Pedro Eusse (PCV): “Nem a Venezuela nem seu governo são socialistas”.
Por Arnaldo Fernández para Contrapunto
Para o dirigente do PCV, a Venezuela necessita de um verdadeiro governo revolucionário para poder enfrentar a atual crise.
Dentro da política Venezuela existem muitos desafios que os partidos devem enfrentar, especialmente os da esquerda crítica ao atual sistema de governo. Entre esses partidos se encontra o Partido Comunista, com uma voz crítica, e que atualmente enfrenta as contradições próprias de um cenário nacional que pode ser lido a partir de várias realidades.
Para analisar o contexto do partido do galo vermelho, Contrapunto entrevistou Pedro Eusse, membro do Birô Político do Comitê Central do PCV e secretário nacional para o Movimento Operário e Sindical.
Desafios do Partido Comunista
Questionado sobre os desafios do PCV neste 2022 e na atualidade na Venezuela, Eusse assegurou que muitas das contradições devem ser discutidas no XVI Congresso do partido.
“Este é o ano do XVI Congresso do PCV, que realizaremos em meio a uma crescente agudização das contradições de classe no mundo e na Venezuela, resultado – em termos gerais – de uma profunda crise do capitalismo global em sua fase imperialista, agravada pela prolongada pandemia e pelas reivindicações dos capitais monopolistas transnacionais para impor uma ordem mundial absolutamente sob seu controle, o que leva ao acirramento das contradições intercapitalistas e interimperialistas no mundo”, destacou.
PCV enfrentando a crise
Da mesma forma, o secretário nacional para o Movimento Operário e Sindical, afirmou que o principal desafio de seus companheiros de partido, direção e militância, é enfrentar a crise em que a Venezuela está submersa.
“Na Venezuela, nós comunistas temos o grande desafio de enfrentar a grave crise nacional, apontando o fortalecimento do PCV como um instrumento revolucionário da classe trabalhadora e do povo trabalhador, superando as fragilidades ideológico-políticas e organizacionais, para avançar efetivamente na construção de uma alternativa popular revolucionária, capaz de enfrentar tanto a ofensiva do imperialismo estadunidense (e seus lacaios da oposição de extrema-direita), quanto a direção do PSUV-Governo, que impõe políticas contrárias aos interesses da classe trabalhadora e das massas populares. Políticas que servem apenas ao capital e às elites da burocracia corrupta, implementadas através de um novo pacto oligárquico”.
Capacidade política
Pedro Eusse destacou que um dos desafios mais importantes do PCV e sua militância é ter capacidade política, organizacional e logística para atuar com absoluta independência de classe diante dos poderes econômicos e políticos. Da mesma forma, considera vital “travar as batalhas que forem necessárias, em qualquer terreno”, para reivindicar o que considera como interesse da classe trabalhadora e dos trabalhadores da cidade e do campo, acumulando forças para conquistar uma saída revolucionária para a crise.
Para ele, são tempos em que o Partido Comunista deve exigir uma grande força orgânica e uma militância com uma sólida formação teórica e política, com uma clara consciência de classe – patriótica e internacionalista – com uma disciplina consciente e férrea, intimamente ligada aos trabalhadores, camponeses e às massas populares em geral, em condições de atuar como uma autêntica vanguarda revolucionária da classe trabalhadora e do povo trabalhador.
Onde estava o socialismo neste governo?
“Em nenhum lugar, porque este governo não é socialista e em nosso país o socialismo nunca foi alcançado, sua construção nem começou. É verdade que na propaganda oficial se utilizam os clichês de “socialismo”, “revolução”, “governo operário”, mas na realidade as políticas econômicas e trabalhistas, sobretudo a partir de 2018, têm uma orientação claramente neoliberal, ou seja, impõem a tirania do “livre mercado” e criam condições para o lucro capitalista máximo, tendendo a reduzir o papel regulador do Estado na economia. Ao mesmo tempo, sacrifica os trabalhadores com a destruição dos salários, o desmantelamento dos acordos coletivos e a extrema precarização do emprego, impondo uma desregulamentação selvagem e flexibilidade laboral”.
“Desta forma, o governo presidido por Nicolás Maduro administra a crise e as “sanções” criminosas imperialistas, apresentando como “vantagens comparativas” o capital estrangeiro e a burguesia parasitária local (erroneamente chamada de “burguesia revolucionária”), a isenção de impostos e a mão de obra mais barata do continente e talvez do mundo. Para isso, conceberam a mal chamada “lei antibloqueio” e a lei das zonas econômicas especiais, entre outros instrumentos legais, que conferem facilidades e privilégios ao capital estrangeiro.
Socialismo não realizado
Ele garante que o socialismo não se cumpriu desde que o falecido Hugo Chávez chegou ao poder. “Embora em honra da verdade, a pregação de um falso socialismo não começou com este governo, mas sim com o presidente Chávez, propondo a falaciosa tese do “socialismo do século 21” que contém uma concepção reformista (não revolucionária) e isso se baseia não na luta de classes, típica da teoria marxista, mas na conciliação de classes, típica da social-democracia burguesa”.
Da mesma forma, destacou o que, para ele, significou um processo de reformas progressistas: “Durante o período de Chávez, com suas limitações, o povo venezuelano experimentou um processo de reformas progressistas, redistribuição de renda e fortalecimento da soberania nacional; enquanto, com o atual governo, em meio a acordos de cúpula com a direita opositora, quase tudo que era progressista foi desmantelado para dar lugar a implementação um processo de reformas neoliberais regressivas, com sua reprivatização, desregulamentação, superexploração, autoritarismo estatal, violência contra os trabalhadores, camponeses e militantes revolucionários, antidemocracia, maior elitismo e corrupção desenfreada”.
Ideologia e verdadeira concepção revolucionária
“O PCV contribui, fundamentalmente, com sua concepção revolucionária do mundo, a aplicação de uma teoria científica a serviço da classe trabalhadora e do povo trabalhador, para o conhecimento integral e dialético da realidade e para nos guiar para uma verdadeira transformação revolucionária da sociedade. O marxismo-leninismo, teoria do socialismo científico que se opõe às teses idealistas e enganosas que se propagam a partir do reformismo pseudo-progressista, aquele suposto “socialismo” desprovido de respaldo científico, que desarma a classe trabalhadora para que não possa cumprir seu papel revolucionário, subordinando-a às elites que, a partir do Estado, administram os interesses da burguesia”, afirmou Eusse.
Na sua opinião, com base na aplicação dos princípios do socialismo científico, será possível traçar uma estratégia para o desenvolvimento planejado das forças produtivas com soberania nacional e progresso social, respondendo às necessidades da industrialização em larga escala sob a liderança da classe trabalhadora, em aliança com o campesinato, o movimento de comunidades e o movimento popular. Utilizando nossos recursos naturais e todo potencial produtivo não em benefício das elites capitalistas estrangeiras e nacionais, mas para a satisfação das necessidades materiais e imateriais de nosso povo .
“A Venezuela na deriva neoliberal”
Na opinião do militante do Partido Comunista, a Venezuela está em uma “deriva neoliberal”. Tese que combina a profunda crise do capitalismo dependente e o colapso do rentismo do petróleo, sob o brutal cerco e assédio do imperialismo estadunidense.
“Os trabalhadores venezuelanos estão no meio de um fogo cruzado: por um lado, temos a crise estrutural do modo de acumulação rentista dependente, por outro lado, as agressões imperialistas que nos atingem duramente, por outro, um governo comprometido com a burguesia e os novos ricos (que não vê outra saída senão entregar o país ao capital estrangeiro e submeter os trabalhadores a sacrifícios cruéis) e, por outro lado, a pandemia está causando estragos em meio à hiperinflação e ao colapso quase total dos serviços públicos em Saúde”.
“Nunca foi assumida uma estratégia de industrialização soberana, nem nos tempos do puntofijismo, nem nas duas décadas do chamado processo bolivariano, apesar das tentativas iniciais. As receitas do petróleo, em grande medida, e através de diversas vias, acabaram nos cofres do grande capital internacional e nas contas das máfias do comércio importador”, sublinhou.
“Então temos os saques criminosos e cruéis cometidos pelos Estados Unidos e seus parceiros, empregando mercenários da política criolla que agem com total impunidade. O resultado de tudo isso: agora a classe trabalhadora venezuelana vive a pior situação econômica e social que ela conheceu em muitos anos. Enquanto isso, acentua-se o caráter despótico, antidemocrático, antitrabalhador e anticomunista da cúpula governante, o pior é que, no auge do cinismo, o fazem em nome do “socialismo”.
O que é necessário para liderar o país?
Para Eusse, é necessário um verdadeiro governo revolucionário. “Precisamos de um verdadeiro Governo Revolucionário. Um governo exercido pelas bases operárias, camponesas, comunitárias e populares. Para conquistá-la precisamos de uma correlação de forças favorável à classe trabalhadora e aos trabalhadores da cidade e do campo”.
Com base nisso, assegura que é preciso organizar e unificar as lutas dos trabalhadores, dos camponeses, das comunidades organizadas e do povo em geral, para resgatar e defender nossos direitos, mas na perspectiva de assumir o poder político com um Programa a serviço dos trabalhadores, que considere resgatar as conquistas alcançadas durante o governo Chávez, mas que transcenda os limites reformistas do processo bolivariano, avançando para o triunfo de uma autêntica Revolução Socialista.
“Mas imediatamente, como uma abordagem tática, estamos convocando a classe trabalhadora e o povo em geral a se levantarem na luta pelo resgate dos salários, pensões e benefícios sociais, promovendo por iniciativa legislativa popular e com mobilização operária e popular, dois projetos de lei: a lei de escala móvel de salários indexados à cesta básica familiar e a lei do resgate e revalorização dos benefícios sociais”.
Da mesma forma, destaca ser necessário fortalecer a luta contra a criminalização e judicialização das lutas operárias e populares, a fim de alcançar imediatamente a plena liberdade para dezenas de trabalhadores, incluindo combativas lideranças do movimento de trabalhadores, que permanecem injustamente presos e processados, bem como garantir que haja justiça nos casos de desaparecimentos e assassinatos de lutadores populares e militantes revolucionários (incluindo três comunistas).
“Tudo isso, na dinâmica de um processo sustentado na acumulação de forças quantitativas e qualitativas, em favor do proletariado e do povo trabalhador venezuelano”, concluiu.
Traduzido por Lígia Orlandin.