União Europeia planeja mais sanções contra a Rússia
GUERRA NA UCRÃNIA — Rebeldes reconquistam aeroporto de Lugansk, obrigando os batalhões do exército ucraniano a se retirar. Depois de Donetsk, essa é a quarta “retirada estratégica” que os generais de Kiev ordenam a suas tropas para não ficarem cercadas pelos rebeldes
Achille Lollo de Roma (Itália)
Diante dos insucessos políticos do novo presidente ucraniano Petro Poroshenko, que se viu obrigado a licenciar o governo chefiado pelo então primeiro-ministro direitista Arseny Yatsenyuk e a proclamar eleições extraordi-nárias para o próximo dia 25 de outubro e devido também à incapacidade tática e operativa do exército ucraniano em derrotar os rebeldes da autoproclamada República da Novarossia, as excelências “ocultas” da Casa Branca decidiram acirrar as medidas que os EUA e, sobretudo, os 28 países da União Europeia (UE) deveriam aplicar contra a Rússia com novas sanções.
Nesse âmbito, o presidente dos EUA, Barack Obama, anunciou aos jornalistas que os aliados europeus deveriam endurecer as sanções contra a Rússia atingindo, sobretudo, as instituições financeiras e os grandes grupos que apoiam o presidente Putin.
Em segundo lugar, Obama pretendia que fosse votada na reunião dos primeiros-ministros dos 28 países da UE uma moção em favor do rearmamento da Ucrânia, tal como foi feito em favor dos curdos no Iraque.
Em terceiro lugar, os falcões da Casa Branca queriam que o Comando Geral da Otan preparasse uma força-tarefa de 10 mil soldados – todos originários dos países da Europa do norte – com o objetivo estratégico de estacionar ao longo das regiões fronteiriças “potencialmente ameaçadas pela Rússia”.
O arrogante pronunciamento de Obama, na realidade, fez lembrar os discursos do presidente francês Giscard D’Estaing no auge do chamado “neocolonialismo”, isto é, quando todas as decisões políticas, econômicas, diplomáticas e militares das antigas colônias africanas, oficialmente independentes, eram tomadas em Paris por meia dúzia de ministros do governo francês. De fato, não há dúvida de que, hoje, os Estados Unidos acreditam que podem dominar em termos político e militar a UE, mantendo relações privilegiadas com os principais países economicamente mais ricos (Alemanha, França, Grã Bretanha, Bélgica, Holanda e Suécia) e ter uma “corte” de países virtualmente submetidos que sempre dizem sim aos chamados dos EUA por conta da dependência financeira.
Desse grupo, os mais servis são: Polônia, Romênia, Lituânia, Estônia, Letônia, Dinamarca, Portugal, Itália e Grécia
Alemanha discorda
Entretanto, algo aconteceu em Bruxelas, na reunião do dia 1º de setembro, já que até países “servis”, como a Itália, por exemplo, rejeitaram o “diktat” da Casa Branca, apoiando a posição intermediária da primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, que, de fato, desestruturou o plano das “excelências” da Casa Branca.
O posicionamento político de Merkel, na realidade, não é de oposição aos EUA. Porém, no atual contexto a Alemanha pretende reconquistar certos parâmetros de autonomia política e de decisão que a UE perdeu desde a invasão da Líbia, em 2011. De fato, com a explosão da crise na Síria, a UE, praticamente, ficou a reboque das decisões da Casa Branca.
Em segundo lugar, Merkel acredita que, ao acirrar as relações políticas com a Rússia, o grande perdedor, em termos econômicos e financeiros, seriam a indústria e os bancos alemães que, na realidade, são os grandes parceiros europeus da Rússia. Uma relação que influencia o PIB alemão em 12,5% e que o primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, sublinhou lembrando que ao endurecer o relacionamento financeiro e comercial com a Rússia, certamente, ocorrerá uma resposta desse país no setor energético, tal como aconteceu no mês de julho,
quando o governo russo, em represália às sanções dos EUA, suspendeu todas as importações dos produtos agro-alimentares europeus. Na prática, a Casa Branca fez voz grossa, mas quem sofreu as consequências foram os produtores agrícolas europeus que perderam contratos no valor de quase 4 bilhões de euros.
Renzi, que na reunião exercia a função de presidente dos países da União Europeia, lembrou que no “dossiê” da Ucrânia a questão do pagamento atrasado do fornecimento do gás por parte da Rússia – avaliado em quase 13 bilhões de dólares – ainda permanece sem resposta por parte do novo governo da Ucrânia e da mesma UE.
“Afinal quem vai pagar essa dívida quando a Ucrânia for membro efetivo da União Europeia, tendo em conta que a Rússia já ameaçou cortar o fornecimento, atingindo assim 18 países da UE?”, questionou Renzi.
É claro que diante desse dilema, político e, sobretudo, financeiro ninguém teve a coragem de continuar a sustentar as posições da Casa Branca e foi nesse particular momento político que a posição de Merkel tornou-se majoritária, pedindo ao presidente da Rússia, Vladimir Putin, que finalize nos próximos sete dias, em Minsk, as negociações com o presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko – negociações que, além de estabelecer um permanente cessar-fogo, devem providenciar uma geral desmilitarização na Ucrânia Oriental, sobretudo, ao longo das fronteiras com a Rússia.
Além disso, Merkel conseguiu convencer a maioria dos primeiros-ministros europeus que o envio de armas à Ucrânia significava que a União Europeia estaria apostando em uma solução militar que ninguém decidiu e, sobretudo, ninguém votou e, por isso, deveria ser rejeitada – uma posição que Obama, bem como todo o staff do Departamento de Estado não esperavam de Merkel, que, desta forma, se vingou da espionagem que o pessoal da NSA/CIA havia montado em Berlin e em Bonn para conhecer com antecedência o que ela decidia.
A posição da Rússia
O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serghey Lavrov, logo após a reunião, durante conferência de imprensa em Moscou, argumentou que a Rússia não tem a mínima idéia e, também, não tem vontade de invadir a Ucrânia, como também não aposta na solução militar.
“Nós acreditamos que ainda é tempo de realizar uma negociação séria sobre o futuro daquela região e, assim, restabelecer a paz.” Porém, se por um lado o ministro Lavrov foi enfático em aceitar o diálogo proposto por Merkel, por outro, proferiu um alerta explícito contra as provocações do secretário-geral da Otan, Anders Fogh Rasmussen, notoriamente porta-voz dos generais dos EUA. A esse propósito o ministro das relações exteriores da Rússia qualificou como autêntica provocação a criação de uma força-tarefa especial, com comandos e aquartelamentos deslocados ao longo das fronteiras com a Rússia, achando que essa seria uma forma de garantir a segurança dos países membros da Otan. Deixando no ar a pergunta: “E a segurança da Rússia, quem a garante?”
Mais contundente foi a entrevista de Putin sobre as próximas negociações em Minsk com o homólogo ucraniano Petro Poroshenko. De fato, ninguém pode negar que a situação no Leste da Ucrânia atingiu níveis de conflitualidade incontroláveis que dificilmente podem ser apagados com simples eleições, inclusive por culpa do exército ucraniano que praticou uma efetiva limpeza étnica, provocando a fuga de quase 470 mil ucranianos para a Rússia e mais de 270 mil em direção a outras cidades do centro do país.
É evidente que o apoio popular e, sobretudo, os sucessos militares que os milicianos das duas repúblicas populares (Lugansk, Donetsk), depois unificadas na República de Novarossia, jogam um papel preponderante nas negociações, já que a Ucrânia está praticamente dividida em três grandes setores regionais, dos quais apenas o menor apoia a política de limpeza étnica praticada pelo então primeiro-ministro direitista Arseny Yatsenyuk.
Nesse contexto, a formação da chamada República de Novarossia seria a solução ideal, inclusive porque é neste território que deve transitar o novo megagasoduto South Stream, com o qual a Rússia pretende exportar gás para os países europeus sem ter de atravessar as regiões da Ucrânia do Norte.
É evidente que o presidente ucraniano não poderá aceitar logo essa condição, já que o futuro financeiro da Ucrânia depende da boa vontade do FMI e do BCE europeu enquanto a Ucrânia ainda não ingressou oficialmente na União Européia. Além disso, os compromissos geoestratégicos que o governo transitório e depois o do direitista Yatsenyuk assumiram com os EUA e com a Otan não podem ser cancelados de imediato. Será necessário criar as condições para que a eventual separação da Ucrânia Oriental seja institucionalmente válida e reconhecida pelos parceiros políticos do governo do presidente Petro Poroshenko, isto é, a União Europeia e os Estados Unidos.
O grande problema disso tudo é que os rebeldes da República de Novarossia não estão dispostos a esperar muito tempo para uma definição negociada. Por outro lado, a maior parte dos membros do governo russo, em particular o presidente Putin, acham que na Casa Branca e na Otan hoje se diz uma coisa e o dia seguinte se opta por outra, que contraria tudo o que foi já decidido.
A demonstração disso tudo ficará evidente na próxima reunião da Otan em Cardiff, onde a agenda do debate e das decisões que deverão ser tomadas é, praticamente, o contrário do que foi decidido na última reunião dos 28 primeiros-ministros dos países da União Europeia..
De fato, a eventual aprovação do Plano de Intervenção Rápida (Readiness Action Plan, em inglês) é o capítulo que a Rússia considera uma mera provocação à sua segurança visto que seu relator, Anders Fogh Rasmussen, afirma que o mesmo deve assegurar que a Aliança Atlântica, Otan, esteja sempre preparada e capacitada para defender todos os seus aliados contra qualquer tipo de ataque. Pois, não é preciso ser um estrategista de profissão para entender que, hoje, o inimigo potencial da Otan é a Rússia.
Em poucas palavras, o que, hoje, o secretário-geral da Otan afirma é o mesmo que se dizia na década de 1980, quando a Guerra Fria e as medidas estratégicas da Otan e, sobretudo, dos EUA contra a URSS chegaram a ameaçar uma guerra nuclear.
Achille Lollo é jornalista italiano, correspondente do Brasil de Fato na Itália e editor do programa TV “Quadrante Informativo”.