batista quem suspendeu as eleições com o golpe de 1952.

Com o triunfo da revolução, iniciou-se um processo de unificação das diferentes organizações políticas da classe trabalhadora. Assim, foram criadas as Organizações Revolucionárias Integradas, as mesmas que em 1959 concordaram em constituir conjuntamente o Partido Comunista de Cuba, retomando a linha dos heróis cubanos Antonio Mella e Carlos Baliño.

O autor evitou dizer deliberadamente – ou em razão de sua ponderável ignorância – que o Partido Comunista de Cuba não é um partido eleitoral, isto é, não participa de eleições nem propõe candidatos. São as pessoas oriundas dos bairros que nomeiam os seus candidatos para as Assembleias Provinciais e, por último, para a Assembleia Nacional, onde o único requisito é a idoneidade, ou seja, a filiação ao Partido não é obrigatória para candidatar-se a cargos públicos.

Assumir que a direção da revolução cubana derivou dessa espécie de “burguesia nacional” demonstra a mais elementar ignorância acerca da história de Cuba e do processo revolucionário, bem como dos mecanismos profundamente democráticos que só existem na ilha e com os quais nosso os povos apenas sonham.

A avaliação, simplesmente, da existência de uma ditadura é outra expressão liberal que omite o caráter de classe dos processos típicos das sociedades de classes. A democracia que existe em Cuba é aquela que se constrói como democracia operária, não sem as contradições inerentes à condição humana revestidas de particularidades históricas, geográficas e geopolíticas, por sua vez marcadas pela hegemonia e pela ofensiva do capital sobre o trabalho em escala mundial. E, quando falamos de democracia operária, falamos da ditadura do proletariado. Assim como, quando falamos de democracia burguesa, falamos da ditadura do capital [12].

A Revolução Cubana está se construindo no contexto de uma guerra de múltiplas dimensões. Assumir o edifício teórico desenvolvido por Karl Marx obriga-nos a fazer avaliações com as dimensões que eventos, acontecimentos e expressões, tanto subjetivos como objetivos, exigem e contêm.

A existência de repressão, violência, prisão, por parte de quem detém o maior poder deve ser avaliada com base nos interesses que concretamente são declarados ou defendidos. Claro, várias pessoas foram presas no contexto desta crise e das manifestações geradas. Várias delas têm relações comprovadas com as agências norte-americanas. E certamente, no marco dessa guerra, haverá pessoas que devem estar livres, assim como haverá altíssimos graus de dúvidas e impressões sobre a honestidade de muitas cubanas e muitos cubanos em suas reivindicações, levando em conta conta essas dimensões múltiplas da guerra. E nisso é importante insistir: o processo cubano é contraditório, tem erros, além de ser crítico e autocrítico. O que esse processo não tem é o grau de corrupção, mesquinhez, concentração de riqueza e expressão criminosa da desigualdade, como os processos envolvidos na dominação do modo de produção capitalista.

A crise estrutural do modo de produção capitalista, como bem como a crise em Cuba, imersa naquela, são coisas muito sérias. Portanto, enfrentar o problema e contribuir para melhores propostas, tanto para Cuba como para toda a humanidade, requer uma abordagem e uma relação crítica que se dispa de toda armadura de cavalaria simuladora de uma fortaleza crítica que, na realidade, procura esconder as enormes lacunas e os espessos véus da falsa consciência, tal como definida em sua noção epistemológica por Marx e Engels, quando se referiam à ideologia. [13].

Em suma, o artigo expressa a miopia política da tendência trotskista com a qual o autor se alinha, que do alto de um pedestal tenta dar lições de como ser “bons revolucionários”, reproduzindo o pedantismo característico dos intelectuais alheios ao movimento da luta de classes, algo extremamente funcional aos espúrios interesses do imperialismo e das classes burguesas dominantes.

(*) https://www.abc.com.py/edicion-impresa/suplementos/cultural/2021/08/01/la-izquierda-ante-las-protestas-en-cuba/

[1] Valor Teórico da concepção gramsciana de hegemonia. Capítulo 8. Traducir a Gramsci. Páginas 160/161. Traducir a Gramsci. Acanda González, Jorge Luis. Editorial de Ciencias Sociales, La Habana, 2009.

[2] Impacto do bloqueio nos direitos econômicos e sociais em Cuba https://www.amnesty.org/download/Documents/44000/amr250072009spa.pdf Acesso: 01-08-2021

[3] Lei Torricelli https://www.fgr.gob.cu/es/la-ley-torricelli-un-engendro-juridico-para-esclavizar-cuba-ii-parte Acesso: 01-08-2021

[4] Subversão em Cuba http://www.cubadebate.cu/noticias/2021/05/31/otros-20-millones-para-la-subversion-en-cuba-ahi-si-hay-prioridad-para-la-administracion-estadounidense/ Acesso: 01-08-2021

[5] Lei Helms-Burton https://instituciones.sld.cu/facultadfinlayalbarran/files/2019/06/Ley-Helms-Burton.pdf Acesso: 01-08-2021

[6] Trump aumenta sanções contra Cuba https://elpais.com/internacional/2021-01-02/donald-trump-aumenta-las-sanciones-a-cuba-antes-de-marcharse.html Acesso: 01-08-2021

[7] Informe do Bloqueio a Cuba http://www.cubaminrex.cu/sites/default/files/2020-10/Informe%20de%20Cuba%20vs.%20bloqueo%202020.%20Espa%C3%B1ol.pdf Acesso: 01-08-2021

[8]Adendo de Cuba ao informe do Secretário Geral sobre a resolução 74/7 da Assembleia Geral das Nações Unidas. 20 de Junho de 2021 http://misiones.cubaminrex.cu/sites/default/files/archivos/editorargelia/articulos/a_75_81_add_1_spanish.pdf

[9] O bloqueio proíbe Cuba de utilizar o dólar nas suas transações internacionais.

[10] Partido Comunista de Cuba

[11] Adendo de Cuba ao informe do Secretário Geral sobre a resolução 74/7 da Assembleia Geral das Nações Unidas. 20 de Junho de 2021 http://misiones.cubaminrex.cu/sites/default/files/archivos/editorargelia/articulos/a_75_81_add_1_spanish.pdf

[12] Teses e informe sobre a democracia burguesa e a ditadura do proletariado. Apresentado ao I Congresso da III Internacional em 4 de março de 1919. Lenin, Discursos pronunciados nos congressos da Internacional Comunista. Editorial Progresso, Moscou, s.f.

[13] : K. Marx & F. Engels. A ideologia Alemã. Montevideo: Pueblos Unidos, 1959. Trad. al castellano de W. Roces.

[i] Economista. Candidata a Mestre em Ciências Sociais pela FLACSO-Paraguai. Presidenta da Sociedade de Economia Política do Paraguay-SEPPY. Diretora da Sociedade de Economia Política e Pensamento Crítico em Latinoamérica- SEPLA. Membra do GT de CLACSO “Crisis y Economía Mundial”. Responsável pela Comissão de Ideologia e Formação do Partido Comunista Paraguaio e membra do Comitê Central do PCP.

E-mail: alhelicaceres@seppy.org.py

FOTO: Juventud Rebelde

Fonte: https://adelantenoticias.com/2021/08/04/proceso-de-construccion-socialista-en-cuba/

Tradução: Partido Comunista Brasileiro

Categoria
Tag