Venezuela: levantam-se as candidaturas da esperança!

imagemMarcha de camponeses em favor da candidatura do Partido Comunista da Venezuela em Mérida.

Publicado por Observatório Comunista

Realizadas no dia 21 de novembro as eleições regionais na Venezuela, estão em jogo 23 governos estaduais, 335 prefeituras, 253 cargos legislativos estaduais e 2.471 cargos legislativos municipais, segundo informações do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), a autoridade eleitoral máxima do país. Este será o sexto pleito regional a que os venezuelanos serão convocados a votar desde o início do processo político conhecido como Revolução Bolivariana, iniciado em 1998 sob a direção do comandante Hugo Chávez. Após alguns anos de boicote eleitoral, a oposição de direita, ligada à alta burguesia do país e aos interesses dos Estados Unidos, chegou a um acordo – sagrado no México em agosto de 2021, mediante gestões diplomáticas de López Obrador – com o governo para voltar a disputar regularmente os processos eleitorais.

O campo político de esquerda e bolivariano chega fraturado às eleições. Já há alguns anos, o Partido Comunista da Venezuela (PCV) denuncia uma guinada à direita do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), partido do presidente Nicolás Maduro. Critica-se a onda de privatizações, a desvalorização dos salários, a retirada de direitos trabalhistas, as concessões à iniciativa privada e as negociações desvantajosas com as grandes potências do mundo. Para o PCV, o acordo do México não passa de um “pacto de elites”, onde os novos ricos (a “burguesia revolucionária” que surgiu apesar dos alertas de Chávez contra esse perigo) e a direção pequeno-burguesa do PSUV alcançaram uma convivência estável com os velhos interesses oligárquicos representados pela direita, descarregando o peso da crise econômica nas costas do povo trabalhador venezuelano. Essas posturas do governo de Maduro, para os comunistas, têm como consequência funesta o enfraquecimento da capacidade de resistência das massas da Venezuela contra as agressões do imperialismo, e impede que todas as forças populares caibam em uma mesma aliança, por falta de convergência programática.

Distanciando-se do PSUV, o PCV encabeça hoje uma nova união de forças políticas comprometidas com o aprofundamento da Revolução Bolivariana e com a luta pelo socialismo na Venezuela, a Alternativa Popular Revolucionária (APR). Organizações dos trabalhadores urbanos e rurais, dos camponeses e comuneros, da intelectualidade, da juventude, das mulheres, dos povos originários, em suma, de todos os segmentos populares da sociedade venezuelana se somam à luta da APR contra os retrocessos impostos pelo grupo político hegemônico no país, de visão estratégica recuada e que pode pôr em risco os ganhos dos últimos vinte anos revolucionários.

Por seu histórico de compromisso real com a revolução e sua recusa em pactuar com a direita oligárquica ou com grupos esquerdistas que vacilam diante da agressão imperialista, o PCV e as demais forças que compõem a APR gozam do respeito e da simpatia do povo venezuelano leal aos ideais de Chávez e podem ameaçar a hegemonia da atual liderança do PSUV no processo bolivariano. De forma indigna, o governo tem depreendido mais esforços em tentar impedir vozes comprovadamente anti-imperialistas e de esquerda de disputar de forma democrática os rumos do país do que em combater o avanço da direita. Essa dinâmica de cerceamento do espaço político da APR já se fez presente nas eleições legislativas do ano passado, mas a despeito da pressão, foi possível eleger Óscar Figuera, secretário-geral do PCV, como deputado da Assembleia Nacional.

Nesta matéria da edição n°3025 de seu periódico Tribuna Popular, o PCV apresenta o quadro em que terão lugar as eleições regionais no dia 21. Novamente, a APR enfrentará obstáculos políticos e legais por ir às ruas de toda a Venezuela buscar convencer o povo de que é possível avançar ainda mais, com um programa revolucionário e consequente. Para que se torne cada vez mais densa nossa compreensão do que se passa hoje nesse país vizinho, central para a resistência à atual ofensiva do imperialismo estadunidense na América Latina, e para que se fortaleça nossa solidariedade com a luta dos irmãos venezuelanos, traduzimos e publicamos no Observatório Comunista esse escrito dos comunistas do país. Boa leitura!

APESAR DO ASSÉDIO E DAS MANOBRAS ANTIDEMOCRÁTICAS DO GOVERNO, SE LEVANTAM AS CANDIDATURAS DA ESPERANÇA!

A Alternativa Popular Revolucionária (APR) apresentou, na legenda eleitoral do Partido Comunista da Venezuela (PCV), seus candidatos e candidatas aos governos e conselhos legislativos dos 23 estados e às prefeituras e conselhos municipais dos 335 municípios do país, em meio a um complexo cenário político marcado pela intimidação sistemática promovida pelo governo nacional e seu partido, que tentam pôr obstáculos à inscrição de candidaturas alternativas às que representam o pacto de elites [1] selado com as organizações de direita e extrema-direita no México.

Como resultado dessa intimidação, apenas 22 das candidaturas aos governos estaduais foram oficialmente validadas pelas autoridades eleitorais, e algumas das candidaturas às prefeituras também acabaram sendo anuladas. Atores políticos e institucionais vinculados ao governo e ao Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) deflagraram um conjunto de ações, tanto abertas quanto na surdina, para ameaçar e amedrontar lutadores e lutadoras sociais com a intenção de evitar que se apresentassem como candidatos e candidatas da APR nas eleições de 21 de novembro. No dia 5 de setembro, essa ofensiva institucional contra a APR e o PCV teve início com uma mensagem de uma das reitoras do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Tania D’Amelio, informando que a candidatura de Eduardo Samán à Prefeitura de Caracas havia sido “impugnada”.

Esse anúncio foi feito apenas uma hora antes do fim do período de inscrição de candidaturas, o que poderia ter causado a exclusão da APR da disputa eleitoral na capital do país. O PCV enviou uma comunicação ao órgão eleitoral para denunciar que essa decisão deixava Samán sem possibilidade de defesa, ao não indicar quais eram os motivos legais da decisão.

Alguns dias depois, dezenas de intelectuais, artistas, religiosos, docentes e políticos assinaram um comunicado de protesto à decisão do CNE e à violação do Estado de Direito que ela significava. No documento, assinado pelo ex-magistrado do Tribunal Supremo de Justiça Juan Rafael Perdomo, pela ex-deputada constituinte María Alejandra Díaz e pelo jornalista Walter Martínez, entre outros, se advertia que “o que aconteceu com o professor Eduardo Samán e com o Partido Comunista da Venezuela não é um ataque a uma pessoa ou à direção de uma organização política, mas um golpe contra a institucionalidade democrática perpetrado por atores cuja razão de ser é preservá-la”.

“O silêncio institucional em torno do caso é agravado pela ausência de uma cobertura plural dos acontecimentos políticos do país, o que compromete o respeito à diversidade e ameaça reduzir nossa democracia ao monólogo dos que detêm o poder, enquanto aparatos de desinformação desvirtuam e negam as reivindicações das maiorias”, adicionam os signatários.

CENSURA MIDIÁTICA E MAIS IMPUGNAÇÕES

Pouco depois, foi suspenso o programa “Lo de hoy es noticia”, transmitido pela Televisora Regional Barinas TV e apresentado pelo jornalista Edecio García Sosa, candidato pela APR à prefeitura do município de Barinas no estado de Barinas. Após quatro anos de transmissão e reconhecimento público como “a voz dos que não tem voz”, o programa foi suspenso pelo diretor do canal com uma simples ligação de telefone. Ao ser questionado pelas razões de sua decisão, o diretor apenas respondeu que estava “sob grande pressão política”.

No dia 22 de setembro, o CNE informou que mais duas candidaturas do PCV seriam impugnadas por ordem da Procuradoria Geral da República. Se tratavam das candidaturas do general reformado Nerio Galbán, candidato a governador do estado de La Guaira, e de Miguel Ángel Vásquez, candidato a prefeito do município Península de Macanao, no estado de Nueva Esparta. Nesse momento, o CNE exigiu ao PCV que substituísse seus candidatos, ao que o Birô Político da legenda comunista respondeu que “o PCV não aceita pressões do CNE”.

Em um comunicado via Twitter, o organismo de direção do partido do Gallo Rojo indicou que “o PCV não fará essas substituições até que o CNE oficialize e faça constar essa nova violação que pisoteia os direitos políticos dos candidatos Galbán e Vásquez, assim como os do PCV”. O órgão que rege os processos eleitorais efetivamente eliminou ambas as candidaturas e, alguns dias mais tarde, impediu que o PCV realizasse o trâmite de substituição das candidaturas ao bloquear o acesso do partido ao sistema eleitoral quando ainda faltavam várias horas para o fim do período de inscrição.

Uma delegação do PCV se apresentou à sede do CNE para pedir esclarecimentos sobre a situação e uma funcionária reiterou que o sistema já havia sido fechado, contrariando a informação oficial do órgão eleitoral sobre o período de inscrição de candidaturas. Na opinião do PCV, o fechamento arbitrário do sistema viola os prazos estabelecidos pelo próprio CNE, demonstrando que “estamos frente a uma manobra política, e não um erro técnico”.

Em um comunicado ao CNE, os comunistas alertaram sobre a configuração de “um cenário de aberta violação dos direitos políticos de nossa organização e um golpe à Constituição e à democracia do nosso país”. O comunicado agrega que “o PCV exige que o CNE restitua os direitos que temos de postular candidaturas e participar do processo eleitoral, assim como cesse o assédio político contra nossa legenda, que expressa no âmbito eleitoral a Alternativa Popular Revolucionária”.

A PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA NÃO RESPONDE

Ao pronunciamento de diversos segmentos da opinião pública sobre as impugnações, se somaram comunicados de dois dos cinco reitores do CNE. O reitor Roberto Picón, em particular, rechaçou o uso da pena de impugnação a candidatos aos cargos de prefeito e governador que serão eleitos no dia 21 de novembro. “Vemos com preocupação o retorno da pena de proibição do exercício de cargos públicos à cena política do país na vizinhança de um processo eleitoral”, disse Picón em um comunicado publicado em sua conta no Twitter.

Picón se referiu aos casos de Samán e de Leocenis García – representante de um grupo da oposição de direita –, cujas candidaturas à prefeitura de Caracas foram bloqueadas pelo órgão eleitoral. “Os cidadãos mencionados anunciaram sua intenção de exercer seu direito político de concorrer a um cargo eleitoral, mas foram surpreendidos por decisões de última horas que não lhes foram devidamente e oportunamente notificadas”, acrescentou Picón.

Por sua vez, o vice-presidente do CNE, Enrique Márquez, denunciou que a Procuradoria-Geral da República se nega a dar respostas sobre as arbitrárias e injustificadas impugnações políticas registradas durante as últimas semanas. “Fizemos todas as movimentações internas no CNE para que neste caso e em outros muitos se tomasse uma decisão favorável à restituição plena dos direitos políticos dos cidadãos afetados. Contudo, a situação permanece a mesma, principalmente por conta da recusa da Procuradoria a dar respostas”, indicou o reitor Márquez em um comunicado difundido pelo Twitter.

“Hoje, utilizamos esse veículo para marcar posição clara frente a essa situação e solicitar a tramitação idônea e justa das denúncias citadas. Sabendo que tais fatos afetam o desenvolvimento da dinâmica de eleição dos poderes regionais e locais, o processo, para gerar confiança, deve garantir transparência”, acrescentou Márquez.

ESTAS SÃO AS CANDIDATURAS A GOVERNADOR DA APR:

Amazonas: Maritza Gutiérrez – Indígena do povo jivi, professora e militante do PCV.

Anzoátegui: Ricardo Franceschi – Engenheiro agrônomo, advogado popular e militante da Frente de Advogados Bolivarianos do Estado de Anzoátegui. Ex-constituinte.

Apure: Anais Cardoza – Jornalista.

Aragua: Douglas Gómez López – Técnico em Segurança do Trabalho, sindicalista, membro do Comitê Executivo da Central Unitária de Trabalhadores da Venezuela (CUTV) e militante do PCV. Deputado no estado de Aragua.

Barinas: Aldemaro Sanoja – Camponês, sindicalista, dirigente regional da União Nacional de Trabalhadores (UNT).

Bolívar: Oswaldo Ramos – Diretor do jornal Tribuna Popular e Secretário Nacional de Agitação e Propaganda do PCV.

Carabobo: Ricardo Adrián – Comunero, jornalista, assessor de movimentos sociais, militante da Rede Autônoma de Comuneros (RAC) e da Corrente Revolucionária do Poder Popular (CRPP).

Caracas: Rafael Uzcátegui – Secretário-geral do partido Pátria Para Todos (PPT) [substituindo a candidatura de Eduardo Samán, impugnada pelo CNE].

Cojedes: Jonser Montenegro – Professor universitário e assessor de movimentos sociais.

Delta Amacuro: José Gascón – Jornalista e radialista.

Falcón: Frank Atacho – Médico e advogado popular.

Guárico: Juan Flores – Professor e dirigente comunitário rural, ex-militante do PSUV. Ex-deputado.

La Guaira: Nerio Galbán – General reformado [Impugnada pelo CNE].

Lara: Libio Agüero – Advogado e militante do PCV. Ex-deputado.

Mérida: José Rodríguez – Funcionário da Universidad de Los Andes, advogado e sindicalista.

Miranda: Carlos Ojeda – Advogado, diretor do Instituto de Altos Estudos Bolívar-Marx (IAEBM) e militante do PCV.

Monagas: Domingo Poito – Advogado popular, ex-militante do PSUV. Ex-vereador e ex-deputado.

Nueva Esparta: Maria Patiño – Professora universitária, psicóloga, militante do Movimento de Mulheres Clara Zetkin e do PCV.

Portuguesa: Antonia Muñoz – Professora e ex-militante do PSUV. Ex-governadora do estado de Portuguesa.

Sucre: Jesús Mesa – Advogado, fundador da Frente de Advogados Socialistas do estado de Sucre, ex-defensor público e ex-juiz.

Táchira: Juan Guevara – Advogado e administrador, militante do PPT. Deputado no estado de Táchira.

Trujillo: Juan Barreto – Professor universitário e militante do Partido Revolucionário Venezuelano (PRV).

Yaracuy: Miguel Hernández – Advogado, ex-procurador. Ex-vereador.

Zulia: Johanna Curiel – Jornalista, ex-líder da iniciativa do governo Hugo Chávez Gran Misión Conciencia Nacional e ex-militante do PSUV. Ex-deputada da Assembleia Nacional e do Parlamento Latinoamericano Indígena.

[1]: Sobre a concepção de “pacto de elites” proposta pelo PCV, é possível ler mais neste comunicado da direção do partido.

Leia outros textos do PCV e da APR traduzidos pelo Observatório Comunista:

“Por uma saída revolucionária para a crise”

“Rumo ao congresso fundacional da Alternativa Popular Revolucionária”

Traduzido por Guilherme Arruda – militante da UJC em São Paulo

Texto original disponível no jornal Tribuna Popular.