O governo da Bahia e a opção pela pequena política
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Por Milton Pinheiro – Membro do conselho editorial do Jornal O MOMENTO, do Comitê Central do PCB e da diretoria do Instituto Caio Prado Júnior
Jornal O MOMENTO – PCB da Bahia
Ao final do décimo sétimo ano do governo de coalizão burgo-petista na Bahia, temos dados suficientes para construir uma análise sobre o jeito petista de governar. Algumas questões se colocam como balizas para entender esse longevo processo de governança.
Qual foi a ruptura na forma de governo que Jaques Wagner, Rui Costa ou o continuísta Jerônimo Rodrigues operaram na liderança do poder executivo em relação aos governos da família Antônio Carlos Magalhães? Em qual horizonte opera a metodologia da partilha de governo nesses 17 anos? Qual a forma de executar o orçamento e em que rumo ele se efetiva? Como se estabeleceu a relação com os movimentos populares e o movimento sindical do setor público nesse período? O planejamento é dirigido para ser realizado em qual perspectiva? Como agem as forças de segurança da Bahia? Existem balizas do ponto de vista de uma política progressista do governo que é apresentada para o povo da Bahia? Por fim, mas não por último, como se realiza o papel político das forças petistas no comando do estado?
Há 17 anos, uma coalizão de conformação fisiológica e perfil de centro direita governa a Bahia. Os três chefes do poder executivo em questão (Wagner, Rui e Jerônimo) operaram e operam uma lógica de continuidade em relação às estruturas políticas e econômicas formadas e comandadas pelo chefe político de província, o então Antônio Carlos Magalhães, que, em seu tempo histórico, tinha grande repercussão nacional e forte carisma popular.
O petismo de governo não tem nenhuma diferença político-administrativa em relação à forma carlista de governar. Pelo contrário, aperfeiçoou o sistema de forma conservadora para atingir seus objetivos no sentido de se manter no controle do aparelho de Estado sem precisar fazer enfrentamentos políticos bruscos ou acenos progressistas para as massas populares. Nesse período, a coalizão burgo-petista não fez nenhuma inflexão na política.
Contudo, uma nota de rodapé se faz necessária: embora sem nenhum carisma e prestígio densamente popular, Rui Costa manteve o mesmo grau de truculência política e arrogância no exercício do governo que o “filhote” da ditadura, ACM, o velho.
Sob a liderança desses três personagens do petismo baiano, diga-se de passagem, uma sucursal muito degradante da matriz nacional, manteve-se a lógica de governo pautada na aliança construída a partir dos votos e influência que cada liderança mantém na pequena política (quantas prefeituras, votos e regiões eleitorais que o chefe parlamentar mantém), estruturas de saúde, educação e estradas para a propaganda do governo poder divulgar, todavia, sem maior capacidade de exercer sua finalidade precípua.
A partilha do governo se mantém na lógica bizantina dos currais, que termina por fortalecer o que tem de pior na política da Bahia, a exemplo do vereador de província que o petismo elegeu senador da República, que no Senado age como porta voz da direita e na Bahia chantageia com bastante sucesso os três porquinhos do comando.
O orçamento estadual tem sido construído e gerido pela lógica da escorcha tributária para o conjunto dos setores médios da população, arrocho salarial sem precedentes dos trabalhadores do serviço público, benefícios fiscais em profusão via anistia e isenção para nichos do mercado e um garrote “fiscalizador” para impedir que o orçamento seja executado de forma autônoma, gerando imensos contingenciamentos e cortes durante o exercício anual.
Não existe na Bahia autonomia para execução orçamentária nem em autarquias, como as universidades públicas (UNEB, UESB, UEFS e UESC). Pelo contrário, tudo depende da aprovação das secretarias da fazenda e administração, algo que, em alguns casos, nunca tivemos anteriormente (regime de trabalho, promoção, etc.).
O orçamento do estado está sendo gerido em favor do tripé básico dos últimos 40 anos: obras sem compromisso com a finalidade social (mas com forte poder de atração política dentro da coalizão e cooptação de novos comensais), isenção fiscal para empresas do complexo da articulação política e pagamento religioso do dízimo da dívida pública. É nessa perspectiva que o orçamento é dirigido, tornando-se autocrático e antissocial.
Não existe relação de audição do governo com os movimentos populares, a operação política do governo passa por ações que agem no sentido da cooptação e da distribuição de pequenas políticas sociais focalizadas. No serviço público, a relação do governo com o movimento sindical é de truculência política, mesmo com categorias enormes, como a dos professores da rede básica. As demais não são recebidas e muito menos ouvidas. O arrocho salarial e a ampliação do controle do estado sobre os trabalhadores públicos são os eixos estruturantes que indicam essa relação.
O planejamento na lógica de governo e Estado é construído para operar a renovação dos mandatos da coalizão burgo-petista na Bahia. Nesse sentido cabem algumas indagações: qual é o papel de futuro da educação básica? O que se pensa em conjunto com as universidades estaduais para agir densamente na perspectiva de uma extensão, ensino e pesquisa que mude o eixo das oportunidades no estado da Bahia? O que é articulado pelo governo no sentido de tirar a população da fila da morte na regulação da saúde? Sem falar do plano comercial de saúde, pago e sem inadimplência, que é o Planserv, executado pelo governo que cada dia mais o conjunto do funcionalismo público tem menos atendimento.
Nesses 17 anos, a Bahia tem se notabilizado por “formar” forças de segurança retrógradas e com perfil violento na ação pública. A conduta operacional da PM, com aplausos desses governadores, em especial com o de Rui Costa, agiu de forma truculenta e letal sobre populações pobres e pretas das mais diversas periferias, criminalizando a condição dessas pessoas no estado.
A retórica discursiva do governo sobre a segurança pública estadual tem engrandecido o agente da truculência, responsabilizado a família e a justiça, e colocado toda a culpa na questão das drogas, quando, em verdade, o governo não tem nenhuma forma séria de examinar o que se passa com essa situação. O governo e seus representantes terminam por fazer uso de uma retórica muito comum ao discurso da extrema-direita no Brasil.
Tendo em vista que o comando do governo nesses últimos 17 anos é de lideranças do PT, fica uma questão talvez superada, mas instigante: existe algum aceno progressista no discurso para o conjunto da população que permita uma visão de luta pela transformação social e de combate às forças da extrema direita? Não encontramos essa postura.
O discurso da coalizão burgo-petista adicionou o evangelismo ao remeter a deus a resolução dos problemas (“se deus quiser…”), a educação é uma questão moral, as reacionárias escolas militares proliferam na Bahia, a questão da segurança pública é um caso de polícia, etc. Não existe nenhum aceno progressista na ordem do Estado que possa pensar uma outra forma de resolver os problemas públicos e avançar em um projeto de diferenciação social. Portanto, não existem eixos estruturantes minimamente progressistas na ação do governo do estado da Bahia que sejam apresentados ao povo.
O papel político das forças petistas na Bahia é indelevelmente marcado pela reafirmação do pacto burgo-petista, que orienta o pragmatismo necessário para vencer eleições e que continua executando a mesma política anacrônica que tem marcado a forma do poder político nos últimos 40 anos. Esse papel executado pelo petismo de governo reafirma a lógica da pequena política no balcão de negócios do estado da Bahia. No momento, sem nenhuma perspectiva de mudança, como cantava Caetano Veloso, “Triste Bahia, oh, quão dessemelhante”.