Alimentando a serpente
As eleições em Israel deram a vitória a uma direita ainda mais extrema do que a que já estava no poder. Comentou um jornalista que «cinquenta anos de apoio israelense à ocupação, ombro a ombro, da esquerda à direita sionistas, não podiam acabar de forma diferente». A tolerância e o apoio face a correntes fascistas – em Israel como na Ucrânia e em tantos outros lados – «alimentam a serpente». E há até gente que se pretende democrática misturada no processo. Já para não falar do governo do PS que, em mais uma aberta violação da Constituição, votou na ONU contra uma moção que condenava a glorificação do fascismo.
As eleições em Israel deram a vitória a uma direita ainda mais extrema do que a que já estava no poder. O ex-primeiro-ministro Netanyahu, afogado em escândalos de corrupção, regressa à frente de uma coligação que inclui a terceira força política, a aliança Sionismo Religioso, defensor aberto da anexação da Cisjordânia ocupada, da expulsão em massa de palestinos do seu território histórico, da destruição da Mesquita de Al-Aqsa para construir um templo judaico sobre os seus escombros e dos linchamentos de palestinos ao grito de «morte aos árabes».
O editor-em-chefe do jornal israelense Jerusalem Post descreve Itamar Ben-Gvir, chefe do Sionismo Religioso, como «uma versão moderna israelense de um supremacista branco americano e de um europeu fascista» (18.10.22). Outro jornalista israelense, Yossi Klein, comenta os resultados eleitorais com um artigo intitulado: «Agora é oficial: o fascismo somos nós» (Haaretz, 4.11.22). Gideon Levy vai um pouco mais fundo, ao escrever: «Ninguém deve se surpreender com o que aconteceu. Não podia ser de outra maneira. […]. Cinquenta anos de instigação do ódio contra os palestinos e de terror sobre eles não podiam acabar num governo de paz. Cinquenta anos de apoio israelense à ocupação, ombro a ombro, da esquerda à direita sionistas, não podiam acabar de forma diferente» (Haaretz, 3.11.22). É uma lição importante.
Parafraseando Levy, podemos dizer que o apoio «ocidental» à Ucrânia, ombro a ombro, da «esquerda» à direita, não pode acabar de forma diferente senão na promoção do fascismo. Esse apoio incondicional finge-se cego ao fascismo que prolifera na Ucrânia. Cego ao culto de Stepan Bandera, colaboracionista nazista, genocida das populações soviéticas, polacas e judaicas. Cego face aos crimes do fascismo ucraniano desde 2014, incluindo o massacre na Casa dos Sindicatos de Odessa e a guerra no Donbass. Cego face ao ódio irracional e racista contra os russos (paradoxal, dada a grande afinidade entre os dois povos, mas a racionalidade nunca foi característica do fascismo).
A guerra é alimentada com o envio de toneladas de armas e rios de dinheiro (que não existem para as despesas sociais). É pretexto para sanções que estão destruindo as economias europeias. É usada para justificar a inqualificável atitude do «Ocidente» na Assembleia Geral da ONU, no passado dia 4 de Novembro, ao votar contra a moção de «Combate à glorificação do Nazismo». A moção, apresentada há anos por iniciativa da Rússia, foi aprovada por larga maioria, com 105 votos a favor. Mas EUA, países da UE e Ucrânia votaram contra. Invocaram como desculpa a intervenção militar russa na Ucrânia. Mas já no ano passado, antes dessa intervenção, EUA e Ucrânia haviam votado contra, e a generalidade dos países da UE havia se abstido. Assim se vai naturalizando e alimentando o fascismo.
O filo-fascismo de largos setores da burguesia liberal não é novidade. Foi assim nos anos 20 e 30 do século passado quando, face à sua grande crise, a generalidade das classes dirigentes europeias alimentou o «salvador» nazifascista. As consequências trágicas são conhecidas. Face à sua grande crise de hoje, assistimos de novo ao alimentar da serpente, que vai saindo do ovo.
Fonte: https://www.avante.pt/pt/2554/