Sem 21 não tem 22: a hora é essa! (parte 2)

imagem

Por Dmitry Galvão

A situação desde o último golpe de Estado

Crise e golpismo em alta intensidade

A crise mundial de 2008 do sistema capitalista foi a mais grave observada desde a de 1929. No Brasil, assim como em outros países latino-americanos, seus impactos foram sentidos através da pressão das frações capitalistas dos países imperialistas, prontamente adotada também pelos capitalistas locais, por uma ofensiva contra mercados potenciais e ativos econômicos que não estavam acessíveis, em países dependentes. Alguns exemplos são: as empresas estatais, as aposentadorias, os direitos trabalhistas, fatores mínios para a dignidade do povo, conquistados à partir de pressão organizada da classe trabalhadora. Desde 2008, inúmeros golpes de Estado ocorreram na América Latina, na África e no Oriente Médio, fomentados pelos EUA, por seus aliados na OTAN e por entidades como a Organização de Estados Americanos.

Apenas na América Latina, entre os países nos quais foram registrados golpes e intentos de desestabilização estavam: Honduras, no Paraguai, no Brasil, na Venezuela, em Cuba, e na Bolívia.

2016 – Golpe e palavras de ordem sem consequência

Desde a contestação do resultado das eleições de 2014 por parte do PSDB, a oposição de direita ao governo da presidenta Dilma Roussef assumiu uma postura abertamente golpista.

O governo foi reeleito sob a consigna de uma “guinada à esquerda” e contrária à austeridade, no entanto, adotou uma política de ajuste fiscal, muito próxima da proposta por Aécio Neves (PSDB).

Essa situação criou grande instabilidade para o governo, que abriu espaços em ministérios para partidos como o PRB, ligado à Igreja Universal. O bispo Marcelo Crivella foi escolhido ministro da pesca.

A burguesia no Brasil, no entanto, vislumbrou a possibilidade de um governo neoliberal puro sangue, encabeçado pelo então vice-presidente Michel Temer (PMDB), disposto a realizar as ofensivas contra os direitos do povo que a burguesia transnacional impunha como forma de reduzir as perdas da crise.

Já no começo de 2016 ficou evidente que Temer conspirava ativamente pela derrubada da presidenta Dilma.

O PT então adotou a palavra de ordem “não vai ter golpe, vai ter luta”. Mas a aposta de defesa da presidenta acusada injustamente se deu praticamente toda voltada para o âmbito institucional e para a articulação política de bastidores, como forma de tentar diminuir o número de parlamentares dispostos a votar pelo impeachment.

À exceção de alguns atos de rua, não houve mobilização ativa da classe trabalhadora proporcional a uma conjuntura de um golpe de Estado, como a convocatória de uma greve geral. Isso, mesmo com o PT dirigindo a CUT, principal central sindical do Brasil até a atualidade.

2016 e 2017: Consolidação do golpe e ofensiva contra os direitos do povo

Com o golpe consumado, o novo governo, de extrema-direita, apresentou um conjunto de reformas antipopulares demandas pela burguesia no Brasil e a transnacional. Eram elas: a contrarreforma do ensino médio, a contrarreforma da previdência, a contrarreforma trabalhista e o que viria a converter-se na Emenda Constitucional 95, chamada à época de PEC da Morte. Essa emenda inscreveu, ainda em 2016 na Constituição, que os gastos públicos em áreas como saúde, educação e assistência social, não poderiam ser aumentados pelos 20 anos seguintes, ou seja, até 2036.

Todas essas ofensivas encontraram firme oposição na sociedade, na forma de paralisações e manifestações de massas que exigiam também o fim do governo ilegítimo e golpista de Temer. Em 24 de maio de 2017, Temer autorizou o uso das forças armadas contra manifestantes que tomaram Brasília.

A aposta feita por setores do campo democrático-popular, de que nas eleições de outubro de 2018 seria obtida uma vitória que reverteria os retrocessos, foi um obstáculo para a derrubada do governo Temer, apesar da rejeição de 97% da população ao seu governo.

Dessas ofensivas, a única que foi derrotada naquele momento foi a contrarreforma da previdência, por meio de uma Greve Geral, que deixou um saldo positivo e vitorioso para a classe trabalhadora, mas que é pouco lembrada.

A aprovação da contrarreforma da previdência só viria a ocorrer em 2019, sob o impulso de governo recém-eleito com o qual contava Bolsonaro.

2018 – Estreitamento das liberdades democráticas

O ano de 2018 ficou marcado pela intervenção militar no Rio de Janeiro. Foi mais um passo dado por Temer e seu ministro da segurança pública, Raul Jungmann, para o aumento da militarização da vida social. No dia 14 de março, a vereadora Marielle Franco do PSOL, também do Rio de Janeiro, foi assassinada em um atentado político, cujos mandantes ainda não foram punidos.

Em 7 de abril de 2018, o ex-presidente Lula teve sua ordem de prisão expedida com base nos infundados casos do tríplex e do sítio, fustigados pelo então juiz Moro. O ex-presidente foi para o sindicato dos metalúrgicos do ABC, em volta do qual se reuniu uma grande multidão em defesa do petista. Após reunião, na qual muitos se posicionaram de que, perante a injustiça à qual era submetido, Lula deveria esperar que viessem prendê-lo tendo que passar pela crescente multidão e não se entregar, o ex-presidente seguiu a opinião dos advogados e optou por se apresentar voluntariamente, sem que houvesse maiores mobilizações populares posteriormente, à exceção da campanha Lula livre.

Durante todo o período de pré campanha, o PT agitou a correta palavra de ordem de que eleições sem Lula seriam uma fraude. E de fato seriam, pelo simples fato de ele ser um cidadão brasileiro que desejava candidatar-se e que cumpria os requisitos para tanto e estava sendo impedido. Era agravante ainda o fato de este cidadão ser o candidato líder das intenções de votos em todas as pesquisas.

No entanto, as eleições ocorreram sem Lula, sendo portanto manipuladas. Mas o PT não levou sua própria palavra de ordem a termo e não suspendeu a participação no pleito, como seria natural em um processo notadamente fraudulento.

Em vez disso, apresentou faltando, menos de 1 mês para as eleições, a candidatura de Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo cuja última experiência eleitoral havia sido a derrota em sua tentativa de reeleição para a prefeitura em 2016. Nessa disputa, Haddad havia sido derrotado em todas as urnas da cidade, no 1° turno, por João Doria (PSDB).

O resultado foi uma candidatura com pouca expressão política, que no 1° turno recebeu os votos de eleitores, simpatizantes e militantes do PT e no 2° turno agregou os setores democráticos, socialistas e antifascistas, mas que foi incapaz de reverter a onda bolsonarista.

2019 Retomada estudantil das ruas

O ano de 2019, que começou ainda com grande influência da campanha eleitoral, teve a brutalidade fascista ainda mais escancarada. Exemplo foi política de “atirar na cabecinha” do então governador fascista do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, eleito na onda do bolsonarismo.

Apesar de ser de amplo conhecimento o caráter fascistizante do governo Bolsonaro, havia grande incerteza entre setores da esquerda sobre como se comportar diante do governo recém-eleito.

A grande mídia se esforçou para difundir a ideia de que o governo Bolsonaro adquirira moderação e de que as posições expressadas por ele eram de um personagem.

Classificaram o governo como de direita. Quando países de todo o mundo destacavam o óbvio, que o Brasil passara a ser governado pela extrema-direita, tentaram dividir o governo em alas: ala ideológica, ala militar, ala econômica. Segundo essa lógica, algumas seriam melhores ou mais racionais do que outras.

Elogiaram o “perfil técnico dos ministros”. Ressaltaram que na pior das hipóteses, a política econômica estaria em boas mãos com Paulo Guedes.

Entre setores da centro-esquerda, tornaram-se comuns falas no sentido de que eleito bolsonaro, era aguardar a próxima eleição, e que o povo teria de lidar com a sua escolha. Outro argumento que desembocava em consequência parecida era o de que seria bom o término do mandato de bolsonaro para evitar “uma tradição de impeachments” que poderia vir a prejudicar um eventual futuro governo de esquerda. A consequência: a oposição em baixa intensidade.

2019, no entanto, foi um ano de profundos retrocessos, que exigia grandes mobilizações. O avanço de grileiros, madeireiros e garimpeiros contra as terras indígenas com o apoio do governo federal. Aumento das mortes no campo. Aumento dos números de mortos em operações policiais nas favelas e periferias. Flexibilização da legislação e controle de armas, intervenções nas universidades federais, cortes de verbas de áreas como a saúde e a educação. Entrega do patrimônio nacional. Foram apenas alguns dos retrocessos de 2019.

Naquele ano as entidades estudantis cumpriram papel fundamental nas lutas de ruas, retomando um protagonismo que havia muito estava apagado. A UNE foi responsável por importantes protestos que ficaram conhecidos como Tsunamis da Educação. Esses protestos, além de mobilizar estudantes, funcionários e professores, serviram também como espaço de canalização para a expressão do descontentamento e inconformidade com o governo fascista, contando com a participação de amplos segmentos sociais em luta pelo FORA Bolsonaro.
Contraditoriamente, no entanto, Bolsonaro teve apenas 5 pedidos de impeachment protocolados no seu primeiro ano de governo.

Em 2020 foram 54 e em 2021 84.

Se uma violenta política de morte já estava se abatendo sobre a classe trabalhadora, e uma parte da esquerda tem como principal métrica a institucionalidade, por que então houve apenas 5 pedidos de impeachment em 2019? Se já vigorava a todo vapor a política genocida, de destruição e entrega do patrimônio nacional, preparada e iniciada por Temer?

2020: eclosão da pandemia e ofensiva golpista da extrema-direita – manifestações antifascistas e antirracistas obrigam recuo do governo

O ano de 2020 começou com os tensionamentos em torno do orçamento federal. Era o fator de desgaste utilizado por Bolsonaro como agitação golpista de que os outros poderes estavam impedindo o seu governo. Quando os primeiros casos de corona vírus foram identificados no Brasil, já haviam manifestações golpistas de extrema-direita marcadas, para o dia 15 de março.

Após os primeiros registros da doença e uma onda de incerteza geral, o próprio Bolsonaro, temendo um fiasco, cancelou a convocação das manifestações. Mas em um processo de idas e vindas elas acabaram ocorrendo, ainda que com adesão bem menor do que a prevista.
A partir desse momento, a política de sabotagem ao combate da pandemia tornou-se aberta e ininterrupta. As declarações golpistas também se intensificaram até que, em junho, chegaram à temperatura máxima, com a ameaça explícita de bolsonaro quanto ao fechamento do regime com nova convocatória de manifestações.

O assassinato de João Pedro, de 14 anos, por policiais que entraram atirando na casa do jovem, em maio, foi mais um episódio da política de genocídio da juventude negra e do racismo enraizado no Brasil.

As torcidas organizadas e o movimento negro reagiram de maneira vigorosa e convocaram manifestações de rua de caráter antifascista e antirracista.

Essas manifestações reuniram milhares de pessoas nas ruas, em todo o país, por dois finais de semana consecutivos, e demonstraram a disposição de luta e resistência da classe trabalhadora.

Que a extrema-direita não tinha o campo todo para si.

Muitos setores da centro-esquerda e esquerda, no entanto, deixaram de aderir a essas importantes manifestações.

O argumento usado foi sanitário, mas a realidade é que as apostas desses setores estavam voltadas apenas para a luta dentro do parlamento e das instituições.

Esse argumento sanitário mostrou-se infundado, ou ao menos deslocado da realidade da classe trabalhadora, tendo em vista que, àquela altura, parte expressiva da classe trabalhadora já não tinha mais assegurada a possibilidade de quarentena, sendo obrigada a continuamente se arriscar em ônibus, trens e metrôs lotados todos os dias, enquanto as taxas de contaminação, ocupação de leitos de UTI e mortes apenas aumentavam.

Ademais, nas manifestações da esquerda, ao contrário das da extrema-direita, prevaleceu o uso de máscara e o distanciamento entre manifestantes.

Depois dessa demonstração de força por parte de movimentos, organizações e partidos independentes da classe trabalhadora, Bolsonaro buscou uma acomodação com o congresso nacional e o STF, no que foi prontamente atendido.

Esse recuo diminuiu o senso de urgência quanto à luta pelo FORA Bolsonaro e a falta de adesão de diversos setores fez com que o foco da luta fosse mais uma vez desviado das ruas, onde estavam e poderiam estar as maiorias sociais, para o parlamento, onde prevalece o fisiologismo de direita que, sempre que necessário pende convenientemente para a extrema-direita.

O segundo semestre de 2020 foi um período com grande número de mortos, em que prevaleceram as manifestações simbólicas. A oposição no parlamento garantiu que o auxílio, que o governo fascista não queria dar, fosse implementado. Garantiu que em vez dos R$ 200 propostos, fossem R$ 600.

Mas não conseguiu por meio da disputa ativa de consciência, que só é possível nas ruas, no trabalho de base, nas mobilizações constantes, demonstrar que era uma conquista da oposição. E permitiu que o governo fascista colhesse o crédito e a popularidade por essa política.

Recuos e derrotas

Em janeiro de 2021, o sistema de saúde de Manaus entrou em colapso. Os leitos de UTI ficaram totalmente ocupados. Muitas pessoas morreram sufocadas em hospitais, por falta de oxigênio. Outras tantas em casa, sem oxigênio e sem atendimento. Foi descoberto que o ministério da saúde tinha conhecimento sobre o colapso iminente do sistema de saúde de Manaus. Que o presente de Natal do governo para o povo brasileiro foi o aumento em 14% no imposto sobre a importação de cilindros de oxigênio.

Que o então general-ministro esteve em Manaus poucos dias antes para promover remédio com perigosos efeitos colaterais e que comprovadamente não surte qualquer efeito positivo no tratamento da covid, podendo ter resultado na morte de muitas outras pessoas que foram vitimadas por essa criminosa desinformação, propagada pelo governo genocida. Esse mesmo ministro, sendo especialista em logística, confundiu o seu próprio estado, Amazonas, com o Amapá. E enviou insumos destinados a um para o outro.

Vieram à tona as recusas do governo quanto à compra de vacinas, que já poderiam ter sido aplicadas ao fim de 2020 e poderiam ter salvado as vidas de dezenas de milhares de trabalhadores e trabalhadoras brasileiras. Quando do colapso de saúde em Manaus, Nicolás Maduro, presidente da República Bolivariana da Venezuela doou cilindros de oxigênio que foram fundamentais para atenuar o morticínio que se abateu sobre a capital amazonense. O transporte por via aérea, no entanto, foi negado pelas autoridades no Brasil e o trajeto teve de ser feito por via terrestre, mais demorada, em caminhões.

Mais um exemplo das práticas solidárias dos governos populares e socialistas, como Venezuela e Cuba, que, demonizados pelo imperialismo e pelas burguesias, enviam médicos e remédios, enquanto imperialistas e seus vassalos enviam balas e bombas.

No começo do ano de 2021, a luta pelo direito à vacinação do povo brasileiro foi um importante tema de agitação e pauta da classe trabalhadora, tendo surtido efeito, apesar de todas as tentativas de impedir a compra de vacinas, superfaturá-las e atrasar ao máximo a logística e pôr em dúvida a segurança e eficácia delas. A disputa de consciência acerca da importância da vacinação cumpriu papel importante nessa luta.

Com todo o esfriamento das lutas no segundo semestre de 2020. A atenção no começo de 2021 esteve voltada para o colapso da saúde em Manaus e para os números recorde de mortes na pandemia. A mídia passou a pautar, também com grande expectativa, as eleições para a presidência da câmara, em disputa que decidira o sucessor de Rodrigo Maia (DEM).

As duas candidaturas consideradas favoritas eram a de Arthur Lira (PP), representante histórico da direita fisiológica, e Baleia Rossi (MDB), apoiado por Maia e que articulou uma campanha para envolver a oposição de centro-esquerda. Esses setores aderiram sem que fossem feitos, no entanto, quaisquer compromissos programáticos além de estar aberto para ouvir e dialogar, assim como Maia. Diante desse cenário, o PSOL lançou a candidatura de Luiza Erundina, como uma candidatura de esquerda pelo FORA Bolsonaro e com o compromisso de, uma vez eleita, acatar imediatamente os pedidos de impeachment contra o genocida e fortalecer a mobilização popular.

Se observarmos o mapa da composição da câmara dos deputados, veremos que a oposição, composta por partidos de esquerda e centro-esquerda tem 130 deputados. À exceção do PSOL, que lançou a candidatura de Luiza Erundina à presidência da Câmara, todos os outros partidos opositores aderiram à campanha de Baleia Rossi do MDB. Essa frente que em um primeiro momento chegou a envolver também o PSL, teve como versão final a seguinte composição: MDB, DEM, PSDB, PT, PDT, PSB, PCdoB, Solidariedade, Cidadania, PV e Rede. O resultado final da votação foi:

Artur Lira (PP) – 302 votos
Baleia Rossi (MDB) – 145 votos
Fábio Ramalho (MDB) – 21 votos
Luiza Erundina (PSOL) – 16 votos
Van Hatten (NOVO) – 13 votos
André Janones (Avante) – 3 votos
Kim Kataguiri (DEM) – 2 votos
Peternelli (PSL) – 1 voto

Considerando que os partidos que formalmente apoiaram Rossi totalizavam 239 deputados, esse deveria ter sido o resultado do candidato. No entanto, nas eleições para a presidência da Câmara, o voto dos representantes do povo é depositado às escondidas e a compra de votos é regra. Isso faz com que as traições e defecções sejam também uma realidade. Ao todo, foram 96 votos a menos para Rossi. Considerando que a bancada do PSOL tenha se mantido integralmente leal à orientação do partido, teríamos então 6 desses votos prometidos à Rossi indo para a única candidatura de esquerda da eleição, Luiza Erundina. O restante foi para Arthur Lira.

Luiza Erundina apresentou uma candidatura combativa e compromissada a pôr fim ao governo de Bolsonaro e Mourão e ao projeto de destruição nacional iniciado a partir do golpe de 2016. Golpe consumado em benefício desse projeto que hoje devasta o Brasil. Orquestrado, executado e do qual se beneficiaram e hoje são sócios minoritários PSDB, DEM, e MDB, Temer, Maia e o próprio Rossi. Os dois primeiros, inclusive, se engajaram fortemente na candidatura de Rossi.

Temer fez uma ponte com Bolsonaro para garantir que uma vitória de Rossi não representaria oposição ao seu governo. Rossi garantiu que continuaria a política de destruição do setor público e de entrega do patrimônio nacional. Em 90% dos temas ele votou junto com o governo. Seria mais do mesmo, oposição em banho-maria, com muitas notas de repúdio, ternos bem cortados e cumplicidade na pilhagem do Brasil e no genocídio de brasileiros. Bastou Lira e Bolsonaro pressionarem e rodarem dinheiro para que os deputados da direita brasileira preservassem aquilo que lhes é mais caro: a sua natureza absolutamente fisiológica, oportunista e corrupta.

Abandonaram o acordo e a canoa da “democracia viva” de Rossi em troca de recursos para emendas parlamentares e sabe-se lá quais outros acordos espúrios. Na canoa furada, ficaram a centro-esquerda, Maia, Rossi, Frota e alguns outros direitistas que possuem problemas pessoais com Bolsonaro. A centro-esquerda ficou sozinha segurando o guarda-chuva da direita neoliberal.

Em seu discurso, Erundina denunciou um congresso viciado, que atua para tirar direitos do povo e permite que aqueles que promovem o genocídio do povo brasileiro continuem no poder. Denunciou a cumplicidade de Maia e foi categórica ao afirmar que a solução sairia das ruas, da construção do poder popular. Reafirmou suas posições socialistas e apontou para a necessidade de construção de uma frente ampla programática com independência de classe e sempre em defesa da classe trabalhadora. Denunciou que de casa do povo o congresso nacional nada tem, fechada que é por pesadas grades de ferro para impedir o povo de acompanhar a coisa pública. Infelizmente apenas 16 deputados sustentaram a real vontade das ruas. O apoio da oposição à candidatura de Erundina teria polarizado a eleição entre a chapa de Lira de direita/extrema direita e a de Erundina, de esquerda.

O neoliberalismo refinado, mas igualmente inimigo dos direitos do povo representado por Baleia Rossi teria sido fragorosamente derrotado e ficaria demonstrado que a tese de uma “direita programática” no Brasil é tão ficcional quanto a ideia de que esse setor possui base social relevante. Para além da propaganda midiática gratuita que recebem dos oligopólios de mídia e pelo abuso de poder econômico e despolitização do processo político, da qual são promotores e resultado. Infelizmente, dentro do próprio PSOL houve setores que torpedearam a candidatura de Erundina na defesa de uma frente ampla com a direita golpista que em nada resultaria além, talvez, de algumas notas de repúdio.

Uma votação expressiva para a candidatura de Erundina seria uma afirmação da ciência de que a classe trabalhadora está subrepresentada no parlamento e nas instituições burguesas, mas que tem a consciência de que mais importante do que a aparência de um bloco grande mas sem qualquer coesão programática é a construção de bases sociais nas ruas, para além dos calendários institucionais. De que não precisamos e não devemos envolver inimigos declarados da classe trabalhadora. Seria uma vitória e um impulso para a pauta do FORA Bolsonaro, dentro das possibilidades daquele espaço de disputa.

No entanto, mesmo com a pouca votação que diz muito mais sobre a maioria da oposição parlamentar do que sobre a qualidade programática que foi apresentada, o combate foi travado. E por 11 minutos ressoou na Câmara dos Deputados um discurso que foi à raiz dos problemas do Brasil e apontou o caminho do Socialismo como necessidade. E isso foi uma vitória.

O caminho apontado pela jornada de manifestações de massas iniciadas em maio

De junho de 2020 a maio de 2021, prevaleceram no Brasil atos simbólicos, importantes, mas que já davam sinais de seu esgotamento. Não houve no período iniciativa nacional que reunisse mais de 1000 pessoas.
Esse jejum foi quebrado no Distrito Federal no dia 16 de abril. Nessa data, a Frente Nacional de Lutas – Campo e Cidade, movimento social por Terra e Moradia, convocou uma marcha em memória do massacre de Eldorado dos Carajás e em defesa de Terra, Trabalho e Moradia. Nessa manifestação, cerca de 2000 pessoas marcharam da Praça do Buriti, onde fica a sede do GDF, até o Congresso Nacional, para exigir essas bandeiras e a Reforma Agrária. Foi um bom indicativo para a retomada das lutas.

Posteriormente, veio a chacina do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, na qual 27 pessoas foram mortas. A resposta veio do movimento negro, que convocou manifestações para o dia 13 de maio, data na qual em 1888 foi assinada a lei áurea e considerada uma falsa data de libertação. Essas manifestações reuniram centenas de pessoas em muitas cidades e mostraram mais uma vez a disposição de luta e resistência da classe trabalhadora. No mesmo mês, a campanha nacional Fora Bolsonaro convocou duas manifestações. Uma marcada para o dia 26 de maio, de caráter simbólico contra a alta do preço dos alimentos; e uma segunda que de acordo com a proposta original teria como meta uma grande mobilização.

Muitas forças do campo democrático-popular, como o PT, no entanto, recuaram sobre a realização de um ato massivo posteriormente à realização de qualquer mobilização na data do dia 29. Setores sobretudo do campo socialista, como o PCB, o MES e a UP, mantiveram a data e construíram o ato, que contou com grande adesão e colocou centenas de milhares de pessoas nas ruas em todo o país. A manifestação convergiu com o profundo sentimento de indignação e revolta da população perante o governo genocida de extrema-direita. Essas manifestações sinalizaram a possibilidade não distante da construção de uma alteração da correlação de forças em benefício da classe trabalhadora através de jornadas de lutas nas ruas e da possibilidade de mudanças qualitativas das lutas.

A necessidade da retomada das ruas foi sentida também pelos setores como o PT, que boicotaram o primeiro ato e se apressaram em tentar pautar o calendário que já surgia. A postura desses setores, porém, foi mais no sentido de esfriar o calor das lutas, propondo em mais de uma ocasião espaçamentos de mais de um mês entre uma manifestação e outra, do que impulsionar a pauta do FORA Bolsonaro nas ruas. Prevalecia para esses setores, como central, o calendário eleitoral do ano que vem.

A disposição de luta era tanta, porém, que entre maio e novembro foram realizados grandes atos nacionais. Invariavelmente, o espaçamento entre os atos unificados jogou um balde de água fria no impulso inicial.

As mobilizações dos povos indígenas, no tradicional Acampamento Terra Livre e também fazendo pressão contra o Marco Temporal, realizadas em Brasília, foram outros exemplos de atos expressivos da luta contra o genocídio dos povos indígenas e do povo brasileiro.

E 2022?

Parece haver no ar também, uma pressa para o fim do ano de 2021. Analistas políticos de diversas correntes teóricas e políticas se apressam em dizer que agora é “aguardar as eleições”. Que “infelizmente o tempo para o impeachment ou retirada de Bolsonaro já foi”. Nos últimos dias, o ex-presidente Lula participou de grande manifestação na Plaza de Mayo, na Argentina. Essa praça, que é um tradicional espaço de lutas políticas e sociais do país vizinho, estava cheia em ato convocado pelo governo, em associação ao Kirchnerismo, em defesa da democracia. Nessa ocasião, ela esteve ocupada como sempre esteve. Fosse pelas mulheres, em luta vitoriosa pelo direito ao aborto legal e seguro, em 2020. Fosse pelas mães da Plaza de Mayo, que lutaram por justiça, por seus filhos e filhas, netos e netas, desaparecidos e assassinados pelo último processo ditatorial ao qual os argentinos estiveram submetidos (1976-1983). Fosse como esteve há 20 anos, em 2001, quando em 13 de dezembro foi deflagrada uma Greve Geral contra o modelo neoliberal de subordinação total ao Fundo Monetário Internacional e aos interesses dos EUA. Greve essa que culminou uma semana depois, na revolta popular de 20 de dezembro conhecida como Argentinazo, na qual milhares de argentinos, incluindo as Mães da Praça de Maio, tomaram as ruas em grandes proporções: contra a fome e contra o modelo econômico vigente, que impunha a miséria e a morte ao povo.

Aqueles protestos fizeram com que o então presidente argentino, Fernando de la Rúa, fugisse de helicóptero da Casa Rosada depois de renunciar, no mesmo dia, 11 dias antes do fim do ano. Este presidente aplicava a mesma cartilha que Fernando Henrique Cardoso aplicava no Brasil no mesmo período, a mesma fórmula econômica que viria a ser aplicada por Temer e que é aplicada na atualidade por Bolsonaro. Mas também no Brasil não houve uma semana, principalmente nos momentos mais agudos da pandemia, em que não houvessem manifestações contra o genocídio do povo brasileiro. Fosse das Mães de Maio brasileiras, em sua luta por justiça e contra a barbaridade da violência policial que promove o genocídio da juventude negra. Fosse nas lutas de trabalhadoras e trabalhadores da saúde em luta por condições dignas de trabalho e pela exigência das medidas que poderiam ter salvado vidas. De trabalhadoras e trabalhadores da educação e estudantes, que não deixaram de se mobilizar e pressionar por condições minimamente adequadas de estudo e de trabalho. Em todas as paralisações de categorias essenciais como a dos rodoviários e metroviários e lixeiros. Fosse nas revoltas das famílias que haviam perdido entes para as balas da polícia, para a fome causada pela política fascista de morte, ou devido à sabotagem do governo ao combate da Covid.

Mas não foram apenas manifestações simbólicas que tomaram o Brasil. Houve também manifestações de massas. Que alteraram a correlação de forças em benefício da classe trabalhadora e obrigaram a extrema-direita a recuar. E o fator de unificação de todas essas manifestações era o Fora Bolsonaro, aqui e agora.
Esses atos colocaram o governo na defensiva e obrigaram-no a mais uma vez, assim como em 2020, buscar uma acomodação com as instituições. Essas acomodações foram sempre prontamente aceitas pelo STF e pelas presidências da câmara e do senado assim como por uma parte da esquerda que coloca todas as suas fichas para as eleições de 2022. O genocídio não começou e nem vai acabar com a vacinação e o fim da pandemia, ou mesmo com uma possível vitória nas eleições. Pois a pandemia amplificou os segmentos sociais atingidos pela ofensiva contra o povo trabalhador brasileiro, que a vacinação pode reduzir, mas o genocídio do povo trabalhador brasileiro é de longa duração, voltado especialmente contra algumas populações como as indígenas, quilombolas e a população negra.

Desde 2016, o Brasil é governado a partir das necessidades impostas pelo imperialismo, pela lógica de ser um país totalmente voltado para a agro exportação. Como o foi, ininterruptamente, dos tempos da colônia até a República Velha. A diferença é que, naquele período, grandes contingentes de mão de obra eram requeridos. Hoje, com a mecanização do campo e da indústria, cada vez menos trabalhadores são requeridos na lógica capitalista, e maior vai se tornando o exército industrial de reserva e a taxa de desemprego. Para os defensores desse modelo, os brasileiros não precisam de comida, moradia, saúde, educação, cultura, lazer, direito a uma aposentadoria digna. Para a classe capitalista no Brasil, se as suas condições de lucro e para a especulação financeira estiverem favoráveis, se a estrutura de acumulação de capital estiver a salvo, o resto é desprezível.

As contrarreformas feitas deixaram claro que havia quem estivesse sobrando na visão dos capitalistas: o povo.

A pergunta que deve ficar é: se essa espera pelas eleições se confirmar, o que ocorrerá com milhões de pessoas que passam fome e estão na fila do osso hoje no Brasil? Podem elas esperar até 2023?

O que ocorrerá com os povos indígenas, que estão tendo suas terras invadidas e suas vidas atacadas todos os dias? Podem esperar até 2023? O que ocorrerá com os 13,5 milhões de desempregados oficiais e os muitos mais extraoficiais e subempregados? Podem eles esperar até 2023? Pode a população trabalhadora, há 522 anos vítima de genocídio, reconfigurado ao longo da história, mas com conteúdo constante, se pautar por um calendário eleitoral, por uma candidatura? Alguém se lembra que foi o Sr. Artur Bernardes o vencedor da eleição presidencial de 1922? Que diferença fez Washington Luís ter sido, com 99,7% dos votos, eleito presidente em 1926?

Hoje o Brasil passa por uma reprimarização econômica que impacta também na política e na ideologia. Existe forte pressão por parte dos países centrais pela manutenção do caráter agroexportador do Brasil e dos demais países de capitalismo dependente. Todas as vezes que esse sentido foi alterado e contraposto, foi através de rupturas. Fossem elas totais, como a Revolução Bolchevique de 1917, na Rússia. Ou parciais, como a realizada no Brasil em 1930. Em 1905, ocorreu uma tentativa revolucionária na Rússia. Essa tentativa, apesar de derrotada, obrigou o czarismo a abrir mínimos espaços de participação popular, como o parlamento, chamado de Duma, na Rússia. Não foi, no entanto, deste restrito parlamento nem das estruturas institucionais do Império Russo, que foram construídas as condições para a vitoriosa Revolução de Socialista de Outubro de 1917, mas sim da organização e mobilização ativa da classe trabalhadora. Da mesma forma, não foi das estruturas institucionais da República Velha e oligárquica, da qual o Brasil cada vez mais volta a se aproximar, na forma e no conteúdo, que saíram os movimentos que influenciariam de maneira relevante o Brasil ao longo do século XX.

A tentativa de Bolsonaro de implantar o voto impresso, é uma das expressões desse processo de reprimarização do processo político e da instituição das fraudes eleitorais. Enquanto Bolsonaro estiver na presidência, haverá tentativas de golpe e apenas a classe trabalhadora, organizada e em luta por seu futuro será capaz de derrotar o fascismo no brasil e toda a besta fera que é o capitalismo.

Construir XXI para que haja XXII

É preciso ter claro que os problemas do Brasil não serão resolvidos em 2022 e, principalmente, que não serão resolvidos tendo como aposta central a via das eleições. As eleições, cumprem um papel importante e reconhecido pelos comunistas na agitação e propaganda e, a depender das condições, podem resultar na eleição de representantes da classe trabalhadora. Que estejam alinhados exclusivamente aos interesses dessa mesma classe e que usem de seus mandatos como instrumentos de voz, organização e avanços para a luta e a consciência da classe trabalhadora. Mas, a continuar da forma como estão se apresentando, essas eleições tendem a ocorrer em correlação de forças francamente desfavoráveis para a classe trabalhadora e os seus interesses.

A possibilidade de exclusão de candidaturas, de fraudes, ou mesmo da não convocação do pleito não podem ser descartadas. Além disso, a contrarreforma política de 2015, de Eduardo Cunha, beneficiou os partidos fisiológicos da direita e prejudicou, sobretudo, os partidos programáticos de esquerda. Assim como também não pode ser dada como certa a vitória de uma candidatura, principalmente uma que não esteja organicamente vinculada aos interesses concretos da classe trabalhadora. Candidaturas que se disponham a fechar acordos com a direita e com a classe capitalista no Brasil, inimigos declarados do povo trabalhador brasileiro, não podem ser consideradas alternativas programáticas de futuro para o país.

Temos a tarefa de usar todos os dias, os restantes de 2021, os vindouros de 2022 e de todos os próximos anos, para seguir fortalecendo a organização classista, para contribuir através das lutas concretas para o avanço da consciência da população sobre o total esgotamento do modo de produção capitalista no Brasil e sobre a necessidade histórica da construção do socialismo brasileiro e internacional. Esta, é a única alternativa para o desenvolvimento e o futuro do Brasil e do mundo. Não podemos mais delongar as tarefas históricas necessárias para a verdadeira liberdade, independência e dignidade do povo: a Revolução Socialista.

Transcorridos 200 anos da formação do Estado Nacional e 100 anos do início de processos determinantes para compreender o presente, os desafios são grandes. Mas são muito maiores a convicção e a certeza na construção de um novo mundo, compartilhada pela militância do, a poucos meses de ser, centenário Partido Comunista Brasileiro. E aos que dizem que “a nossa bandeira jamais será vermelha”: Brasil é vermelho feito brasa! O ano de 2021 pode estar acabando, mas o século XXI está apenas começando. E sem XXI não tem XXII. A hora é essa!

Dmitry Galvão: é militante da UJC e do PCB no Distrito Federal, licenciado em Ciências Sociais pela Universidade de Brasília