Processo da Philip Morris contra o Uruguai. “As transnacionais não podem ser governo”

“Em fevereiro deste ano realizou-se em Paris a primeira audiência entre os representantes da empresa tabaqueira e o governo uruguaio. A multinacional exige uma indenização de 2 bilhões de dólares em compensação pelo que considera perdas na comercialização de cigarros no país sul-americano a partir da implementação de um severo programa oficial de luta contra o tabagismo, lançado em maio de 2005”, escreve Sergio Ferrari, em colaboração com o ‘Bulletin Suisse du Cancer’, colaborador de Adital na Suíça, publicado no portal da Adital, 03-05-2013.

Eis o artigo.

Para a organização Redes/Amigos da Terra no Uruguai, a causa aberta há três anos pela empresa de tabaco Philip Morris contra a República do Uruguai constitui “um ataque frontal contra a Organização Mundial da Saúde (OMS) e seu convênio marco antitabaco”. A multinacional, com sede administrativa em Lausanne, Suíça, “deveria privilegiar o marco multilateral da OMS em vez de fundamentar sua causa nos acordos bilaterais entre o Uruguai e a Confederação Suíça. Deveria priorizar o interesse da saúde pública e não o dos investimentos privados”, argumenta o sociólogo Alberto Villarreal, responsável pelo programa de Comércio e Investimentos dessa ONG uruguaia. Durante o segundo semestre, o Tribunal arbitral poderia pronunciar-se sobre a pertinência ou não da causa.

A Philip Morris Internacional (PMI) deu início a um processo contra o Estado uruguaio em 2010, no Centro Internacional para a Arbitragem de Disputas sobre Investimentos (Ciadi), do Banco Mundial, por entender que o Uruguai viola cláusulas do acordo bilateral de investimentos assinado entre a Suíça e o Uruguai. A empresa, por seu lado, entende que esse órgão do Banco Mundial é o adequado e que o mesmo tem a jurisdição para tratar o caso.

Em fevereiro deste ano, realizou-se em Paris a primeira audiência entre os representantes da empresa tabaqueira e o governo uruguaio. A multinacional exige uma indenização de 2 bilhões de dólares em compensação pelo que considera perdas na comercialização de cigarros no país sul-americano a partir da implementação de um severo programa oficial de luta contra o tabagismo, lançado em maio de 2005.

Principal impulsionador, o então presidente uruguaio e oncologista Tabaré Vázquez (2005-2010), que centrou seu programa de saúde pública nas linhas recomendadas pelo convênio internacional marco para o controle do tabaco da OMS, que entrou em vigor em fevereiro de 2005 e ao qual o Uruguai aderiu.

“Processo a escondidas”

A causa aberta no CIADI está centrada em um total sigilo, “o que é muito preocupante e inaceitável” para as organizações a sociedade civil uruguaia, enfatiza o sociólogo Villarreal durante uma visita a Berna, em março passado.

Durante todo esse tempo, tem sido praticamente impossível conhecer os argumentos do Estado uruguaio e da empresa suíça. “E a audiência realizada em fevereiro não foi pública”, ressalta. O processo encontra-se ainda em uma fase preliminar. As partes confrontadas esperam que o Ciadi se expresse, em primeiro lugar, se tem ou não jurisdição para pronunciar-se nesse litígio.

“Acreditamos que este é o caso”, havia dito Anne Edwards, porta voz da Philip Morris Internacional, após a audiência de Paris, ressaltando que a empresa espera uma decisão no segundo semestre do ano em curso.

Alberto Villarreal pensa diferente, enumerando três dos argumentos defendidos pelo Uruguai. “No convênio bilateral de investimentos vigente entre a Suíça e o Uruguai, o Art. 2º excetua as políticas de saúde da proteção dos investidores”, afirma o porta voz de Redes/Amigos da Terra.

Por outro lado, “antes de recorrer ao Ciadi, deveria ter existido um prazo prévio de 18 meses –período que inclui uma tentativa de resolução amigável entre as partes-, e que não foi respeitado pela tabaqueira”. Além disso, “a PMI não pode fazer prevalecer enquanto tema da resolução de litígios, outros tratados bilaterais assinados pelo Uruguai no qual são aceitas maiores concessões às empresas”, explica.

Revisar os acordos bilaterais

Para a sociedade civil uruguaia, “este processo em marcha é dramático e imoral”, enfatiza o coordenador deRedes/Amigos da Terra, já que “nos parece um desacerto total que os tratados bilaterais de investimentos confiram tantos direitos e poder às empresas, como, por exemplo, de demandar aos Estados em tribunais de direito privado, como se tratasse de dois comerciantes que dirimem uma disputa”.

Redes/Amigos da Terra propõem uma revisão do tratado bilateral Suíça-Uruguai, “já que denigre ao governo à qualidade de negociante ou, mais ainda, eleva as empresas e lhes outorga status de governo”.

Villarreal recorda também a comprometida vontade política do ex-presidente Tabaré Vázquez para disputar com a multinacional suíça. “Quando deixou a presidência, o novo governo da mesma Frente Ampla (FA) insinuou a possibilidade de uma negociação… E foi Tabaré quem denunciou essa visão, criou uma crise interna de magnitude na FA e obrigou que fosse dada continuidade ao litígio com a tabaqueira, convencido dos bem fundamentados direitos uruguaios”. Em 2011, em declarações a esse correspondente, Tabaré Vázquez argumentou que a luta contra o tabaco e a confrontação com a tabaqueira são resultado do “exercício da soberania nacional uruguaia” e expressam a obrigação constitucional de seus governantes de proteger a saúde da população.

“A transnacional suíça, ao processar o Uruguai, quer demonstrar que pode sancionar qualquer Estado que se oponha a seu poder ilimitado… Trata-se de ameaças e penalização. Busca criar um precedente político e jurídico contra as nações que promovem com coerência a luta contra o tabagismo”, enfatiza Villarreal.

No entanto, enfatiza, “o acordo multilateral sobre a saúde pública teria que ter maior status do que o acordo bilateral de investimentos, qualquer que seja a perspectiva. Ao tratar-se de fazer prevalecer a saúde ou os investimentos, a primeira é determinante. E, ao analisar a importância de um marco de referência, o multilateral é superior ao bilateral”.

A situação internacional não é “totalmente favorável à empresa”, conclui o responsável por Redes/Amigos da Terra. Já há nações latino-americanas, como a Bolívia, o Equador e a Venezuela que se retiraram do Ciadi/Banco Mundial. A África do Sul antecipou que não assinará mais acordos bilaterais. E outras nações, como a Austrália, também rechaçam a imposição dos investidores sobre os Estados.

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