Israel: armas nucleares e o governo de direita
A Primeira Ministra de Israel Golda Meir, o Presidente Nixon dos EUA e o Secretário de Estado Henry Kissinger na Sala Oval em 1º de novembro de 1973. Acredita-se que Nixon e Meir estabeleceram um acordo secreto em 1969 para manter sob sigilo a existência das armas nucleares de Israel, até mesmo de Kissinger. Uma década depois, Israel conduziu testes nucleares com explosões na costa da África do Sul, violando o Tratado de Proibição Limitada de Testes Nucleares de 1963. (Crédito da foto: Acervo da Casa Branca / Arquivo Nacional, via Wikimedia Commons)
O silêncio dos EUA sobre as armas nucleares de Israel e o governo israelense de direita
Victor Gilinsky ODIARIO.INFO
Ao que se diz, existe há mais de cinquenta anos um acordo secreto entre Israel e os EUA: estes não se pronunciam publicamente sobre o arsenal nuclear israelense. Os mesmos EUA que agitam o espantalho da produção de armas nucleares em outros países do Oriente Médio, calam-se sobre o país que aí possui efetivamente essas armas. Armas cujo controle está agora nas mãos de sionistas ainda mais fanáticos do que os que os antecederam, que estão dispostos a “arrasar o Islã”. Na ambição de preservar a sua hegemonia a caminho do colapso, os EUA aliam-se cada vez mais à pior escória humana.
Os protestos israelenses contra o seu novo governo de direita tocaram agora nas armas nucleares de Israel. Para sublinhar o que está em jogo, o antigo primeiro-ministro de Israel Ehud Barak pôs de lado a ambiguidade do governo sobre a posse de armas nucleares para advertir os seus compatriotas de que os diplomatas ocidentais estão preocupados com a possibilidade de uma ditadura judaica messiânica vir a controlar as armas nucleares de Israel.
Uma coisa de que podemos ter a certeza é que os Estados Unidos não estavam oficialmente representados entre esses diplomatas ocidentais. Os diplomatas estadunidenses – na verdade, todos os funcionários do governo dos EUA – são obrigados a fingir que não sabem nada sobre as armas nucleares israelenses. Uma vez que toda a gente sabe que isso não é verdade, o fingimento dificulta a política dos EUA de contenção da disseminação de armas nucleares no Oriente Médio. O reconhecimento por Barak das armas de Israel, por mais indireto que tenha sido, deveria libertar os Estados Unidos desta ultrapassada omertá.
A explicação popular para a mordaça dos EUA sobre as armas nucleares israelenses é que ela é exigida por um acordo de Setembro de 1969 entre Richard Nixon e a então primeira-ministra de Israel, Golda Meir, segundo o qual os Estados Unidos aceitariam as armas nucleares em Israel e ambos manteriam em segredo a existência dos armamentos. A política dos EUA em relação às armas nucleares israelenses foi de fato flexibilizada após o encontro, mas, a julgar pelas memórias de Nixon, isso deveu-se ao fato de ele não se importar muito com a circunstância de Israel as ter. O seu principal interesse era obter apoio israelense na Guerra Fria.
Falaram a sós, não tomaram notas e não disseram a ninguém sobre o que tinham falado. Um memorando enviado dias depois ao presidente por Henry Kissinger, na altura seu conselheiro de segurança nacional, mostra que até ele pouco sabia sobre a conversa. Quanto à manutenção do secretismo, não precisavam de um acordo formal. Tanto Nixon como Meir compreenderam que um arsenal nuclear israelense declarado teria levado Moscou a ser pressionado a fornecer armas nucleares aos seus aliados árabes.
Mais tarde, a burocracia e os acadêmicos estadunidenses criaram um mito sobre um acordo nuclear, transformando uma acomodação conveniente numa obrigação perpétua, e os presidentes subsequentes seguiram a mesma linha. Mas um acordo internacional do qual não existe registro não é de nenhum modo um acordo.
No entanto, diz-se que os presidentes dos EUA, desde Bill Clinton, assinaram uma carta secreta em que se comprometiam a não interferir com as armas nucleares de Israel, e Israel agiu como se tivesse direito a esse compromisso por parte de todos os presidentes dos EUA que chegassem. E o conseguiu. Quando o Presidente Obama tomou posse em 2009, a primeira pergunta na sua primeira conferência de imprensa televisiva, feita pela veterana repórter Helen Thomas, foi: “Sabe de algum país do Oriente Médio que tenha armas nucleares?” A escorregadia resposta do presidente foi: “Não quero especular.” Helen Thomas foi despedida pouco tempo depois e, embora isto se tenha devido aos seus comentários anti-Israel numa ocasião diferente, nenhum repórter fez a pergunta desde então. Em fevereiro de 2017, o embaixador israelense Ron Dermer conseguiu enfurecer até mesmo os recém-chegados funcionários da Casa Branca de Trump, simpáticos para com Israel, com as suas abrutalhadas exigências de que o novo presidente assinasse “a carta”. Ainda assim, funcionou.
Não será fácil uma mudança. Uma avaliação realista do governo dos EUA sobre as armas nucleares de Israel terá de ultrapassar não só a intervenção israelense pelas suas próprias razões, mas também a resistência do Departamento de Estado e da Casa Branca, em parte devido ao embaraço de tal admissão após anos de negação, mas também porque tal admissão poderia levar a complicações ao abrigo da lei dos EUA.
Há provas convincentes de que Israel detonou pelo menos uma explosão nuclear de teste em 22 de setembro de 1979, a cerca de mil milhas ao sul da África do Sul. O sinal, detectado por um satélite Vela dos EUA, com provas que a corroboram, foi amplamente interpretado pela comunidade de informações dos EUA e pela maioria dos analistas como proveniente de uma explosão nuclear israelense.
Embora a Casa Branca de Carter tenha afirmado publicamente o contrário, meses depois do acontecimento Carter escreveu no seu diário: “Os nossos cientistas estão cada vez mais convencidos de que os israelenses conduziram de fato uma explosão de teste nuclear no oceano, perto do extremo sul da África.” Tal explosão constituía uma violação do Tratado de Proibição Limitada de Testes Nucleares de 1963, do qual Israel era parte.
A confirmação de tal teste desencadearia também a Emenda Glenn de 1977 à Lei de Controle da Exportação de Armas, que impõe duras sanções econômicas e militares a qualquer Estado, para além das cinco potências nucleares autorizadas ao abrigo do Tratado de Não Proliferação, que detone uma bomba após 1977. O presidente pode renunciar a esta sanção, mas não sem embaraço político.
Enquanto o governo dos Estados Unidos anda pisando em ovos em relação ao assunto, Israel gaba-se da sua força nuclear. Na cerimônia de chegada, em 2016, do quinto submarino de fabricação alemã que Israel equipou com mísseis nucleares de longo alcance, Netanyahu afirmou: “A nossa frota de submarinos é utilizada, antes de mais, para dissuadir os nossos inimigos que se esforçam por nos extinguir. Eles têm de saber que Israel é capaz de responder com força contra quem quer que nos queira fazer mal…” Não falou em “nuclear”, mas a mensagem é inequívoca.
Quem poderia imaginar que, tal como nos preocupamos com o fato de armas paquistanesas caírem nas mãos de fanáticos islâmicos, chegaríamos ao ponto de ter de recear que as armas nucleares de Israel caíssem nas mãos de fanáticos israelenses que, como explicou Ehud Barak, estão “determinados a atacar o Islã”. O nosso governo não pode lidar com estas questões se ignorar a existência de armas nucleares de Israel.
No seu livro sobre o espião israelense Jonathan Pollard, Wolf Blitzer escreveu que existe “uma atitude generalizada entre os funcionários israelenses de que Israel pode safar-se com as coisas mais ultrajantes. Há uma noção entre muitos israelenses de que os seus homólogos americanos não são muito inteligentes, que podem ser ‘manipulados’”. Não deveríamos continuar a tolerar isso. As razões de Guerra Fria para os EUA ficarem calados sobre as armas nucleares de Israel evaporaram-se há décadas.
Fonte: https://thebulletin.org/2023/05/the-us-silence-on-israeli-nuclear-weapons-and-the-right-wing-israeli-government/?utm_source=Newsletter&utm_medium=Email&utm_campaign=MondayNewsletter05042023&utm_content=NuclearRisk_IsraeliNukes_05042023