“A luta contra o reformismo e o oportunismo é a principal batalha dos revolucionários na atualidade”
Entrevista ao jornal “Unidad y Lucha”, do PCPE (Partido Comunista dos Povos de Espanha), outubro de 2013
Unidad y Lucha: Camarada Ivan, há uns meses o Brasil viveu fortes mobilizações populares iniciadas por causa do preço das passagens de ônibus. Você pode comentar que análise faz o PCB desses movimentos?
Ivan Pinheiro: As manifestações no Brasil não terminaram, apenas se encontram em fogo baixo. O reajuste das tarifas de ônibus só destampou uma panela de pressão social que misturava inúmeras insatisfações, derramando todas as angústias e demandas do povo brasileiro, sobretudo da grande maioria da juventude das camadas populares, sem perspectiva de futuro digno. Esta explosão desmontou uma mentira oficial dos governos reformistas do PT, a de que todos os brasileiros viviam felizes e em harmonia, em um capitalismo “de rosto humano” que favorecia todas as classes sociais e no qual todos ganhavam. Inventaram dois conceitos exóticos: “capitalismo de massas” e “sociedade de classe média”.
Para se ter uma dimensão do tamanho desta manipulação, basta ver que, apesar do crescimento do PIB, a desigualdade social segue aumentando. Os ricos são mais ricos e os pobres mais pobres. Segundo dados do Banco Mundial, apesar de o Brasil ser a 6ª economia do mundo, está no posto 85º no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Na América Latina, ocupa o último lugar na média de anos de escolarização e o primeiro na evasão escolar no nível básico (PNUD/ONU).
Esse discurso artificial era funcional dentro do país, para manter a passividade dos trabalhadores, e no exterior, para captar investimentos estrangeiros e alavancar a posição do capitalismo brasileiro no sistema imperialista.
A opção dos governos do PT pela governabilidade institucional burguesa e por enfrentar a crise do capitalismo com mais capitalismo está entre as principais causas da explosão social. Ao tomar posse, em 2003, Lula tinha todas as condições para convocar uma assembleia constituinte soberana, como o fizeram Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa, a fim de promover as mudanças prometidas na campanha eleitoral, com governabilidade popular. Pelo contrário, nomeou o ex-presidente do Banco de Boston para dirigir o Banco Central e manteve intacta a política econômica do governo neoliberal e entreguista de Fernando Henrique Cardoso, aprofundando o abandono e a privatização da saúde, da educação e dos serviços públicos em geral. Atualmente, o governo se dedica à privatização, em grande escala, de rodovias, ferrovias, portos, hidroelétricas, aeroportos e até estádios de futebol.
Dando continuidade às políticas neoliberais, o governo do PT promove a entrega de nossas reservas de petróleo e privilegia o agronegócio, o sistema financeiro e os grandes monopólios. Recentemente, o governo promoveu um leilão, aberto às multinacionais, do chamado “Campo de Libra”, uma área onde estão as maiores reservas de petróleo da camada pré-sal, em uma quantidade superior a todas as reservas brasileiras, desde a fundação da Petrobrás há 60 anos.
Enquanto o governo isenta de impostos o capital, segue a precarização do trabalho (com mais e piores empregos) e a chamada “flexibilização” dos direitos trabalhistas, obviamente para baixo.
Amplia-se a política de “superávit primário”, um mecanismo que reduz gastos sociais, para poder pagar aos rentistas uma dívida pública que nunca foi auditada. As cifras do orçamento nacional para 2014 são impressionantes: 42,42% para o pagamento aos rentistas; 3,91% para a saúde, 3,44% para a educação! A isso chamam “responsabilidade fiscal”.
Eis o que engrossa o caldo dos protestos: abandono dos serviços públicos, privatizações, generalização da corrupção, desemprego e falta de perspectiva para a juventude. Uma das consequências deste quadro é o descrédito da política e dos partidos políticos, em função das alianças e acordos espúrios, em um governo de coalizão com forças conservadoras, capitaneado por um partido que subiu ao governo prometendo transformações sociais, mas que só se transformou a si mesmo. A burguesia estimula este descrédito, para generalizar o desgaste e afastar os trabalhadores da política e dos partidos antagônicos à ordem do capital.
Há sinais de esgotamento do ciclo do PT como partido popular, classista, de massas. Isto não significa seu fim, mas a consolidação de um processo de transformação em um partido da ordem, protagonista do bipartidarismo em que a disputa se dá, fundamentalmente sobre a forma de administração do capitalismo. O fato de que o PT se chama “Partido dos Trabalhadores” contribui para confundir as massas e retardar sua experiência.
O povo espanhol conhece como ninguém outra transformação como esta, pois quem implantou o neoliberalismo na Espanha foi um partido (PSOE), que até hoje se apresenta como “socialista e operário”!
Esta explosão popular no Brasil pode voltar com amplitude e combatividade ainda maiores em 2014, com a Copa do Mundo de futebol, um mega evento cada vez mais lucrativo para o capital e excludente para os trabalhadores. Será um momento em que as desigualdades sociais se tornarão mais evidentes, quando o povo compreenderá que perdeu até o direito a seu mais tradicional direito ao lazer: a alegria de ir aos estádios de futebol, agora privatizados e privativos das classes mais abastadas, devido aos elevados preços dos ingressos. Observe-se que a emergência do Brasil como potência capitalista trouxe para cá também as Olimpíadas de 2016.
Estes mega eventos e o “destravamento” do capitalismo, que o PT chama “neo-desenvolvimentismo”, estão destruindo inclusive os direitos à vida e à moradia. Como o capitalismo não pede permissão a nada, vai criminalizando a pobreza, varrendo bairros populares, comunidades indígenas, ribeirinhas e afrodescendentes. Enquanto isso, o Estado brasileiro passa por um processo de fascistização, militarizando cada vez mais a polícia, reprimindo e criminalizando os movimentos populares, enquanto os meios de comunicação burgueses reinam soberanos, forjando as versões e manipulações que lhes interessam, já que os governos do PT não só não tocaram um dedo no monopólio das comunicações como o financiam com publicidade oficial.
Nesta escalada repressiva, tramita no Congresso Nacional, com o silêncio cúmplice do governo, uma lei “antiterrorista” intencionalmente ampla e evasiva, para servir à criminalização das lutas populares e das organizações revolucionárias e para tratar de evitar grandes manifestações durante os megaeventos esportivos programados.
Unidad y Lucha: Há quem afirme que o governo de Dilma Rousseff e do PT é favorável aos trabalhadores. Qual é a postura do PCB a respeito?
Ivan Pinheiro: Como tentei demonstrar na pergunta anterior, os governos “petistas” estão, fundamentalmente, a serviço do capital. Não há governo neutro; não há terceira via.
O governo Dilma parece mais neoliberal que o de Lula, somente porque agora a crise do capitalismo ameaça também os países emergentes, que se haviam beneficiado dela na primeira década deste século. Para retardar a chegada da crise ao país, ou mitigá-la, Dilma faz cada vez mais concessões ao capital. Seu governo está sendo pautado pelos meios de comunicação burgueses, por aliados conservadores e pelas metas estabelecidas pelas agências internacionais do capital. No entanto, seu governo é de continuidade, não de ruptura com o de Lula.
No imaginário de parte da esquerda latino-americana, os governos “petistas” ainda parecem progressistas; alguns chegam a idealizá-los como antiimperialistas. Isso tem a ver com o passado combativo do PT e de Lula, sua principal referência.
Superar esta ilusão, este obstáculo, é de fundamental importância para que avancemos na construção de uma unidade de ação continental revolucionária, anticapitalista e antiimperialista. O PT é hoje um partido da ordem. Domesticou e cooptou as principais entidades de massas, como a CUT (Central Única dos Trabalhadores) e a UNE (União Nacional dos Estudantes). Seu aliado principal é um partido de centro-direita (PMDB), que tem em suas mãos a chave do poder legislativo brasileiro, presidindo, ao mesmo tempo, a Câmara de Deputados e o Senado, além de ocupar a Vice-presidência da República e ministérios estratégicos.
No Brasil, nunca os banqueiros, as empreiteiras, o agronegócio e os monopólios haviam tido tanto lucro. A política econômica e a política externa do Estado burguês brasileiro estão a serviço do projeto que busca fazer do Brasil uma grande potência capitalista, nos marcos do sistema imperialista. Seu fetiche é uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU, que confere o status de potência. As chamadas multinacionais de origem brasileira, alavancadas por financiamento público, já dominam mercados em muitos países, especialmente na América Latina, um grande canteiro de obras para as empreiteiras preferidas do governo, principais fontes de financiamento privado do PT. A Petrobras, apresentada como estatal, é uma multinacional como outra qualquer, com mais de 60% de suas ações em mãos particulares, vendidas na Bolsa de Nova York.
Hoje, o governo brasileiro é o organizador da transferência da maior parte da renda e da riqueza produzida pelo país para a burguesia, por meio do superávit primário, da política de elevadas taxas de juros e do sistema tributário altamente regressivo. O consumo é estimulado com isenções tributárias às empresas, com crédito fácil e caro, mas não com aumentos salariais. O resultado é que as famílias brasileiras têm um dos índices de endividamento mais altos do mundo, que compromete, em média, 46% de suas rendas.
Unidad y Lucha: No seu país existem diferentes organizações que se reivindicam do campo comunista. Que tipo de relações mantêm com elas?
Ivan Pinheiro: A maioria destas organizações imagina o imperialismo como o inimigo externo, o que as leva a defender o que uns chamam “projeto popular e democrático”, outros “nacional desenvolvimentismo” ou “libertação nacional”. Prevalece neste campo político o discurso contra o imperialismo norte-americano – como se houvesse outro imperialismo bom, com o qual poderíamos nos aliar – e contra o neoliberalismo, que vêem como um capitalismo “selvagem”, desumano.
Na visão do PCB, não há contradições antagônicas entre o núcleo hegemônico da burguesia brasileira e o imperialismo, que não é um “inimigo externo” que deve ser combatido por uma frente de conciliação de classe entre o proletariado e a burguesia “nacional”, como dizem os reformistas. É um inimigo interno, já que o Brasil é parte do sistema imperialista, apesar de suas contradições e de ainda ser um ator coadjuvante, mas em plena ascensão.
O PCB, estudando o capitalismo brasileiro, a partir de um rigoroso ponto de vista marxista, chegou à conclusão de que ele é plenamente desenvolvido, de que dispõe de todas as instituições e condições necessárias para seu florescimento. Com esta análise, chegamos à compreensão lógica de que a contradição fundamental da sociedade brasileira se dá entre o capital e o trabalho, o que nos leva a concluir que o caráter da revolução brasileira é socialista. Isto não significa que estamos dizendo, como insinuam nossos detratores, que em nosso país, o socialismo está ali na esquina, porque nos faltam (e muito) as condições subjetivas, entre outros fatores em função da hegemonia reformista e oportunista no campo que se define genericamente como esquerda.
Obviamente, temos divergências com essas organizações na política de alianças. As estratégias reformistas implicam em alianças com a burguesia, em privilegiar a luta no campo institucional. Transmitem aos trabalhadores a ilusão de que é possível humanizar o capitalismo e caminhar até o socialismo pela democracia burguesa, por meio de avanços seguros e graduais. Já as estratégias socialistas levam a alianças no campo das forças políticas e sociais anticapitalistas e antiimperialistas, privilegiando as lutas de massas, sem descartar nenhuma forma de luta.
Com algumas destas organizações reformistas temos unidade pontual na solidariedade internacional, como no caso da Revolução Cubana, do processo de mudanças na Venezuela, da resistência dos sírios e de outros povos.
Mas não estamos juntos nas lutas contra as ações de caráter imperialista do Brasil, porque desagradam ao governo, como é o caso da ocupação do Haiti, do intenso comércio de armas que o Brasil mantém com a Colômbia e Israel, do acordo militar com os Estados Unidos estabelecido durante o governo Lula, denunciado em 2010 pelo PCB, e da solidariedade à insurgência colombiana, em relação à qual os reformistas querem manter distância para não comprometer sua imagem de “democratas”, de “esquerda moderna”. Consideram que a persistência da guerrilha dificulta a integração latino-americana e a estabilidade dos governos que consideram progressistas. Querem uma “paz” em curto prazo, a qualquer preço, ainda que seja a dos cemitérios.
Mas também há no Brasil organizações comunistas com as que temos afinidade estratégica e, portanto, também na oposição aos governos “petistas”. Todavia, por uma série de razões, ainda são débeis os laços que nos unem. Existem também partidos e tendências com referências socialistas, democráticas radicais e libertárias, em parte com vocação reformista, mas com os quais temos unidade, sobretudo nos temas nacionais, na oposição à transformação do PT, incluindo entre eles uma diversidade de organizações com referências trotskistas que, ao menos no caso brasileiro, não podem ser analisadas como um conjunto homogêneo.
Nossas principais diferenças com algumas destas organizações se dão fundamentalmente no campo da solidariedade internacional, que não é uma questão irrelevante para um partido marxista-leninista, como é o caso do PCB, que se reivindica e tem um comportamento profundamente internacionalista. Há organizações que jogam objetivamente o jogo do imperialismo em todos os temas internacionais, chegando até o ponto de apoiar o que chamam de “rebeldes” na Síria, de caracterizar a Revolução Cubana como una “ditadura capitalista” e considerar que Chávez (Maduro, hoje) e Evo Morales não têm qualquer diferença em relação a seus opositores oligárquicos a serviço do imperialismo.
Com o surgimento das manifestações de rua e como consequência do aumento da repressão policial, surgem combativos grupos anarquistas, de corte anticapitalista, mas que subestimam a centralidade do trabalho e da organização da classe. Adotam uma linha de insurgência foquista e horizontal. O PCB, que defende a radicalização da luta de classes e o direito à insurreição dos povos, compreende a violência com que atuam estes jovens militantes, muitos deles moradores de comunidades pobres, movidos por um justo ódio a uma polícia que assassina a cada dia seus amigos e parentes. Em que pesem nossas diferenças, não nos associamos à campanha de satanização da qual têm sido vítimas, inclusive por parte de algumas correntes populares.
Dentro deste quadro complexo, o PCB se move buscando a unidade pontual, em cada caso concreto, sem manter nenhuma relação exclusiva com nenhuma organização política deste amplo e diversificado campo do que, à falta de outro nome, podemos chamar de esquerda.
Unidad y Lucha: Como analisa os diferentes processos de integração que estão surgindo na América Latina, como MERCOSUL, ALBA, CELAC e UNASUL?
Ivan Pinheiro: Apesar de todas as limitações, determinadas pelo fato de que, inclusive nos países nos quais mais se aprofundaram os processos de mudança (Venezuela, Bolívia e Equador), segue vigente o sistema capitalista, o PCB nutre uma simpatia moderada com experiências como a ALBA, uma tentativa de contraponto à integração sob a hegemonia imperialista, que seria implantada se o projeto da ALCA não houvesse sido derrotado pelos povos latino-americanos.
A ALBA luta para ser uma integração soberana e solidária, não só entre os estados e os mercados, mas também entre os povos de “Nuestra América”. Mas a indiferença do governo brasileiro, o desaparecimento físico do Comandante Chávez e a ofensiva do imperialismo em nosso continente dificultam seu desenvolvimento.
Para entender melhor o capitalismo brasileiro, o Brasil esteve contra a ALCA, mas boicota a ALBA, buscando um espaço próprio para seu desenvolvimento. Assim, o Brasil, além de boicotar a ALBA, travou o desenvolvimento do Banco do Sul e do Sucre (um projeto de moeda comum latino-americana), iniciativas de Hugo Chávez que não saíram do papel, dada a oposição brasileira.
Na realidade, a estratégia brasileira é ampliar e continentalizar o MERCOSUL, isolando e esvaziando a ALBA. O MERCOSUL, como sabemos, é um projeto de integração capitalista, liderado pelo Brasil e, em menor escala, também pela Argentina, ao qual a Venezuela e outros países sul-americanos vêm aderindo, em função de suas necessidades de mercado. Como o chamado Pacto do Pacífico (México, Colômbia, Chile e Peru) é um contraponto, mais à ALBA que ao MERCOSUL, nada impede que este e aquele se integrem a médio prazo.
Já a CELAC e a UNASUL, ainda que tenham a virtude de não incluir os Estados Unidos e, no caso da primeira, incluir Cuba, são organizações interestatais heterogêneas, que abarcam desde os países que já mantêm TLCs (Tratados de Livre Comércio) com os Estados Unidos até aqueles que têm mantido uma postura antiimperialista. Ambas têm sido importantes para a adoção de alguns acordos e a solução de alguns conflitos, mas incapazes de evitar golpes do imperialismo e das oligarquias, como nos casos de Honduras e Paraguai, o crescimento das bases militares ianques na região, além de se omitirem em relação ao importante diálogo político para a solução do conflito colombiano em Havana. Tanto na CELAC como na UNASUL, a hegemonia é amplamente capitalista.
Na América Latina necessitamos uma articulação de forças revolucionárias, anticapitalistas e antiimperialistas, para fazer frente à hegemonia do Foro de São Paulo, que se transformou em correia de transmissão do capitalismo brasileiro para ocupar mais espaços na região.
Com a intenção de afirmar o Foro como braço regional do neodesenvolvimentismo sob a hegemonia brasileira, o PT – em aliança com outros partidos reformistas e com aqueles que priorizam razões de Estado – passa a privilegiar os processos eleitorais em detrimento das lutas de massas, buscando em cada país contribuir política e materialmente para a eleição de governos aliados com esta articulação. Isto significou a descaracterização do Foro de São Paulo, que havia nascido como uma articulação antiimperialista e socialista.
Unidad y Lucha: O PCB realizará seu 15º Congresso em abril de 2014. Que objetivos tem o Partido em relação a este Congresso?
Ivan Pinheiro: Partindo do pressuposto de que a estratégia socialista da revolução brasileira e a análise da crise mundial do capitalismo, elaboradas pelo XIV Congresso do Partido Comunista Brasileiro (PCB), são consensuais nas fileiras do PCB, o Comitê Central do PCB decidiu centrar o debate do XV Congresso Nacional em questões internas. Na questão orgânica, destacaremos o balanço e perspectivas do processo que chamamos Reconstrução Revolucionária. No que se refere à linha política, terão centralidade as questões da via e das mediações táticas da estratégia socialista.
O XV Congresso Nacional se dará em um momento especial para o Partido, que experimenta uma grande renovação e um crescimento com qualidade, ainda que modesto, a partir do XIV Congresso, quando o PCPE nos honrou com sua presença. A maioria dos atuais militantes do Partido está participando pela primeira vez de um Congresso do PCB.
Com esta pauta mais orientada para questões internas, e diante da necessidade de usar o melhor de nossas energias para a efetiva participação da militância em todo o processo congressual, tomamos a difícil decisão de não convidar desta vez o conjunto dos partidos comunistas de outros países, o que não significa que não receberemos com afeto os camaradas dos partidos mais identificados com o PCB que queiram presenciar este debate, trocar experiências, opiniões, oferecer à nossa militância seus pontos de vista e estreitar os laços de amizade e unidade dos partidos comunistas que combatem o reformismo.
Unidad y Lucha: Em novembro deste ano se realizará em Lisboa o Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários. Como vê o estado de saúde do Movimento Comunista Internacional e, especificamente, na América?
Ivan Pinheiro: Seguimos carentes de um novo e vigoroso movimento comunista internacional, lamento ter que incluir aqui o adjetivo revolucionário, pois cada vez as palavras e conceitos perdem mais seu sentido. Há partidos que se dizem comunistas, inclusive no Brasil, mas que na realidade são linha auxiliar do capital. Não mudam de nome porque lhes é funcional, a fim de serem aceitos e bem tratados pela burguesia, em função dos favores que prestam iludindo os trabalhadores com a possibilidade de humanizar o capitalismo.
Mas não defendemos uma internacional verticalizada e burocratizada, que pretenda dirigir os partidos membros com manuais de orientações padronizadas, como se os países fossem homogêneos e as revoluções um produto de exportação. Pensamos em uma articulação comunista internacional baseada na unidade de ação, com uma coordenação que facilite o intercâmbio de informações, as relações bilaterais e regionais, contribua para o debate e a formação política e ideológica, para o protagonismo e a unidade de ação do proletariado em âmbito mundial e a solidariedade internacionalista aos povos em luta. O ocaso do culto à personalidade e a não existência de um “partido guia” são fatores favoráveis a este projeto.
Esta articulação deve ser levada ao âmbito regional. Temos visto com bons olhos o recente encontro em Bruxelas, que reuniu trinta partidos comunistas (revolucionários) de vários países da Europa, incluindo o PCPE, e que criou uma alternativa ao reformismo do Partido da Esquerda Europeia (PEE) que, ao que sabemos, se articula com o Foro de São Paulo na perspectiva de uma internacional social-liberal. O PCB está disposto a colaborar, dentro de suas possibilidades, para a reprodução de uma iniciativa do gênero na América Latina
A luta contra o reformismo e o oportunismo é a principal batalha dos revolucionários na atualidade.
Unidad y Lucha: Há algo mais que gostaria de dizer aos nossos leitores?
Ivan Pinheiro: Algo mais sobre a América Latina, região que se destaca hoje no tabuleiro da correlação de forças mundial.
Mais além da necessidade de reforçar nossa solidariedade à heróica Revolução Cubana, aos processos da Bolívia e Equador e a resistência dos povos, a ação dos internacionalistas deve concentrar-se hoje na luta de classes que se desenvolve na Colômbia e Venezuela. O futuro da América Latina está sendo jogado nestes dos países de povos irmãos, com repercussões mundiais.
Na Venezuela, segue a ofensiva da direita, valendo-se da ausência física do Comandante Hugo Chávez, do resultado modesto na vitória legítima de Nicolás Maduro e, principalmente, das limitações da chamada revolução bolivariana. Uma revolução que não avança, que não consegue ir destruindo as estruturas do estado burguês, expropriar as oligarquias e construir o poder popular, corre o risco de ser derrotada. Ante o impasse político, se aproxima o momento do ajuste de contas. Ali não há possibilidade de conciliação, de pactos de elites.
A derrota do povo venezuelano pela oligarquia e o imperialismo impactaria negativamente na Mesa de Diálogos de Havana. Do mesmo modo, a frustração destes diálogos, além de fragilizar e ameaçar o potente e unitário movimento de massas colombiano, também influiria negativamente na Venezuela.
É necessário reforçar nossa solidariedade ao Presidente Maduro, ao Partido Comunista de Venezuela e ao proletariado venezuelano, este ator decisivo para garantir o desbloqueio do processo bolivariano e o seu necessário avanço ao socialismo.
O êxito da Mesa de Diálogo de Havana não é um problema só dos colombianos, mas de todos os povos da América Latina e do mundo. É necessário desmontar o projeto imperialista que atribui à Colômbia o papel que Israel tem no Oriente Médio.
Se os diálogos prosperam, poderá haver no país um clima favorável para as lutas pelas demandas populares, mas não uma “paz social”, porque a luta de classes não se acaba. Se frustrarem-se os diálogos, pode se repetir na Colômbia outra fase de extrema violência contra o povo e suas organizações, uma marca da história do estado terrorista colombiano.
A oligarquia colombiana quer uma paz dos cemitérios, rápida, sem custos, para criar um ambiente favorável ao desenvolvimento capitalista. Ajuda a desestabilizar a Venezuela para tentar impor um acordo rebaixado à insurgência. Não nos enganemos com o “pacifismo” da oligarquia e do imperialismo que a dirige. Só recorreram ao diálogo porque sua guerra contra a insurgência fracassou, apesar de todos os imensos recursos militares e financeiros investidos no Plano Colômbia, dos paramilitares, das bases estadunidenses, da assessoria da CIA e da Mossad.
Por outro lado, os interesses do povo colombiano e das guerrilhas, que se fundem na mesa de diálogo, são por uma solução política com justiça social e econômica, consolidada através de uma Assembleia Constituinte soberana, com amplia participação popular.
O PCB se solidariza com as guerrilhas, o Partido Comunista Colombiano e as organizações de massas. Neste momento, é decisiva a solidariedade à Delegação das FARC em Havana e à Marcha Patriótica (um movimento plural e unitário, que congrega milhares de organizações políticas e sociais), de cujo desenvolvimento depende em grande medida a continuidade e a viabilidade das negociações.
Finalmente, deixamos aqui uma saudação fraterna e revolucionária ao PCPE (Partido Comunista dos Povos da Espanha), com o qual compartilhamos a ousadia de contribuir para que um dia o comunismo prevaleça no mundo, colocando fim à exploração, à opressão, às guerras imperialistas, à fome e à miséria.
Unidad y Lucha: Muito obrigado, camarada.
(*) Ivan Pinheiro é Secretário Geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB)
O original encontra-se em www.unidadylucha.es/… .