Greve geral na Itália: o governo do PD contra os trabalhadores
BDF-616 – Edição de 18 a 24 de dezembro de 2014 – Itália Pág 16 – Internacional
LUTA SINDICAL – No dia 12 de dezembro, 60% dos trabalhadores italianos cruzaram os braços. Mais de 1,5 milhão de pessoas participaram das 54 manifestações da greve geral promovida pela CGIL, UIL e FIOM.
Achille Lollo de Roma (Itália) — Na Itália, o dia 12 de dezembro tem um significado particular, porque foi nesse dia que, em 1969, os serviços secretos e a direita maçônica monitoraram os grupos neofascistas para fazer explodir a “Estratégia da Tensão”, primeiro degrau para provocar a intervenção golpista das Forças Armadas e enclausurar a esquerda e, sobretudo, o movimento sindical na ordem direitista da Otan.
Por isso, os secretários confederais Susanna Camusso, da CGIL, e Carmelo Barbagallo, da UIL, juntamente a Maurizio Landini, secretário geral da Federação dos Metalúrgicos (FIOM/CGIL), decidiram que a greve geral de 24 horas deveria ser realizada no dia 12, para juntar o simbolismo político da luta contra o golpismo e o neofascismo, com a posição firme dos trabalhadores contra a nova Lei do Trabalho (Jobs Act), que ataca frontalmente o artigo primeiro da Constituição, segundo o qual “a Itália é uma república fundada no trabalho”.
1,5 milhão nas ruas
Esta greve geral – a primeira a ser realizada desde 2006 contra um governo que diz ser de centro-esquerda – realizou 54 manifestações nas principais cidades italianas, juntando trabalhadores, estudantes, aposentados, desempregados, imigrantes e os movimentos sociais. Uma realidade política evidente que demonstra a ruptura de Matteo Renzi com as bases do PD, que, dessa forma, não controla mais a principal confederação sindical, a CGIL, e a combativa federação dos metalúrgicos, a FIOM. Isso significa que daqui por diante o PD de Renzi não poderá mais garantir ao mercado a necessária “paz social”.
Após esta greve, que foi caracterizada por enfrentamentos entre os batalhões de choque da polícia e os movimentos sociais em Roma, Bolonha, Torino e Milão tornou-se evidente as rupturas entre o governo e os sindicatos e também entre o PD e os trabalhadores em geral. Isto porque os deputados e senadores da chamada “Esquerda do PD” e da “Tendência Minoritária” mudaram seu posicionamento político ao votarem a nova Lei do Trabalho como Matteo Renzi exigiu.
Infelizmente, os parlamentares dissidentes do PD se esqueceram do blá blá blá dos opositores e votaram o Jobs Act, para respaldar o novo grupo dirigente do PD. Porém, é preciso lembrar que antes dessa votação, Renzi foi muito claro ao dizer aos deputados e senadores “dissidentes” que nas próximas eleições deveriam procurar outro partido – uma chantagem política e emocional que pesou bastante na consciência e, sobretudo, no bolso da maioria dos parlamentares do PD.
Dilema
Para muitos deles se apresentou o dilema: o que vou fazer sem o rico salário de parlamentar? Posso renunciar a poderosa estrutura eleitoral do aparelho partidário do PD e renunciar a possibilidade de ser reeleito? Posso desistir dos benefícios materiais que o Parlamento proporciona, sobretudo agora que o PD está no governo, além de dirigir as principais regiões e prefeituras?
É claro que a maior parte dos parlamentares do PD, para segurar sua cadeira no Parlamento, preferiu baixar a cabeça ao “diktat” de Renzi.
Na realidade, somente o pequeno grupo de senadores “dissidentes” do PD, ligados ao ex- diretor do noticiário de TV RAINEWS, Corradino Minneo, votou contra e mais três deputados dissidentes que optaram não comparecer no dia da votação. Um comportamento que deu um basta às polêmicas sobre a expulsão dos dissidentes e a consequente formação de um novo partido sob a direção de Massimo D’Alema. Aliás, o mesmo, no dia da greve geral, em Bari, foi vaiado e chamado de “vendido”.
Um contexto que a grande mídia, e em particular o jornal La Repubblica, acompanhou com manchetes cubitais, dando sempre respalda a Renzi, que se aproveitou disso para desafiar com muita arrogância as lideranças sindicais, apesar dessas terem pedido um encontro com o governo para tentar rever a nova Lei do Trabalho.
A resposta do governo veio logo para demonstrar aos sindicatos que não temia a greve geral. Por isso, o ministro do Interior, Angelino Alfano, ordenou aos diretores da polícia de choque reprimirem “qualquer manifestação não autorizada”. Assim, na semana que antecedeu a greve geral houve uma desagradável encenação do “poder policial” contra os piquetes de operários que, em Roma, Terni, Bolonha, Nápoles e Turim protestavam pelo fechamento de suas fábricas.
Nesse contexto, Alfano ordenou a retirada dos batalhões de choque das ruas somente quando o secretário-geral da FIOM-CGIL, Maurizio Landini, ameaçou ocupar a capital com os metalúrgicos para interrogar e chamar a responsabilidade do governo – ao participar em um desses piquetes e, portanto, ter presenciado os violentos espancamentos com cassetetes e os ataques com canhões de água e bombas de gás lacrimogêneo.
De novo os metalúrgicos?
A greve geral foi saudada por três lideranças sindicais: Susanna Camusso, da CGIL; Carmelo Barbagallo, da UIL; e Maurizio Landini, da FIOM/CGIL. Porém, foi Landini quem mais se destacou na semana que antecedeu a greve geral e depois na grande manifestação de Roma. Uma ousadia e uma determinação política que tem tudo a ver com a história da federação dos metalúrgicos e a formação política de Landini, que aos 15 anos, começou a trabalhar como soldador em uma “cooperativa vermelha”, sendo já militante da juventude do PCI e filiado à FIOM/CGIL.
De fato, as temáticas de Camusso e de Barbagallo foram muito “light”, não arriscando o enfrentamento político com o governo, para deixar aberta uma porta a eventuais negociações. Praticamente, debaixo dos tons e de certas frases proferidas com alterações verbais para acalmar a massa de operários, estudantes, aposentados, desempregados e, sobretudo, mulheres não havia uma específica vontade política de brigar com o governo, tal como aconteceu em 2002 contra Berlusconi.
O problema é que Camusso e Barbagallo fizeram lindas intervenções, cheias de corados adjetivos e de críticas ao governo só porque, naquele momento, sentiram-se obrigados a fazê-las, pois, caso contrário, todo o comando político da greve geral passaria às mãos dos metalúrgicos da FIOM/CGIL, liderados por Landini, que, por sua vez, sempre manifestou posições de esquerda.
Não podemos esquecer que esta greve geral vem depois de anos e anos de conciliadora “concertación” por parte das direções da CGIL e da UIL que, para tentar salvar a histórica aliança com a CISL e, portanto, manter a chamada “unidade nas lutas”, na realidade, limitaram a defesa dos trabalhadores aos mínimos termos. Tanto é que hoje, na Itália, o nível do desemprego atingiu 13%, também em função do “espírito conciliador com os empresários” dessas três confederações.
Por isso tudo, os metalúrgicos – que foram os mais atacados com o “contrato FIAT” e com a desmobilização das fábricas para o exterior – voltaram a assumir no movimento sindical um papel dirigente preponderante. De fato, não podemos esquecer que o Estatuto dos Trabalhadores – que agora o PD de Matteo Renzi acabou de desmontar – foi uma das grandes conquistas que os metalúrgicos e a FIOM/CGIL lograram em 1970, após dois anos de duríssimas lutas e enfrentamentos contra os governos da Democracia Cristã.
“Essa luta ainda não acabou”, diz Maurizio Landini
Brasil de Fato — Como você avalia essa greve geral que mobilizou nas ruas mais de 1,5 milhão de pessoas?
Maurizio Landini: “…Essa é uma resposta, sobretudo, para aqueles que não acreditavam no sucesso da greve e para aqueles que não queriam um enfrentamento com o governo por ser um governo do Partido Democrático. Na realidade, o sucesso da greve geral foi muito importante porque demonstra que somente com a luta é possível representar os interesses dos trabalhadores e melhorar as condições de trabalho, reivindicando um sistema de aposentadoria mais justo e com a redução da idade para se aposentar, reivindicando, também, o emprego para quem não o tem e, consequentemente, combater o trabalho precário e todas as formas nefastas de flexibilização. Essa greve geral serviu, portanto, para recolocar essas questões na ordem do dia. É uma batalha que começamos e que continuaremos a fazer juntos…”.
Brasil de Fato — Quando Matteo Renzi, estimulado pelo Banco Central Europeu e pela FIAT, de Marchionne, antecipou o projeto da nova Lei do Trabalho (Jobs Act) você logo assumiu uma posição crítica. Pode explicar os motivos?
Maurizio Landini: “…As normas que o governo colocou no Jobs Act são erradas e injustas. São normas que não servem para criar novos empregos, não enfrentam o problema dos trabalhadores precários, não resolvem outro grande problema que ó o desemprego juvenil. Tampouco ajudarão a Itália a sair da crise econômica que, na prática, enterrou o crescimento do país, por conta de gastos inúteis, da corrupção e das múltiplas ilegalidades no mundo do trabalho e no social.
Brasil de Fato — Por qual motivo a “grande mídia” limita a greve geral a um protesto contra a cassação do Art. 18?
Maurizio Landini: “…Na realidade, existe uma clara posição política de fechamento para dividir os trabalhadores e podê-los submeter a tudo. Com essa nova Lei do Trabalho, o governo optou pela redução dos direitos, após ter assumido as fórmulas de quem acha que os novos empregos se criam somente desempregando. Pois, essa gente esqueceu que o trabalho é a condição fundamental para os homens e as mulheres viverem e viverem com dignidade.
Brasil de Fato — A greve geral conclui um ciclo de mobilizações?
Maurizio Landini: “…Nada disso! Essa luta ainda não acabou. Com a votação no Parlamento do Jobs Act, nós continuaremos a lutar porque o governo deverá ainda implementar essa nova lei e em algum momento o governo deverá também decidir o rumo das opções da sua política econômica…”.
Achille Lollo é jornalista italiano, correspondente do Brasil de Fato na Itália e editor do programa TV “Quadrante Informativo”.