A Itália Sob Ameaça de Bonapartização do Estado
A Itália, mergulhada numa profunda crise econômica e política entra, agora, em mais falso dilema. Explico, o secretário do Partido Democrático, que hoje governa o país, Matteo Renzi – líder de uma maioria de centro-direita que tomou o partido, constituindo uma tendência “pragmática” e tecnocrática – lançou um pomo da discórdia na política italiana, ao reunir-se com Silvio Berlusconi, líder do partido de extrema direita, Forza Italia, o segundo partido no parlamento, para articular um projeto de reforma eleitoral. Renzi fez tudo isso, passando por cima de Enrico Letta, do presidente do Conselho de Ministros (cargo equivalente a primeiro ministro) e do próprio presidente do PD, Gianni Cuperlo, que acabou pedindo demissão do cargo.
O grave nisso tudo, é que Berlusconi é um condenado da justiça e legalmente, está fora da vida política italiana. Renzi e seu grupo resolveram reabilitar um homem de larga tradição reacionária e em condição de reato.
Mais grave ainda é a própria proposta de reforma. Baseia-se nos dois maiores partidos que hegemonizam o parlamento (PD e FI) e deixa de fora o resto das organizações políticas, mesmo uma com grande representatividade como o Movimento 5 Estrelas (M5S), de Beppe Grillo, que nas últimas eleições obteve 25% dos votos. A proposta – que podemos definir como de centro-direita – objetiva criar uma lei eleitoral com diversas cláusulas de barreiras, do tipo, um partido que concorre sozinho às eleições deve obter 8% dos votos, ou ainda, uma coligação entre diversos partidos deve obter no mínimo 5% dos votos para eleger deputados. Além disso, a proposta de lei aponta para o unicameralismo e para a transformação do senado em órgão de representação da sociedade civil, sem poder de intervenção legislativa e com senadores honorários e sem salários.
Na prática, é um “golpe branco” que tem por objetivo neutralizar da vida política italiana os “pequenos partidos” como os três partidos comunistas e principalmente o M5S que não pode ser considerado pequeno. Mas o próprio M5S acaba por não buscar uma aliança ampla contra essa proposta de coloração bonapartista capitaneada por Renzi/Berlusconi. Em suas declarações, Grillo afirmou que a lei visava exclusivamente barrar o M5S que definiu como uma “variável enlouquecida” da política italiana. Obviamente, a leitura de Grillo e, consequentemente do M5S, é absolutamente autocentrada, e deixa de lado o caráter de golpe contra a sociedade e, principalmente, contra os trabalhadores, na perspectiva da bonapartização do Estado.
O projeto de lei eleitoral não é apenas um resultado de manobra política para isolar a esquerda. Isto é o pressuposto. O objetivo dessa reforma é o de criar as condições para que um sistema bipartidário, dentro do modelo anglo-saxão, possa aprofundar a ofensiva aos já combalidos direitos dos trabalhadores, rumo à precarização – a tal da desregulamentação implementada na Alemanha, hoje o maior país europeu com trabalhos altamente precarizados e mal remunerados.
Na crítica autocentrada de Grillo, nenhuma alternativa em relação à política do euro, nenhuma crítica à UE, silêncio sobre a OTAN. É o movimento pelo movimento, a crítica sem substância ou dizendo de outro modo, o denuncismo sem projeto. Grillo afirma que na Europa (leia-se, no Parlamento Europeu) o M5S andará sozinho, porque não encontra nenhuma alternativa que seja compatível com sua organização. Mas em sua afirmação, não menciona a Esquerda Europeia – um conjunto de partidos, incluindo-se ai, alguns “comunistas reformistas” – que atua no Parlamento Europeu em conluio com o projeto de uma União Europeia capitaneada pelo imperialismo, isto é, o capital financeiro e os monopólios. Grillo não menciona a progressiva e rápida pauperização e degradação dos trabalhadores italianos e europeus em geral, que sofrem a superexploração do trabalho e sobrevivem duramente com salários de fome.
Resta-nos aguardar o fortalecimento de uma esquerda antagonista que possa organizar e reunir os trabalhadores dentro de uma plataforma que rejeite a política suicida do euro e as imposições militaristas estadunidenses a partir da OTAN. O grupo de PCs que organizou uma plataforma de esquerda antagonista, formado pelo PC grego (KKE), PCPE e Polo de Renascimento Comunista Francês, dentre outros, apresentam uma proposta de combate à União Européia e à OTAM e propõem como alternativa de lutas a centralidade do trabalho e um projeto de unidade europeia sob a hegemonia dos trabalhadores, sob a ótica socialista e revolucionária.
Apostamos no projeto de alternativa socialista e revolucionária dos camaradas ….
*Antonio Carlos Mazzeo é membro do Comitê Central do PCB