Copa para quem?
(Nota do PCB)
A Copa do Mundo de 2014 trará um saldo negativo e amargo para o povo brasileiro. Antes, durante e depois dela, ficará claro que se trata de um grande evento empresarial, com o objetivo principal de beneficiar o capital nacional e internacional que lucrará muito com o empreendimento, promovido pela multinacional FIFA e pelos grandes monopólios patrocinadores da competição.
Aquela Copa do Mundo que deixava à flor da pele a paixão dos brasileiros pelo futebol e os unia pela “seleção canarinho”, não existe mais. Foi sequestrada, como mercadoria de luxo, por uma bilionária campanha midiática, empresarial e comercial, onde o que menos importa é esse esporte de massas e o encantamento popular que ele um dia motivou. O capitalismo transforma em mercadoria tudo que lhe possa dar lucro.
O que importa são os negócios, os lucros, o legado para os capitalistas, para a valorização dos jogadores de prestígio, mercadorias caras, algumas fabricadas, no milionário mercado mundial de jogadores de futebol. A Copa hoje não passa de uma feira de luxo, uma vitrine para compra e venda de “produtos” milionários.
Não veremos mais os Garrinchas, com suas pernas tortas, sua simplicidade, fiel à sua camisa, à cidade onde nasceu, amigo de seus amigos. Cada vez mais veremos mercadorias produzidas por seus empresários e marqueteiros. Os jogadores de primeira linha, alguns descobertos nos campos suburbanos, viraram produto de exportação. Só os vemos nos campeonatos europeus, com a camisa dos times que os compraram ou alugaram.
Veremos nesta Copa africanos comprados e tornados cidadãos de países europeus, raros negros aceitos em países de maioria racista. Pelo menos, enquanto são jovens e “produtivos”.
As massas populares, que têm ido e que irão às ruas contra esta Copa dos ricos, não o farão contra o evento esportivo em si, mas contra seus sequestradores, que o descaracterizaram em benefício exclusivo de seus vultosos lucros e só se preocupam com quem pode pagar os caros ingressos. As arquibancadas hoje tem um perfil de brancos, bem vestidos e educados. Não importa que entendam ou gostem de futebol, mas que possam comprar os ingressos, estacionar seus carros, consumir.
Roubaram nossos estádios, onde os proletários e a classe média confraternizavam, nas arquibancadas e gerais, unidos pelo amor ao time do coração. Roubaram nossa alegria, nosso convívio, numeraram e privatizaram nossos lugares nos estádios! Resta ao povo assistir alguns poucos jogos na televisão aberta.
Antes da Copa, o governo, atualmente dirigido pela FIFA, já editou uma portaria das Forças Armadas, para reprimir os movimentos populares, considerando-os como “inimigos” da nação, lembrando os atos institucionais, exatamente aos 50 anos do fim da ditadura.
A portaria fortalece o clima de terror estatal já criado com a famigerada lei da copa, aprovada pelo governo e pelos partidos da ordem, inclusive alguns que se dizem de esquerda. Tudo isso, aliás, é administrado e legitimado por um Ministério dos Esportes dirigido por um partido que se diz comunista, retribuído pela burguesia para funcionalmente simular a unidade entre o capital e o trabalho.
Todo este aparato, para a garantia “da lei e da ordem”, está sendo montado para a viabilização dos jogos da Copa e para mostrar ao mundo que o Brasil tem um capitalismo “inclusivo”, onde todos ganham, sem contradições de classe e sem manifestações contra o governo e o sistema, constituindo-se num bom e seguro destino para turistas e investimentos estrangeiros.
Esta máquina repressiva, que conta com um enorme contingente policial cada vez mais letal e militarizado e agora com dezenas de milhares de tropas e equipamentos das Forças Armadas – todos preparados para uma guerra contra os inimigos da “pátria de chuteiras” – não está sendo montada apenas para a Copa, mas para além dela. Com as lutas populares se acirrando em todo o país, este aparato vem para ficar, para radicalizar uma política de criminalização da pobreza, dos movimentos e lutas populares.
A Portaria do Ministério da Defesa, que estabelece as “Operações de Garantia da Lei e da Ordem”, iguala os manifestantes a “membros de quadrilhas” e tipifica como ações de “grupos oponentes” a serem reprimidas, desde o fechamento de vias públicas a greves e paralisação de setores produtivos e serviços públicos. Sob o pretexto de garantia dos grandes eventos esportivos, suspende-se o direito de manifestação, de organização, de greve. É a volta da doutrina da Segurança Nacional. A lei da Fifa suspende as garantias individuais e os direitos fundamentais da própria Constituição Federal.
Em várias cidades-sede, dezenas de milhares de famílias foram arbitrariamente removidas de suas casas, para abrir espaço para a especulação imobiliária, estádios e aeroportos privatizados, tudo a toque de caixa. Abriram-se pontes e estradas para a mobilidade dos turistas, não do povo trabalhador. Os governos federal e estaduais estão gastando uma fortuna em obras e outras despesas para a Copa; os mesmos governos que não aplicam em saúde e educação. Os constantes superfaturamentos das obras indicam desperdício de dinheiro público e sinalizam corrupção.
O caso do Rio de Janeiro é mais dramático, pelo fato de sediar as Olimpíadas, dois anos depois da Copa, e porque é uma cidade em que as diferenças sociais provocadas pelo capitalismo são muito nítidas.
As UPPs foram implantadas criteriosamente no caminho por onde passarão os turistas e acontecerão os eventos. Com elas, chegaram policiais cada vez mais violentos e militarizados, mas não postos de saúde, escolas, creches. É um extermínio de pobres, principalmente negros. Não há um dia sem que um morador de favelas seja assassinado pela polícia. A médio e longo prazos, o projeto UPP é para expulsar os atuais moradores das comunidades pobres, sobretudo de regiões com boa localização, para a expansão da especulação imobiliária. Em muitos morros, condomínios de luxo substituirão os casebres. Depois da Copa, o Rio de Janeiro será governado pelo COI (Comitê Olímpico Internacional). Independente de quem for eleito governador, a violência policial tende a aumentar cada vez mais. Não existe “cassetete democrático”.
Quase a metade da população brasileira está contrariada com a Copa e, mesmo com apelos patrioteiros na televisão, não há clima de alegria e de euforia como em outras Copas, mesmo realizadas no exterior, quando os moradores decoravam seus locais de moradia com as cores nacionais.
Durante a Copa, o povo que frequenta os estádios não vai poder chegar nem perto deles, nem mesmo dos bares próximos. Um perímetro de 2 km no entorno dos estádios será considerado “local oficial de competição”, onde só os patrocinadores poderão vender seus produtos; os ambulantes serão reprimidos. Em Salvador, as tradicionais baianas não poderão vender o acarajé, um de nossos maiores patrimônios culturais. Em todos os Estados, os torcedores serão majoritariamente brancos, da classe média alta para cima.
O governo, a FIFA e a burguesia sabem que vai haver muito protesto, por todas as demandas que ocasionaram as revoltas que começaram em junho do ano passado, potencializadas agora com o fato de a Copa ter tirado do povo uma de suas maiores alegrias, frequentar estádios de futebol quando os preços eram acessíveis. Este fato marcará com muita nitidez o que é o capitalismo: tudo para poucos, nada para muitos.
Esta repressão tenta desmobilizar, pelo terrorismo de estado, os movimentos populares e trabalhistas. Contudo, as lutas se intensificam, as greves espalham-se em várias categorias, ignorando o medo, a repressão e até mesmo as direções cooptadas e pelegas, como vimos nas greves dos garis no Rio de Janeiro durante o carnaval e nas greves e paralisações dos trabalhadores do COMPERJ, e rodoviários no Rio. Outras categorias se mobilizam, defendem seus direitos e avanços para os trabalhadores, como as greves dos servidores públicos e profissionais de educação.
Os setores em luta devem unificar suas bandeiras, suas palavras de ordem, suas mobilizações, o diálogo entre os movimentos sociais, sindicais, populares, estudantis, partidos do campo socialista e comunistas, movimentos anarquistas e autonomistas precisam unificar a resistência para possibilitar a ofensiva dos trabalhadores. As manifestações também continuarão e se ampliarão: o povo brasileiro está aprendendo a lutar e perdendo o medo da repressão. Não há um dia em que não haja uma revolta popular em alguma localidade, sempre em reação a alguma violência ou injustiça contra a população. E sempre com razão. A luta de classes ficará cada vez mais nítida.
Definitivamente, essa copa não é nossa!
Mas a copa passa, e a luta continua!
PCB – Partido Comunista Brasileiro
Comissão Política Nacional