Estão comprando o silêncio dos sindicatos e da classe trabalhadora

A José Augusto Bicalho Roque, grão de poeira gigante na luta contra a ditadura militar.

Era um folheto quase clandestino. Circulava pela Petrobras, visual modesto, comentando a situação trabalhista dos profissionais da química. Acabou sendo, quase por acidente, minha porta de entrada para o movimento sindical. Fiz contato com os responsáveis e, em pouco tempo, estava engajado no Grupo de Renovação Sindical (GRENS), que ganharia, com mais de 75% dos votos, a eleição do Sindicato dos Químicos e Engenheiros Químicos/RJ em 1980.

A ditadura dava sinais de desgaste, depois das crises do petróleo em 1973 e 1979 e da ascensão de um movimento sindical combativo. Com os partidos políticos amordaçados, novos atores sociais apareciam em cena, pressionando o núcleo duro do regime e cobrando um custo político mais alto pela repressão. Neste cenário, associações de moradores e sindicatos de profissionais liberais jogaram vapor no caldeirão social. Não foi diferente com os químicos fluminenses.

Começamos um trabalho de sindicalização e ampliamos as negociações por acordos coletivos. Organizamos debates políticos e atraímos gente interessada em discutir não apenas perspectivas profissionais, mas o futuro do país. Em 1983, assumi a presidência do sindicato e, no ano seguinte, ao lado de outros sindicatos de profissionais liberais, participamos da primeira greve da história do sindicato (na Nuclebrás Engenharia). Quem diria, hem ? A classe média, assustada com a perda de poder aquisitivo, cruzava os braços.

Aqueles foram anos peculiares. Economistas, engenheiros, advogados e outros profissionais liberais “descobriram” os sindicatos. A mesma classe média que apoiou a ditadura militar no período do “milagre econômico”, agora reclamava de perdas que os trabalhadores em geral já sentiam há muito tempo. Este vai-e-vem da pequena burguesia é estrutural, visceral. Conto, a propósito, uma experiência que vivi nos anos 80.

Estávamos iniciando contatos com os químicos da Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, propondo a construção de uma pauta de reivindicações para negociar com a empresa. Os químicos eram uma pequena minoria entre os trabalhadores da CSN, sem força para, isoladamente, conquistar suas demandas. Era por tudo aconselhável uma aproximação com os metalúrgicos e seu sindicato, para que as reivindicações específicas fossem incorporadas pelo grupo majoritário. O que aconteceu ? Os químicos, por absoluta soberba e preconceito de classe, disseram que não se reuniriam com “aqueles peões”. Preferiram manter-se no gueto. Minhas aulas práticas sobre luta de classes não pararam por aí.

No GRENS, atuava um empresário, dono de uma firma de projetos no bairro de São Cristovão. Nas reuniões, tinha um discurso progressista, inclusivo. Quando, tempos depois, os trabalhadores do seu setor decidiram desencadear uma greve, participei do piquete na porta da firma do “burguês avançado”. De repente, ele chega, salta do carro e, dirigindo-se a mim com sangue nos olhos e dedo em riste, diz para fazer piquete na porta do BNDES (onde eu trabalhava na ocasião). Deu meia volta, avantajaram suas costas “progressistas” e foi purgar o teatrinho malandro da aliança de classes que até ali pregava. Rasgada a fantasia do “aliado”, continuamos panfletando e pensamos no velho ditado: farinha pouca, meu pilão primeiro.

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Com o fim da ditadura, refluiu a mobilização capilar que caracterizou o início da década de 80. O caso mais gritante no Rio foi o das associações de moradores, que chegaram a revelar uma liderança importante, Jó Resende, que simplesmente desapareceu. Os profissionais liberais abandonaram seus sindicatos que, hoje, não são muito diferentes das entidades cartoriais que se multiplicam como cogumelos (à média de 250 novos por ano, de 2005 para cá). Que ninguém subestime o caráter volúvel da classe média. No Brasil, menos de 1 em cada 5 trabalhadores é sindicalizado. Muitas entidades sobrevivem apenas com a contribuição anual compulsória, sem qualquer representatividade classista. Como a legislação garante estabilidade no emprego para os dirigentes sindicais, muitos se utilizam desse expediente para não cair no desemprego. Há pouco debate e quase nenhuma iniciativa para mudar um quadro com raízes na Carta del Lavoro da Itália fascista. A possibilidade de criar sindicatos por ramo de atividade econômica robusteceria o poder de negociação dos trabalhadores e eliminaria entidades que a História tornou obsoletas. Como, quase sem exceções, os sindicatos de profissionais liberais. Isso, no entanto, seria mexer em privilégios e no espírito corporativo dos “doutores”. Quem tem vontade política para fazer isso ?

No Brasil, um partido que se diz dos trabalhadores entrou de cabeça na lógica eleitoral burguesa e trabalha em função dela e para ela. Despeja números e estatísticas, sem problematizar, em momento algum, o que eles significam. Fala em programas educativos sem discutir a qualidade do ensino nas escolas públicas. Orgulha-se das carteiras assinadas e não vocaliza, de peito aberto e publicamente, o que significa a exploração do trabalho pelo capital (com ou sem carteira assinada). Carnavaliza festas de 1º de maio, com gordas verbas públicas e privadas. Os patrões estão investindo numa data que representa, historicamente, um brado contra a brutalidade do capital. Estão comprando o silêncio dos sindicatos e da classe trabalhadora. A senhora presidente da República, muito bem produzida, discursa no 1º de Maio, grita “viva o Brasil !” e não tem uma só palavra de solidariedade para os povos em luta contra o arrocho do capital financeiro internacional. É cúmplice, por omissão, da cobertura parcial que os meios de comunicação fizeram das grandes manifestações na Espanha, na Grécia, no Chile e em tantos outros lugares. Enquanto isso, a CUT chama ao palco Alceu Valença e Jorge Aragão e a Força Sindical sorteia apartamentos. Até quando se suportará este bom-mocismo ?

(por Jacques Gruman)

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