As incríveis eleições no Mali*

Não será com simulacros eleitorais, com golpes de estado, com ameaças à integridade territorial, com intervenções militares e com a presença de tropas estrangeiras que o Mali e outros países africanos se emanciparão da dominação imperialista.

Em África, as eleições impostas fazem parte do moderno arsenal de dominação imperialista utilizado para «legitimar» situações inaceitáveis.

Quando outros meios mais ou menos sofisticados não são suficientes, as potências ocidentais recorrem à força das armas (a velha política da canhoneira…) e, uma vez «resolvida» a questão, assegurada a continuação do domínio e da exploração neocolonial, organizam a «democracia».

É o caso do Mali. Depois do golpe de estado militar de 2012, da secessão de parte do território e da intervenção das tropas francesas – que persiste –, tudo num curto espaço de tempo, procura-se agora «normalizar» o país com a ida às urnas.

A primeira volta das eleições presidenciais, marcada para o próximo domingo, 28, está ensombrada por dificuldades logísticas e pela ameaça de acções violentas. O facto de o escrutínio se desenrolar durante o ramadão (o mês de jejum ritual dos muçulmanos) e em plena estação das chuvas pode fazer aumentar a abstenção e transformar a votação numa farsa.

Nada que preocupe as autoridades malianas e a «comunidade internacional»: para Dioncounda Traoré, presidente interino, e para Ban Ki Moon, secretário-geral das Nações Unidas, as eleições «não serão perfeitas» e o que importa é que os candidatos aceitem os resultados…

Candidatos, aliás, em bom número: foram aceites 28 e, segundo a revista «Jeune Afrique», que em geral reflecte os interesses de Paris, os favoritos são o antigo primeiro-ministro Ibrahim Boubacar Keita e o ex-ministro e alto funcionário oeste-africano Soumaila Cissé, ambos favoráveis à manutenção dos laços do Mali com a França e o Ocidente.

Cissé, que contudo se opôs ao golpe militar do ano passado, reconheceu publicamente num comício em Bamako que «há o risco de uma fraude eleitoral generalizada». Um outro candidato, Tiébilé Dramé, desistiu da corrida eleitoral e denunciou a inexistência de condições para a realização de eleições.

Do ponto de vista do processo eleitoral, há duas semanas apenas uma parte dos cerca de sete milhões de eleitores estava recenseada – 60 por cento, segundo dados governamentais.

Mesmo nos círculos oficiais malianos, há quem duvide que a votação se possa realizar em certas regiões, como por exemplo em Kidal, no Nordeste. Ali estão acantonados os rebeldes autonomistas tuaregues e os dirigentes das suas organizações políticas, como o MNLA (Movimento Nacional de Libertação de Azawad) e o HCUA (Conselho Superior para a Unidade do Azawad). Os independentistas só recentemente aceitaram, e de forma provisória, a presença em Kidal da administração e do exército malianos.

Um dos chefes militares franceses no terreno, general Grégoire de Saint-Quentin, afirmou ao «Jornal de Dimanche», de Paris, que o Mali, após 18 meses de crise política e guerra, ainda não está «completamente estabilizado». Explicou que dois terços do país africano, com o dobro do tamanho da França, estiveram ocupados durante um ano por grupos islamitas que «deitaram abaixo todas as estruturas administrativas e de segurança, derrotaram o exército maliano e destruíram o seu equipamento». E considerou que «é preciso tempo para reconstruir tudo isso».

Em Janeiro deste ano, a intervenção no Mali das forças francesas, com apoio de tropas africanas, travou o avanço em direcção a Bamako dos grupos armados islamitas que ocupavam o Norte do país. A aviação, os blindados e os pára-quedistas enviados por François Hollande recuperaram as principais cidades da região, como Gao e Tumbuctu, desmantelaram as bases de apoio da Al-Qaida do Magrebe Islâmico e empurraram os jihadistas para o Sul da Líbia.

Mas hoje a ameaça persiste e as eleições presidenciais, como escreve a «Jeune Afrique», são um momento simbólico para destes grupos provarem que não depuseram as armas. Ataques, atentados suicidas ou assaltos a mesas de voto são possibilidades que as autoridades malianas encaram seriamente.

No próximo domingo, 28, as tropas franco-malianas e os «capacetes azuis» da Minusma (a missão militar das Nações Unidas para a estabilização do Mali, operacional desde 1 de Julho) vão reforçar o dispositivo de segurança, procurando assim assegurar um mínimo de condições para a votação.

Mas não será com simulacros eleitorais, com golpes de estado, com ameaças à integridade territorial, com intervenções militares e com a presença de tropas estrangeiras que o Mali e outros países africanos se emanciparão da dominação imperialista.

Só ao povo maliano cabe retomar nas mãos a condução do seu processo histórico, reforçar a independência nacional e construir o progresso.

*(Publicado no jornal “Avante!” n.º 2069, de 25/07/13)

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