Comissão recolhe depoimentos de catarinenses presas durante a ditadura militar
Florianópolis, 05/09/2013 – A Comissão Estadual da Verdade (CEV), com o apoio do grupo Coletivo Memória, Verdade e Justiça, levantou na tarde desta quarta-feira (5) novos depoimentos de mulheres catarinenses presas durante os períodos em que vigorou o Estado de exceção no país. Realizado no Palácio Barriga Verde, em Florianópolis, o evento integra a semana que marca os 40 anos de desaparecimento do ex-deputado catarinense Paulo Stuart Wright.
Esta é a 11a edição do evento, que procura reconstituir os fatos ligados às violações dos direitos políticos e civis entre 1946 e 1988. “São muito conhecidas as prisões efetuadas após 1964 e a edição do AI5, mas as violações remontam a 18 de setembro de 1946, com a cassação do Partido Comunista e chegam até a promulgação da Constituição de 1988”, destacou o coordenador da Comissão, Naldi Otávio Teixeira.
Até o momento, disse, já foram levantados 20 mil inquéritos policiais emitidos pelo Doi-Codi, dos quais foram constatadas as prisões de 15 mulheres catarinenses pela ditadura militar. As alegações para as detenções iam desde subversão até perturbação da ordem pública.
O objetivo do CEV é reunir as informações em um relatório, que posteriormente será encaminhado ao governador do Estado e à Comissão Nacional da Verdade. “Não estamos julgando ninguém e nem levantando bandeiras, mas apenas apurando os fatos, que precisam ser levados ao conhecimento da sociedade catarinense”, informou o coordenador.
Depoimentos marcados pela emoção
Ao todo, foram registrados os depoimentos de sete catarinenses, histórias marcadas pela emoção e esperança de que fatos semelhantes não voltem a acontecer. Um dos relatos mais contundentes foi apresentado pela dentista e historiadora lagunense Marlene Soccas. Ex-integrante da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), Marlene foi presa em São Paulo em maio de 1970, onde permaneceu por dois anos e meio. “Fui levada para a sede da Operação Bandeirante (Oban), centro clandestino do Exército e financiado por empresários para cassar, torturar e matar os opositores do regime e que mais tarde se transformou no Doi-Codi”.
Ela relembrou os doze dias em que foi submetida pelos militares a torturas, físicas e psicológicas, para que entregasse os demais companheiros. “Já no começo mandavam tirar toda a roupa, para nos deixar em uma situação de vulnerabilidade, à qual se seguiam choques elétricos, palmatórias, pancadas e agressões físicas em aparelhos como pau-de-arara e cadeira dragão”, contou.
Marlene recorda que na Oban conheceu a atual presidente Dilma Rousseff, que havia sido encarcerada no local quatro meses antes. “Não éramos coitadinhos, sabíamos perfeitamente dos riscos que corríamos, mas estávamos dispostos a pagar para que houvesse uma transformação social no país”, frisou.
Um caso curioso levantado durante a audiência e que demonstra o rigor político e social vigente na época, foi relatado por Rosangela de Souza, detida em 30 de novembro de 1979, aos 23 anos, por ter “faltado com o respeito com o general Figueiredo”, presidente do país na ocasião. “Eu era estudante de Direito na UFSC e com meus colegas, organizei uma manifestação pública contra o governo. Foi o suficiente para ser presa por dez dias e responder processo no Tribunal Militar em Curitiba”. A detenção aconteceu no Hospital Militar, em Florianópolis, onde permaneceu incomunicável por oito dias, sendo interrogada e ameaçada continuamente.
Hoje advogada, Rosângela destacou que diversas informações referentes ao período militar ainda não são do conhecimento da sociedade. “Tivemos acesso a uma pequena parte dos arquivos, principalmente do Exército, mas ainda falta liberar os documentos da Marinha, responsável pelos piores casos de tortura e desaparecimentos. Estamos pressionando a presidente Dilma para que isso aconteça, mas ainda há uma grande pressão dos militares para que certos acontecimentos não venham a público”, observou. Durante a audiência foram ouvidos ainda os relatos de Derlei Catarina de Luca, Rosimeri Cardoso, Maria Isabel Camargo Regis, Raquel Felou e Marize Lippel.
Fonte: Alexandre Back – Agência Alesc
Nota do Secretariado Nacional: Marlene Soccas é militante do PCB, em Criciúma (SC)