Por trás dos spots midiáticos de Renzi o programa neoliberal de sempre
Itália — Em maio, para ganhar as eleições e fazer com que operários com carteira assinada desistissem de votar no Movimento 5 Estrelas, o Partido Democrático, de Matteo Renzi, inventou uma “cesta básica” de R$ 250. Porém, em julho, os italianos descobriram que os impostos triplicaram
Achille Lollo de Roma (Itália) — LOGO APÓS as férias de verão – que a maioria dos italianos passou na própria residência por falta de dinheiro –, concluiu-se o primeiro semestre do governo de Matteo Renzi, que integra uma coalizão formada pelo “Partido Democrático” (PD, ex-PDS e ex-PCI) e três pequenos partidos de centro-direita: o “Novo Centro Direita” (NCD), que Angelino Alfano criou em novembro de 2013 após romper com Berlusconi e a ala pós-fascista de Forza Itália, os “Populares para a Itália-UDC” e a “Escolha Cívica”, que é a formação política do ex-primeiro-ministro Mario Monti.
Nesses primeiros 15 dias de setembro, o jornal independente Il Fatto Quotidiano publicou uma série de artigos que enfocavam as promessas do primeiro-ministro, Matteo Renzi, e as poucas perspectivas que o governo tinha para, de fato, realizar as reformas prometidas. Por isso, apenas o jornal do PD, Europa e o falimentar L’Unità – que em outros tempos foi o jornal do PCI criado por Antonio Gramsci –, hoje, exaltam o desempenho institu-cional do governo Renzi, justificando em mil maneiras o atraso e a inexistência no Parlamento de verdadeiras propostas de lei para votar as tão faladas reformas.
Um contexto que, de repente, se acendeu provocando a intervenção de todos os meios de informação italianos, logo após Renzi, ao participar no programa de TV Porta a Porta, inventar uma nova fórmula institucional para permanecer no cargo sem enfrentar novas eleições, ao dizer que precisa “de mais 1.000 dias para fazer as reformas”.
Diante desse fato, que é uma consequência das maquinações do lobby maçônico o qual Renzi pertence e à arro-
gância das excelências do mercado que monitoram grande parte dos ministros, o co-diretor do Il Fatto Quoti-diano, Marco Travaglio, escreveu três editorias que, na prática, desmascararam a identidade política do seu governo, demonstrando que o novo PD de Renzi, na prática, teria abandonado os ideais de centro-esquerda, para se tornar um partido de centro, potencialmente voltado a contrair alianças com os outros partidos de centro-direita e da própria direita de Berlusconi.
Não tendo o rabo preso, nem com o lobby da economia, nem com os “círculos das excelências da política” e tampouco com os serviços de inteligência, Marco Travaglio, ao participar no programa de TV Servizio Pubblico, sem meios termos declarou: “Agora acabou o festival das mentiras do governo Renzi. Depois de tantas palavras, de tantas metas a serem alcançadas, de tantos programas e propostas, enfim, depois de tanto blá blá blá, nenhuma reforma estrutural foi realizada e nenhuma medida séria foi tomada para retirar a economia italiana do pântano da crise, que é uma crise tipicamente italiana que explodiu devido a medidas impostas pela Alemanha e pela tríade, isto é, o FMI, o Banco Mundial e o Banco Central Europeu (BCE).
Reformas ou privatizações?
É bem verdade que, nos últimos 20 anos, todos os governos, os da direita, chefiados por Berlusconi, ou da centro-esquerda, liderados por Prodi ou D’Alema, nada fizeram em termos inovadores, permitindo que as instituições (governo nacional, governos regionais, juntas provinciais e governos municipais) se transfor-massem em autênticos bancos de ensaios para negócios ruins ou ilegais, por excesso de asneira ou de corrupção.
Um cenário que, já em 2008, quando explodiu a crise da bolha financeira, apresentava com muitas evidências todas as problemáticas que, hoje, estão empurrando o país cada vez mais em direção a uma recessão mais tenebrosa.
E por qual motivo Berlusconi, Prodi ou D’Alema nada fizeram para impedir o crescimento do desemprego? Por qual motivo nada foi feito para estabilizar a situação do débito público e em particular para reduzir os custos da política ou da máquina estatal?
A verdade é que, hoje como ontem, é o “poder” que impede e inviabiliza qualquer tipo de mudança institucional, sobretudo, as reformas que poderiam modificar a dependência que o Estado italiano tem com a tríade FMI. Banco Mundial e BCE, no âmbito financeiro, com a Alemanha/União Europeia, em termos de
planejamento da economia e com os Estados Unidos/Otan, no que diz respeito às questões geoestratégicas.
Digamos que a Itália, há 20 anos, vive em um status quo imperante que impediu ao próprio PD de ser um verdadeiro partido social-democrata, tornando-se, cada vez mais, um partido que renegou sua história e seus ideais, para convergir com mais rapidez e dinâmica ao centro, isto é, em direção do poder para ser aceitado pelo mercado para governar.
É evidente que o processo de transformação política que os partidos italianos, em particular o PD e o Força Itália, aceitaram e estimularam teve consequências trágicas, no sentido que o chamado “assenso político popular”, na realidade, desapareceu. Hoje, os partidos se movem seguindo as regras do marketing eleitoreiro para implementar programas de governo que, na realidade, foram definidos por diferentes “centros de excelên-
cias”. Nesses programas o imperativo são as fórmulas que os políticos devem implementar para garantir o “controle social” permitindo, assim, cada vez mais lucro a certos tipos de grupos empresariais e a estabilidade financeira para específicas camadas da sociedade.
Nesse sentido, as reformas sociais e econômicas são totalmente desvirtuadas e manipuladas. Por exemplo, a reforma do ensino universitário (Reforma Gelmini) não foi feita para incentivar a pesquisa nas universidades ou para elevar os níveis do ensino. Na realidade, essa reforma serviu para transformar as universidades públicas em “escolões”, retirando delas os estudantes-trabalhadores com a redução dos cursos universitários de cinco para três anos. Ao mesmo tempo era introduzido um seleto processo de “elitização” com os mestrados de
especialização, que se tornaram uma exclusividade das faculdades particulares.
Porém, os problemas mais graves da Itália estão nos setores que se relacionam com o desenvolvimento industrial que tem muito a ver com a ampliação do desemprego e com a saída do mercado do trabalho dos trabalhadores que estão na faixa etária entre 45 e 60 anos. Homens e mulheres que estão desempregados não por serem velhos, mas porque seus custos trabalhistas são maiores dos que os empresários pagam por um jovem de 20 anos, que trabalha com contratos flexibilizados ou até no mercado negro (sem contrato).
Diante disso tudo e com muita razão, Marco Travaglio denunciou que: “As reformas de Renzi viraram um sonho para os italianos, algo para não entrar no desespero. E foi com esse sonho que Renzi e os políticos do seu grupo, agora, pretendem continuar a seduzir seus eleitores”.
A denúncia de Travaglio, infelizmente, tem sentido visto que o governo Renzi não encontrou resistências na sociedade, tanto para propor a venda das últimas empresas públicas quanto para tentar anular o peso político de referendos populares que impeçam a privatização das empresas públicas de água.
Não há dúvida que nos próximos “1000 dias de Matteo Renzi” quase todas as empresas públicas serão vendidas para permitir ao governo fazer caixa, já que, no dia 30 de agosto, o primeiro-ministro assinou um decreto que veta ao funcionalismo público aumentos de salários, que desde 2007 permanecem congelados.
Um decreto que foi feito, simplesmente, por que o Ministro do Tesouro disse que “os aumentos salariais do funcionalismo inviabilizam as metas e os custos fixados pelo governo no orçamento de 2015 e assim por diante”. Quer dizer, a Itália está a um passo da bancarrota!
Um PD neoliberal?
Durante a presidência de Pierluigi Bersani e antes dele de Massimo D’Alema e Walter Veltroni sempre houve uma luta no seio do PD, em que a parte majoritária do partido pretendia adequar à lógica social-democrata a nova realidade do país, enquanto uma acirrada minoria queria fazer o salto para frente cortando o passado de esquerda para assumir o neoliberalismo, tal como fez Tony Blair.
A pressão eleitoral da direita e do próprio Berlusconi, na realidade, impediram que no seio do PD se chegasse a um verdadeiro debate sobre o futuro do partido. Por isso, a falsa unidade partidária do PD e a degeneração da própria história política geraram no seio do partido uma série de contradições que, em 2012, foram sabiamente recolhidas por novos grupos políticos que nunca se identificaram com a história do antigo PCI ou com a política
da social-democracia.
Eram os grupos “progressistas” da Democracia Cristã, que, após o desmantelamento desse partido em 1999, haviam encontrado no PD uma nova “igreja política onde organizar seu futuro político”.
Renzi, os ministros de seu governo e os membros do novo secretariado do PD, bem como os principais dirigentes regionais desse partido pertencem a esse novo fluxo que não vê nenhum problema em negociar com Berlusconi ou conviver com partidos de direita.
Por isso, muitos italianos, hoje, questionam o PD e o próprio primeiro-ministro querendo saber deles que futuro estão preparando para a Itália, já que o país está correndo o risco de ficar “comissariado” pela União Europeia e submergido por impostos e cortes orçamentários para cumprir com as metas financeiras fixadas em Bruxelas.
Porém, é necessário dizer que o sucesso de Matteo Renzi no seio do PD, finalmente, fez com que o Partido Democrata perdesse todas as ambiguidades e as fascinações que Massimo D’Alema e Walter Veltroni haviam perpetrado para não perder o voto do tradicional eleitorado de esquerda e, portanto, não alienar a simpatia das novas gerações que acreditaram na necessidade de transformar o PCI em PDS (Partido Democrata da Esquerda) e depois em simples Partido Democrata sem perder suas conotações de esquerda. Infelizmente, deu tudo errado.
Achille Lollo é jornalista italiano, correspondente do Brasil de Fato na Itália, editor do programa TV “Quadrante Informativo”.