O Brasil e a pandemia: um retrato de 2022

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Por Gabriela Garcia Ferreira, da Célula de Saúde de Porto Alegre RS

Desde o final de 2021 o mundo enfrenta uma nova onda de casos de infecção por COVID-19 em função da nova variante viral – a famosa Ômicron. Tal variante apresenta enorme capacidade de disseminação, inclusive em indivíduos já vacinados.

Graças ao avanço da imunização, em especial com a terceira dose da vacina contra a COVID, a proporção de indivíduos infectados que evoluem para quadro grave – como por exemplo a SRAG (síndrome respiratória aguda grave, que se caracteriza por saturação de O2 <95%, frequência respiratória >30 e/ou acometimento pulmonar >50%) – é muito menor do que aquela que vimos em março de 2021.

Isso não significa, entretanto, que não estamos beirando a um novo colapso do sistema de saúde. Em função da maior facilidade de disseminação, a variante infecta muitos indivíduos em curto período de tempo. Veja bem: se uma doença tem 10% de mortalidade e afeta 100 pessoas, teremos 10 óbitos; agora, se tivermos uma doença 10x menos letal que a primeira (com 1% de mortalidade) mas ela atingir 1000 pessoas, teremos exatamente o mesmo número de óbitos (10). Assim, é possível que o ciclo trágico ocorrido em março de 2021 se repita, mesmo com um vírus muito menos letal do que o anterior.

Nos postos de saúde e UPAs de Porto Alegre (RS), desde a última semana de 2021, as filas e tempo de espera para atendimento de sintomáticos respiratórios tornou-se inadmissível (no Centro de Saúde de Alvorada, por exemplo, o tempo de espera para consulta médica chegou a 8 horas na última semana). A procura por atendimento é tamanha que a cena de pacientes esperando no chão do corredor para atendimento virou realidade cotidiana. As unidades de saúde não têm cadeiras suficientes nem espaço adequado na rua (lembrando que em POA a temperatura chegou a mais de 40 graus na última semana) e são raras as recepções que contam com ar-condicionado ou mesmo toldos na rua.

Agora, imagine: depois de 8 horas debaixo de sol ou de uma sala lotada sem local para sentar, sem refeição e sem circulação de ar adequada – e com sintomas respiratórios! – é bem compreensível, a partir da análise mais ampla (ainda que não justifique), o enorme número de pacientes que tem agredido/desrespeitado os profissionais de saúde nas últimas semanas. Inúmeras reportagens têm mostrado episódios de agressão verbal e física, incluindo ameaças e telefonemas para contatos políticos como tentativa desesperada de acelerar o tempo de espera e ter um atendimento digno.

Sem sombra de dúvidas nenhuma dessas tentativas surte o efeito desejado, uma vez que a superlotação desses espaços é consequência de uma nova onda de infecção associada ao histórico processo de desfinanciamento do SUS e ao interesse da burguesia de não permitir o isolamento dos trabalhadores. Em relação ao último, o CDC (Centers for Disease Control and Prevention), por exemplo, que é um renomado centro de referência na área da saúde, sem qualquer tipo de embasamento científico ou evidência clínica, lançou um novo protocolo de isolamento que permite o retorno ao trabalho de pessoas ainda sintomáticas e transmitindo vírus. Em Porto Alegre o protocolo já está de acordo com essas recomendações – a mesma Porto Alegre com superlotação de postos de saúde e UPAs; a mesma Porto Alegre em que a temperatura alcançou 40 graus e que está sem água potável em grande parte da periferia.

Sabemos que a pressão para a permanência dos trabalhadores em seus locais de trabalho, independentemente da crise sanitária que o país vive, já ocorre desde o início da pandemia. Tal pressão inclusive motivou a criação do grupo “Brasil 200”, que se destina à intervenção
ativa da burguesia no cenário político contra o isolamento social. Flavio Rocha e Luciano Hang (dono da Riachuelo e da Havan, respectivamente) são figuras centrais dentro desse movimento genocida da burguesia, ao qual o governo brasileiro é perfeitamente alinhado.

A atual crise sanitária vivida pelo Brasil é mais uma prova da catástrofe que o capitalismo representa para a classe trabalhadora. Os interesses permanecem exclusivamente pertencentes à burguesia e seus respectivos interesses econômicos. A ampliação dos serviços de saúde do SUS não cabe e não caberá entre os objetivos da classe dominante que governa o país. Para sobreviver, a burguesia necessita apropriar-se do trabalho da classe dominada, precisa de acumulação de capital – e isso não será alcançado com medidas sanitárias de isolamento social, auxílio financeiro e ampliação do SUS. Assim, um governo que estimula e encara o genocídio como forma de atuação política necessária para o país está alinhado com os objetivos econômicos da classe dominante – que tem como consequência desde milhares de óbitos até uma briga na recepção do posto de saúde pela demora de atendimento…

E a saída?

Certamente não será fornecida pela burguesia e por seus respectivos representantes políticos, mas sim pela nossa própria classe, através do poder popular. Cuba, em 2020, por exemplo, viveu a pandemia de forma completamente diferente do que o Brasil. Apenas 146 óbitos ocorreram na ilha em 2020. Proporcionalmente à sua população, o Brasil teve um número 70x maior!

Enquanto a acumulação de capital se fortalece nas mãos da burguesia, o povo brasileiro sofre cada vez mais profundamente com a miséria e a falta de direitos básicos (como auxílio financeiro durante isolamento social). Assim, sem a luta pelo fim do capitalismo e pela tomada de poder pela classe trabalhadora, os interesses socioeconômicos seguirão sendo contrários aos nossos – e a pandemia aprofunda isso, todos os dias, desde 2020.