Belo Monte goela abaixo: da Ditadura aos dias de hoje
A vila de Belo Monte se localiza nas proximidades do rio Xingu, Estado do Pará, no coração da selva amazônica, próxima à cidade de Altamira. É ali que o governo brasileiro pretende construir uma das maiores hidrelétricas do mundo, também com o nome de Belo Monte, realizando um projeto do tempo da Ditadura Militar, que data dos anos 70.
Originalmente, o plano previa a construção de cinco usinas na região. Desde então, indígenas, ribeirinhos, ambientalistas e representantes da Igreja, que vivem no local, vêm lutando contra o projeto de Belo Monte.
Em 1989, os índios realizaram o “Primeiro Encontro das Nações Indígenas do Xingu”, que alcançou repercussão nacional e internacional. Essa mobilização contou com o apoio do cantor Sting, que se uniu ao líder indígena Raoni na luta contra Belo Monte. Pouco depois desse encontro, o Banco Mundial negou suporte financeiro ao projeto, fazendo com que fosse arquivado.
Porém, o empreendimento não foi abandonado, e, 30 anos depois, a intenção de realizá-lo volta com toda a força. O estímulo maior para que as obras, finalmente, saiam do papel, parte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que incluiu a usina dentre os projetos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).
Para acalmar a resistência popular a Belo Monte, o governo reduziu a proposta para a construção de uma única usina, ao invés de cinco. Porém, estudiosos afirmam que a construção de uma usina é apenas uma etapa, e o projeto será financeiramente deficitário caso se limite a uma única barragem. Aprovada e iniciada a primeira, o projeto das outras quatro viria necessariamente.
Além disso, o volume de terra a ser retirado para formar os canais de uma única usina será tão grande quanto aquele escavado para a construção do canal do Panamá. Milhares de pessoas dos municípios de Altamira, Vitória do Xingu e Brasil Novo serão retiradas de suas terras compulsoriamente, e perderão a possibilidade de viver e obter meios de subsistência de acordo com seus costumes tradicionais. Um terço da cidade de Altamira ficará submerso.
Especialistas alertam para o fato de que o objetivo principal da energia gerada por Belo Monte será o de atender às necessidades das grandes empresas que já estão instaladas ou pretendem se estabelecer na região ou em suas proximidades.
Se for construída, como pretende o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Belo Monte será a terceira maior usina hidrelétrica do mundo, com capacidade total instalada de 11.233 Megawatts (MW), dos quais somente uma média de 4.571 Megawatts (MW) terá geração assegurada, devido ao regime de cheias do rio Xingu.
O custo total da obra deverá ser de R$ 19 bilhões, quantia que torna o empreendimento o segundo mais custoso do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), atrás apenas do trem-bala entre São Paulo e Rio de Janeiro, orçado em R$ 34 bilhões.
Desrespeito à população continua
Para garantir que projeto seja aprovado, o governo federal vem passando por cima de uma série de exigências: seriam necessárias 27 audiências públicas, mas foram feitas apenas quatro.
Nesses encontros, os principais interessados, os indígenas, não tiveram acesso a informações suficientes sobre o projeto, ou tiveram acesso ao local dos debates dificultado. Essa situação foi denunciada pelo Ministério Público Federal (MPF), que, inclusive, chegou a pedir que as audiências públicas fossem anuladas, mas não teve esse pedido acatado.
Para que a licença ambiental prévia fosse concedida pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) à obra, houve pressão sobre os funcionários do órgão.
Dois deles, inclusive, deixaram o instituto no final do ano passado em função disso. O Ministério das Minas e Energia (Edson Lobão) e o Ministério do Meio Ambiente (Carlos Minc) pressionaram para que a licença ambiental fosse concedida o quanto antes. E isso, de fato, aconteceu no dia 1° de fevereiro deste ano.
A Advocacia Geral da União (AGU), logo em seguida à concessão da licença, lançou uma nota – apoiada pelo Presidente da República – ameaçando processar os membros do Ministério Público que viessem a colocar em questão a licença concedida ou o próprio projeto.
Essas investidas contrariam promessa feita por Lula, em julho do ano passado, durante encontro com movimentos sociais da região de Altamira e com o bispo da Prelazia do Xingu, Dom Erwin Kräutler. Na ocasião, o presidente afirmou que o projeto de Belo Monte não seria empurrado “goela abaixo” da população.
Hoje, Lula faz críticas abertas às ONGs contrárias a Belo Monte, e informa que fundos de pensão poderão participar da licitação da obra.
Além disso, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) informou que facilitaria o empréstimo aos empreendedores da obra, apesar de questionamentos do MPF sobre essa conduta. O banco já foi avisado de que poderá ser co-responsabilizado por eventuais danos socioambientais de Belo Monte, caso insista em financiar o projeto, por meio de comunicado redigido por organizações não-governamentais.
Tais atitudes também lembram práticas da Ditadura, período em que os militares construíram, de forma autoritária, grandes obras e projetos com importantes impactos socioambientais, como a inundação das Cataratas de Sete Quedas, a construção das barragens de Tucuruí e outras, a estrada Transamazônica, e a usina nuclear de Angra dos Reis.
Essas obras foram realizadas, passando-se por cima da sociedade, dos povos indígenas, de populações ribeirinhas, dos atingidos por barragens e do respeito ao meio ambiente, todos vistos como obstáculos ao desenvolvimento.
Impactos da obra
O Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) da usina hidrelétrica de Belo Monte, apresentado pelos empreendedores, durante as audiências públicas, continha diversas falhas.
Dentre os erros, foram indicados: a omissão de impactos socioambientais, falta de previsão sobre formas de compensar as famílias que serão impactadas pela obra e superestimação da energia e dos empregos que serão gerados pelo empreendimento. As lacunas foram apresentadas por pesquisadores, Ministério Público e sociedade civil organizada.
Um Painel de Especialistas, formado por 38 estudiosos dedicados a analisar o EIA/Rima da usina, identificou que impactos descritos no projeto subestimam as populações urbanas e rurais que serão afetadas pela obra e também desconsideram as conseqüências socioambientais do projeto no trecho do rio que terá sua vazão reduzida.
Segundo os estudiosos, cerca de 3/4 ou 100 km da Volta Grande [do Xingu] serão submetidos a condições de uma falta de água severa com a construção da usina, o que irá prejudicar o aproveitamento do rio pela população local, para pesca e navegação. Além disso, o empreendimento irá gerar o inchaço das cidades do entorno da obra, e não foram previstos recursos para a ampliação da oferta de serviços públicos nesses locais.
Além de gerar desmatamento de 516 km² de floresta amazônica, que serão inundados com a construção da barragem, a obra, a partir da mudança da vazão do rio Xingu, levará à destruição da biodiversidade de fauna e flora existentes no trecho previsto para a instalação da usina.
Por esses motivos, e também devido à falta de consulta prévia às comunidades indígenas que serão atingidas pelo empreendimento, Belo Monte foi denunciada à ONU por movimentos sociais e organizações defensoras dos direitos humanos.