A nova cruzada da burguesia contra os direitos humanos
Filipe Cavalcanti (militante da Base Francisco Bravo/PCB de Nova Friburgo)
Há algum tempo observamos o crescimento da nova cruzada evangélica no Brasil. Os seus movimentos, igrejas e discursos há tempos já deixaram de ocupar apenas o campo religioso para dedicar-se à política, e seu fundamentalismo arraigado passa para o estágio de uma perigosa cruzada moralista e conservadora. A sociedade brasileira deve aprofundar a luta por um real Estado laico, no qual a forte presença de uma bancada evangélica ou de qualquer outra religião impondo sua visão nas decisões sobre as políticas públicas é uma completa contradição. A permanência do pastor Marco Feliciano (PSC-SP) na presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados terá influência determinante na votação de projetos como a criminalização da homofobia, o casamento gay e a promoção da diversidade cultural das minorias no país, que enfrentarão ainda mais resistência para serem apreciados. Analisando a conjuntura mais além, ocorre um recrudescimento político e social baseado em um discurso contrário a qualquer forma de organização que defenda ideais e promova ações contrárias ao mais arraigado conservadorismo religioso propagado a partir dos EUA no início do século XX, baseado em uma teologia da prosperidade e em acentuado individualismo, que encontrou poderosa base para se desenvolver através da ampliação das desigualdades provocadas pelo aprofundamento do modo de produção capitalista.
A chegada dos evangélicos fundamentalistas à Comissão de Direitos Humanos da Câmara coincide com a ampliação do debate sobre o casamento entre homossexuais ao redor do mundo. Se o político pregador paulista carrega em seu discurso o lado mais conservador e grotesco da burguesia amparada pelos fiéis que deixaram de lado a máxima cristã do amor ao próximo em busca apenas de satisfazer o amor próprio, podemos observar que este perfil não é exclusivo deste grupo, pois programas de tv e rádio diariamente condenam e criminalizam os movimentos sociais e políticos que lutam em prol de ideias, ações e valores visando ao bem coletivo, enquanto são valorizadas e estimuladas as atitudes voltadas a atender os interesses particulares, dentro da lógica mesquinha e individualista do “cada um por si”.
A religião também foi mercantilizada, e o grande negócio em que se transformou alimenta empresários da fé e políticos corruptos, verdadeiros lobos em pele de ovelhas, escondidos atrás de caros ternos, enormes joias em ouro e com a Bíblia na mão. Esse grupo, ao longo de trinta anos, vem acumulando cada vez mais prestígio social e econômico. Hoje, esse grupo se coloca à frente de um enorme contingente de eleitores e manipula um verdadeiro “curral eleitoral”, ao qual cada vez mais partidos políticos desejam ter acesso, para poder desfrutar da sua fatia do bolo. Esse seria um dos principais fatores da omissão dos partidos (como o PT) que antes assumiam o controle da Comissão de Direitos Humanos e Minorias do Congresso Nacional e permitiram que ela hoje fosse ocupada por quem despreza os valores democráticos e constitucionais transformados em lei depois de muita luta. O fato é que o Brasil nunca foi um belo exemplo de Democracia, mas se, hoje, nós, trabalhadores, negros ou brancos, homossexuais ou heterossexuais, católicos, evangélicos, espíritas ou ateus, conquistamos importantes direitos em uma sociedade extremamente desigual e opressora como a capitalista, foi através de muitas lutas e perda de vidas ao longo da história, principalmente a história mais recente de resistência e enfrentamento à ditadura empresarial militar que chegou ao poder por meio do golpe de 1964. A luta dos trabalhadores é o real catalisador de forças sociais para uma verdadeira transformação de nosso mundo e das relações humanas.
Mais uma vez o PT comprova a continuidade do comprometimento de suas lideranças com os grupos burgueses hegemônicos no país. A omissão petista a respeito da Comissão de Direitos Humanos ocorre em um momento conveniente para retirar o foco da opinião pública nacional da denúncia contra os “mensaleiros”. Além disso, observa-se um antecipado marketing político para as eleições do próximo ano, com a articulação de alianças envolvendo os evangélicos, além da administração de situações para manter a “governabilidade”, o que leva a um posicionamento que busca evitar conflitos com a base governista no Congresso, mas é inoperante em relação às práticas corruptas e ao atendimento às verdadeiras necessidades dos trabalhadores, ocorrendo então grande submissão perante a hegemonia burguesa. Exemplo disso são as concessões políticas feitas às investidas do grande capital contra os direitos trabalhistas, que se materializa no projeto de Acordo Coletivo Especial, voltado a permitir o ataque aberto a conquistas sociais transformadas em lei.
O deputado-pastor Marco Feliciano representa muito bem o consenso atual imposto pela hegemonia burguesa, que faz avançar o processo de privatizações de empresas estatais, deixa ao abandono a saúde e a educação públicas para que sejam também privatizadas, e mercantiliza o conjunto das relações sociais, dentre as quais a própria religião. Representa muito bem uma sociedade caracterizada pelo “ter” para “crer”, onde cobiça, individualismo, péssima qualidade de educação, saúde e serviços, impostos revertidos em corrupção são as reais chagas que devemos enfrentar. Vivemos em um período em que muitos dos movimentos sociais dedicam-se a lutas fragmentadas em torno de questões como gênero, etnia, opção sexual, cultura, etc. São lutas de extrema importância, mas não podem estar desvinculadas da luta contra a exploração capitalista.
A luta contra Marco Feliciano é de extrema importância, basta ser um pouco crítico e observar os discursos proferidos por ele. Os grupos dominantes dispõem, além do monopólio da repressão e da violência, instituições que, através do convencimento e da manipulação, difundem a ideologia burguesa. E toda a criminalização e desmoralização dos movimentos sociais, através da mídia, ocorre para justificar em seguida a ação repressora do Estado, atitude da qual Marco Feliciano se valeu para repreender manifestantes. Nossa luta visa à construção de uma sociedade na qual uma Comissão de Direitos Humanos e Minorias não seja necessária, e que a exploração do homem sobre o homem, em todas as suas formas, seja abolida.
“No cotidiano produzimos e reproduzimos ações que emancipam e libertam, quanto ações que marginalizam e geram preconceitos. Cada um é responsável pelos seus preconceitos.”