UNE na luta: pela Universidade Popular e pelo socialismo!
Nota Política da União da Juventude Comunista (UJC) e do Movimento por uma Universidade Popular (MUP)
Aproxima-se o 59º Congresso da União Nacional dos Estudantes (CONUNE), o fórum máximo de deliberação do movimento estudantil brasileiro e que elege a nova diretoria da União Nacional dos Estudantes (UNE). Esse espaço, que não ocorre presencialmente desde 2019, representa um marco na reorganização do movimento estudantil nacionalmente, como o primeiro congresso pós-pandemia. A conjuntura também se transformou, o que exige da entidade uma reorientação tática, com vistas a garantir a mobilização, organização e vitórias para a juventude trabalhadora. Diante desse cenário, a União da Juventude Comunista se propõe, nesta nota, a apresentar as perspectivas que buscaremos levar para a UNE nesse período.
Um balanço histórico da entidade é necessário, visando não uma mera análise, mas, comparando as semelhanças e diferenças entre os diferentes períodos, compreender os erros do passado para que eles não se repitam. Devemos construir um movimento estudantil – e isso passa por todas as entidades estudantis – que seja capaz de enfrentar os desafios complexos do tempo presente.
Se a gestão eleita no último CONUNE presencial de 2019, e referendada no congresso extraordinário de 2021, tinha como tarefa, desde o início, ser oposição ao governo recém-eleito, o mesmo não pode ser dito das gestões anteriores. Desde a primeira eleição de Lula, em 2002, a entidade, dirigida pela União da Juventude Socialista (UJS) e correntes petistas, foi base de apoio do governo, uma vez que eram as mesmas forças políticas da base aliada no Congresso e no Poder Executivo. Este ponto assume destaque justamente pela semelhança com o período atual, uma vez que novamente temos Lula na presidência – e Geraldo Alckmin como vice.
Atuando, até 2016, como apoiadora acrítica, a UNE conquistou espaços nos gabinetes, seus quadros do movimento estudantil se tornaram parlamentares da base aliada, e políticas públicas foram formuladas com base nessa interlocução. Na aparência, algo positivo. Mas, nesse movimento, defendeu acriticamente todas políticas educacionais que beneficiavam principalmente o capital privado, como o ProUni e o FIES.
Na época, as organizações políticas que questionavam e apontavam os limites dessa política eram acusadas de ser “contra o ingresso da juventude pobre nas universidades”. Para a direção majoritária da UNE, a “expansão das vagas no ensino” seria um ganho inquestionável. Os comunistas sempre defenderam a ampliação do acesso ao ensino superior, no sentido de sua universalização. Não à toa, a UJC historicamente defende o fim do vestibular. No entanto, as políticas adotadas também permitiram a formação dos oligopólios privados da educação, que dominam as matrículas no ensino superior e influenciam profundamente as políticas educacionais no Brasil, independentemente de governo.
A estratégia democrático-popular do PT se consolidou e hegemonizou política e ideologicamente as entidades – incluindo a UNE. A entidade, além de abaixar suas bandeiras, também atuava pela desmobilização. Por muitas vezes, a base do movimento estudantil se mobilizou contra as políticas neoliberais implementadas pelos governos Lula e Dilma, como a redução de verbas para as universidades federais; a privatização da gestão dos HUs; a terceirização dos serviços-meio nas universidades; a insuficiência das políticas de permanência e dos valores das bolsas. Encontrávamos, como adversários, as próprias entidades gerais, a partir da UJS e da juventude do PT, atuando diretamente para desmobilizar o movimento.
A consequência dessa submissão do movimento de massas à política institucional foi colocar as entidades do movimento estudantil no caminho da irrelevância entre os estudantes, tornando-se coadjuvante nas principais lutas da juventude e do ME nas últimas décadas, como em junho de 2013 e nas ocupações das escolas e universidades em 2015 e 2016.
O distanciamento das entidades históricas do movimento estudantil do conjunto dos estudantes brasileiros já seria grave por não honrar a história de luta da entidade. Mas a consequência foi pior ainda. Com a iminência do golpe que derrubou Dilma Rousseff da presidência, a entidade não tinha base social para organizar uma resistência. Também era insuficiente a capacidade de mobilização com a juventude para impedir a eleição de Bolsonaro em 2018. Foram anos de desarticulação dos diversos movimentos sociais, influenciados pela priorização da disputa eleitoral e da institucionalidade em detrimento da formação política e organização popular das massas. Diante das crises, a articulação da resistência se tornou mais complexa, quando as entidades substituíram a tática das ruas pela dos acordões em gabinetes. A própria austeridade, implementada pelos governos social-liberais, levou ao abandono, por parte das bases, da defesa daquele projeto. Obviamente, não são essas as únicas razões do golpe e do bolsonarismo, mas não podemos deixar de lado os aspectos “internos”.
No entanto, foi o próprio golpe que levou a entidade ao papel de oposição e a uma sutil mudança de postura. A UNE não seria mais aquela correia de transmissão dos Ministérios da Educação dos governos petistas e retomou certa mobilização e inserção na base de estudantes. Não foi à toa que a entidade protagonizou grandes momentos de luta contra o bolsonarismo, como no caso dos primeiros tsunamis da educação em 2019. Retomamos toda essa trajetória por perceber que, diante da eleição da chapa Lula-Alckmin, existe um risco em curso de a entidade retomar a postura apassivadora das lutas, anterior ao golpe de 2016, e não seguir no caminho da mobilização permanente pela organização estudantil em prol das demandas objetivas da classe trabalhadora.
São muitas lutas para serem feitas e conquistas para irmos atrás. Sabemos que os últimos anos marcaram definitivamente a história do Brasil e do nosso movimento estudantil. O governo Bolsonaro-Mourão, desde sua campanha, já indicava ser uma ameaça ao conjunto da classe trabalhadora, à soberania nacional e aos movimentos populares. Quando eleito, aprofundou, com agilidade – apoiado pelo Congresso, Judiciário e pela mídia burguesa – o programa político ultraneoliberal em curso desde o governo de Michel Temer. A partir de seu Ministro da Economia, Paulo Guedes, atendeu às demandas do capital dentro de seu governo. Dentro dos quatro anos de gestão, a classe trabalhadora sofreu duros golpes, como a Contrarreforma da Previdência, a privatização da Eletrobrás e o sucateamento de diversas outras empresas públicas, além de um gigantesco corte nos investimentos em serviços públicos.
Os cortes afetaram duramente a educação pública, com universidades federais ameaçadas de fechamento, redução nas políticas de permanência estudantil e atrasos no pagamento de bolsas de pesquisa, prejudicando a ciência brasileira. Ainda sobre a educação, relembramos que, durante a pandemia, as universidades fecharam as portas e logo buscaram a implementação do ensino remoto – sem uma oposição consequente da diretoria majoritária da UNE. Quem se beneficiou, durante esse período, foi o setor privado da educação, que pôde ampliar as modalidades à distância e suas taxas de lucro, sem nenhum tipo de fiscalização por parte dos órgãos públicos. Hoje, inclusive, as universidades adquiriram o “direito” de oferecer 40% de sua carga horária de forma remota, prejudicando a qualidade do ensino.
Para além da implementação radical da cartilha neoliberal, o povo brasileiro sofreu com a criminosa atuação do Governo Federal durante a pandemia. Desde o início relativizando a gravidade do momento, pressionou pela manutenção das atividades presenciais, incentivou metodologias ineficazes de combate ao vírus e boicotou a vacinação da população brasileira. A política negacionista para a saúde somada ao desmonte neoliberal do SUS levou à morte mais de 700 mil brasileiras e brasileiros. É papel da maior entidade estudantil da América Latina lutar para que Bolsonaro e seus aliados sejam responsabilizados criminalmente e combater qualquer movimentação que caminhe para a anistia aos responsáveis por tamanha tragédia.
Nesses anos de pandemia, o movimento estudantil, que já se encontrava fragmentado, com poucas experiências recentes de mobilização, sofreu com a impossibilidade de se reunir nas universidades e centros acadêmicos, restringindo sua atuação a limitados encontros virtuais. A organização do Congresso neste ano marca a retomada definitiva do movimento estudantil na presencialidade e deve ter como objetivo retomar a organicidade anterior à pandemia.
Durante esse período, embora a UNE tenha se posicionado de forma crítica ao governo, toda a movimentação ainda foi insuficiente para as necessidades históricas colocadas para nossa geração. Se, por um lado, a esquerda radical impulsionou os atos pelo Fora Bolsonaro em todo o Brasil, as forças políticas que compõem a direção majoritária da entidade atuaram no sentido oposto. Os argumentos utilizados eram diversificados. Falava-se sobre os riscos sanitários de aglomerações ou que seria perigoso “provocar” o golpismo. No fundo, desejavam que se aguardassem as eleições de 2022 para, novamente, “resolver” os conflitos a partir da via institucional.
Em oposição a uma luta contínua pela derrubada de Bolsonaro-Mourão, a tática utilizada e apoiada pelas principais diretorias da entidade foi a da Frente Ampla, que reunia os partidos políticos e lideranças da esquerda social-liberal e ia até a extrema-direita do MBL de Mamãe Falei e Kim Kataguiri. A aliança culminou em pequenos atos, em apenas um dia, onde estes sujeitos “deixavam as diferenças de lado” e subiam no mesmo palanque. Se as grandes manifestações de rua contribuíram, em certa medida, para a queda da popularidade do ex-presidente, não é possível dizer o mesmo da tática defendida pela UNE, que esconde atualmente esse passado recente.
Como não foi possível retirar Bolsonaro antes do fim do seu mandato, chegamos ao segundo turno das eleições apoiando a candidatura Lula-Alckmin. Entendíamos que as alianças com setores da direita tradicional e neoliberal compreendiam um problema, uma vez que apoiaram grande parte dos retrocessos nos direitos da classe trabalhadora pelo menos desde 2016. Naquele momento, no entanto, deveríamos garantir a derrota eleitoral do setor que representava a extrema-direita para proporcionar melhores condições de luta pela derrubada dos retrocessos dos últimos anos e conquistas em prol de nossa classe.
Hoje a principal tarefa da classe trabalhadora e de sua juventude é derrubar todos os escombros dos últimos governos para ampliar conquistas em favor da classe trabalhadora. Revogar as contrarreformas, o teto de gastos e reverter as privatizações representa o enfrentamento inclusive aos setores de dentro do governo que lutam pela manutenção das conquistas burguesas até 2022. Para tanto, os caminhos tomados pelas entidades estudantis nos anos 2000 não podem ser retomados. Deve-se construir uma União Nacional dos Estudantes com independência de classe, capaz de denunciar os retrocessos e pressionar o governo, através da mobilização popular, para atender às diversas reivindicações populares.
Ao contrário de 2002, a extrema-direita encontra-se organizada, com lideranças solidificadas e uma estrutura financeira apoiada pelo grande empresariado brasileiro. O governo já cede à pressão burguesa. Se as entidades não assumirem o lado da classe trabalhadora brasileira, serão facilmente substituídas pela organização fascista, que se aproveita das insatisfações populares para a implementação de uma política de forte repressão e atendimento às demandas burguesas.
A UNE não deve se contentar em ser a linha auxiliar do governo na base do movimento estudantil, mas se propor a fortalecer a organização da juventude trabalhadora brasileira, na perspectiva do combate intransigente a toda movimentação que favoreça a burguesia da educação.
Para cumprir esse papel histórico, precisamos de uma UNE que assuma uma posição em relação ao projeto de universidade que defende. Nesse sentido, a luta por uma Universidade Popular significa uma série de demandas concretas que visam transformar o papel e o caráter do ensino superior brasileiro. Essa luta busca garantir o acesso universal e a permanência no ensino superior público, gratuito e estatal, e que ele esteja comprometido com o desenvolvimento tecnológico, científico e social do país. Também pautamos a urgência de democratizar as instâncias de decisão por meio de Conselhos Populares e fomentar a produção de conhecimento crítico que esteja vinculado às necessidades e potencialidades da classe trabalhadora e dos povos oprimidos do Brasil.
A existência de um projeto antagônico à universidade burguesa – a Universidade Popular – caminha ao lado de um projeto antagônico à sociedade burguesa. Juntos, nos direcionam a um futuro no qual a classe trabalhadora, a imensa maioria da população brasileira, deixe de ser esmagada diariamente pela burguesia e sua sede de lucro.