Golpe institucional na Itália: BCE impõe re-eleição de Napolitano e “Governissimo” com Berlusconi
Depois de dois meses das eleições e no meio de uma dura recessão, os italianos descobriram que o futuro institucional do país havia sido definido em Bruxelas pelos “técnicos” do BCE e seus “consultores “ das agências de rating e dos grandes bancos europeus, com vistas a chegarem à formação de um governo “de entendimento nacional” (formado pelo centro-esquerda e a direita) e a eleição de um presidente capaz de garantir a implementação da agenda financeira da Tríade (FMI, BCE e BM).
Achille Lollo (ROMA) — Durante 55 dias o secretário geral do Partido Democrático (PD), Piergiorgio Bersani conseguiu enrolar os italianos dando inúmeras entrevistas para explicar que estava negociando a formação de “um governo responsável”, apesar de não dizer que ele e o presidente Giorgio Napolitano haviam vetado a formação de um “governo programático” com o Movimento 5 Estrelas e assim realizar as oito principais reformas institucionais e econômicas desejadas pelos italianos (reforma eleitoral, redução dos custos parlamentares, pagamento das dividas do Estado, Regiões e Municípios com as empresas, respeito ao referendum contra a privatização da água, introdução de um salário mínimo para todos os desempregados, rejeição da participação em guerras impostas pela OTAN, respeito da lei a inelegibilidade dos parlamentares suspeitos de corrupção e ligações com a máfia, aplicação da lei sobre o conflito de interesses que impediria a Berlusconi de usar a imunidade parlamentar para não ser condenado pela justiça).
Propostas de lei que mereciam a simpatia de uma parte do PD, de alguns setores de liberais independentes e do principal partido da coalizão de centro-esquerda (SEL – Socialismo, Ecologia e Liberdade) do momento que com um governo desse tipo era possível realizar as principais reformas políticas que haviam engessado, durante quase vinte anos, as instituições da Segunda Republica e feito fracassar a economia de um país inteiro, que hoje, sofre com uma dívida pública de 127% do PIB, um crescimento negativo de -0,5%, enquanto o desemprego atinge quase 27% da força de trabalho ativa.
Na realidade, um governo “progressista” – formado unicamente pelos partidos da coalizão de centro-esquerda liderada pelo PD e os parlamentares do Movimento 5 Estrelas – enfureceu não só a direita e os falidos banqueiros italianos, mas, sobretudo, a classe política européia que, após o susto sofrido com o possível rompimento do status quo em Portugal, Espanha e, sobretudo na Grécia, não queria que a Itália desse novas lições de rupturas institucionais. Por isso, a solução desenhada pelos estrategistas do BCE foi montar com a mídia um cenário político apto a silenciar o voto de protesto dessas eleições, enquanto as lideranças dos partidos ligados à lógica de mercado fomentavam em suas bases o restabelecimento da “ordem européia”.
Suicídio político do PD
Antes de analisar a formação do “Governissimo” com Bersani (PD), Berlusconi (PdL) e Mario Monti (CC), é necessário dizer que em função da burlesca atuação política do grupo dirigente do PD e, sobretudo, do triste papel recitado pelo seu secretário geral, Piergiorgio Bersani, o Partido Democrático, praticamente implodiu, tanto que a Direção nacional “se demitiu” logo após a fração majoritária liderada por Massimo D’Alema usar o voto secreto para impedir que Romano Prodi, fosse eleito novo presidente da República. É imperativo dizer que Romano Prodi, além de ter sido duas vezes primeiro ministro liderando a coalizão do PD com Rifondazione Comunista, é, também, um dos fundadores do próprio Partido Democrático. Portanto teria sido o candidato ideal para suceder a Giorgio Napolitano se não fosse inimigo jurado de Berlusconi e não tanto disposto a engolir as diretivas recessivas da BCE.
Prodi era, de fato, um candidato que, potencialmente podia criar uma nova área de renovação institucional e com sua experiência na política européia e internacional, certamente, teria impedido que o “dicktat” dos banqueiros da Alemanha, França e Grã Bretanha pesasse sempre em desfavor da Itália nas decisões da União Européia.
É evidente que um presidente da republica desse tipo teria monitorado a formação do novo governo progressista com a participação do Movimento 5 Estrelas de Beppe Grillo. Porém essa provável solução era inaceitável para os estrategistas da BCE, enquanto a alemã Angela Merkel, o presidente francês Hollande e o primeiro-ministro britânico, Nick Cameron se manifestaram contrários a possível participação do Movimento 5 Estrelas participar no novo governo. Foi nessa onda que Silvio Berlusconi em um comício realizado em Bari (sul da Itália) transmitido por todas as televisões italianas ameaçava que”…Se Romano Prodi for eleito presidente da Republica eu, Silvio Berlusconi, vou ser o primeiro a dever fugir da Itália porque o país será novamente governado pelos comunistas!…”
Uma lavagem cerebral que teve seus efeitos sobretudo na classe política. De fato e por absurdo que pareça, quando no Parlamento, no dia 18, o secretario do PD, Bersani, apresentou a candidatura de Romano Prodi a presidente da Republica todos os parlamentares desse partido se levantaram e aplaudiram, porém quando foram votar 101 deles rejeitaram seu nome revelando todas as contradições e os oportunismos traiçoeiros desse partido.
Uma escandalosa situação que levou a deputada Rosy Bindi a anunciar sua demissão da direção nacional do PD, falando em traição dos princípios fundadores do partido. A seguir houve a calorosa reação das bases do PD que em Roma foram em frente ao Parlamento gritar “vergonha, vergonha” enquanto queimavam as cédulas do partido. Diante disso os restantes membros da direção nacional anunciavam sua demissão, porem declaravam que permaneciam até a formação do novo governo. Isto é permaneciam para finalizar o suicídio político do PD.
“Inciucio” e “Porcellum”
Na linguagem política italiana foram introduzidos dois termos – “Inciucio” e “Porcellum” — que representam, perfeitamente, o torpor institucional e a letargia política da classe dirigente dessa Segunda Republica. De fato, o termo “Inciucio” foi utilizado todas as vezes que as lideranças do centro-esquerda fizeram um acordo com a direita “na calada da noite”, contrariando as decisões de suas bases eleitorais.
Por outro lado, “Porcellum” é o sistema eleitoral criado pelos homens de Berlusconi que recompensa o vencedor das eleições apenas na Câmara de Deputados com a duplicação de seus parlamentares, de forma a permitir ao vencedor de ter uma maioria absoluta de 51%, mesmo se foi eleito com 28%. Um estratagema institucional que permitiu as coalizões de centro-direita formadas pelo PdL de Berlusconi de governar por quase 15 anos. Mas em março, foi a vez do Partido Democrático saborear com o “Porcellum” o prazer de ser majoritários na Câmara com 521 deputados. Uma sensação que Bersani e D’Alema tiveram por poucas horas visto que no Senado o “Porcellum” premia, apenas, a coalizão que recebe mais votos nas oito grandes regiões, notoriamente controladas pelas coalizões de centro-direta.
Por isso, Massimo D’Alema — que na história do PD é o líder da facção que reúne os ex-comunistas que rejeitaram o leninismo para apoiar a tese do compromisso histórico de Berlinguer e a opção europeísta do social-liberalismo de Napolitano — logo após o fechamento das urnas anunciava que “..para governar a Itália com responsabilidade era necessário realizar um governo de entendimento com o partido de Berlusconi…”
Quer dizer a velha raposa do PCI, muito euro e pouco comunista, violava novamente a decisão dos eleitores do PD justificando outro “Inciucio” ser “… a única solução política para formar um governo duradouro e responsável ...” Não dizia D’Alema que esse “Inciucio” recolocava novamente Berlusconi, a coalizão de centro-direita do PdL no centro da política italiana, dando-lhe, até, uma nova virgindade política.
Pelos demais analistas o “Inciucio” de D’Alema – que, é bom lembrar, se realizou com o voto secreto dos 101 parlamentares da facção “dalemiana” – na realidade foi sugerido pelo próprio presidente Giorgio Napolitano após a imprensa ter ventilado a candidatura de Romano Prodi. De fato Napolitano foi logo na televisão para falar “..a formação do novo governo deve considerar a positiva experiência do governo de entendimento nacional de 1976...”. Isto é quando o PCI de Berlinguer sustentou silenciosamente e apoiou com todas suas forças, o governo da Democracia Cristã, não obstante esse fosse um dos mais reacionários e anti-operário da época.
Um “Inciucio” que Beppe Grillo denunciou após a primeira e única reunião com o secretário do PD, Bersani, em que foi evidente que a parte majoritária do PD não queria promover a implementação de reformas institucionais, políticas e sócio-econômicas aptas a mudar o “status quo” da crise italiana.
Nesse âmbito a rejeição de Romano Prodi e, sobretudo a re-eleição do presidente Giorgio Napolitano (único caso em 60 anos de regime republicano) por um mandato de mais 7 anos, apesar dele ter já 84 anos, foi a chave política para abrir as portas do poder ao novo “Inciucio” de D’Alema com Berlusconi. Algo semelhante ao que aconteceu em 1999 quando Massimo D’Alema, apenas nomeado primeiro ministro, logo acertou com a direita a participação da Itália ao lado dos exércitos da OTAN na destruição da Federação da Iugoslávia.
Agora o “Governissimo”
Nesse cenário a mídia, inclusive a progressista (La Repubblica, Fatto Quotidiano, Espresso, L’Unitá e Il Manifesto) jogaram um papel fundamental em demolir – com poucos resultados – a imagem de Beppe Grillo, confundir o posicionamento dos deputados e amedrontar os eleitores do Movimento 5 Estrelas.
Uma postura que se desenvolveu gradualmente no mesmo tempo em que a classe política criava artificialmente o dramático cenário da ingovernabilidade por causa do Movimento 5 Estrelas. Assim em todas as páginas de jornais e revistas e em todos os noticiários TV, Beppe Grillo e seus parlamentares – eleitos por 28% dos italianos – eram apresentados como alienados, meios doidos, incapazes que representavam um “…perigoso “Partido do Não e a Opção pela Destruição da Democracia”. Pois vários comentaristas ligados aos jornais de propriedade de Berlusconi chegaram a etiquetar Grillo e seus parlamentares de “fascistas”!!
Enfim, um pesado processo de manipulação midiática que irá pesar bastante nas próximas eleições quando, apesar do “governo de entendimento nacional” o peso da recessão será ainda maior , os contribuintes deverão pagar mais impostos, e os jovens italianos deverão sofrer com mais desemprego e flexibilização para satisfazer a “agenda de reformas” impostas pela Tríade (FMI, BCE e BM). De fato, hoje a Itália, segundo o ISTAT, conta com 7 milhões de desempregados crônicos, mais outros três que acabaram de procurar trabalho porque os últimos anos de governos da direita favoreceram apenas a evasão fiscal e, sobretudo a desindustrialização.
Apesar da manipulação da mídia é na rede que aparecem as vozes dos analistas “independentes”, segundo os quais o “Governissimo” foi um produto criado pela Grande Mídia e apoiado pelo Presidente da Republica, Giorgio Napolitano explorando até o inverossímil e dramático cenário da ingovernabilidade e de um possível governo com os partidos progressistas. Nesse âmbito que as fontes mais informada admitem nos próximos dias o presidente re-eleito retirará a Bersani (PD) o encargo de formar o novo governo para entregá-lo ao moderado Giuliano Amato que ira formar um “Governissimo” com o apoio do PdL de Berlusconi, da Liga Norte dos separatistas de Maroni, do Centro Cívico do ex-primeiro-ministro “técnico” Mario Monti e “dulcis in fundo” do PD que irá receber três ministérios, dos quais somente um realmente importante.
Antes disso o PD deverá eleger uma nova direção, que, evidentemente será, ainda uma vez, manipulada “Ad Hoc” por Massimo D’Alema, Enrico Letta e Franceschini, os líderes das principais frações do PD que querem ficar no governo ao lado de Berlusconi e Monti.
De fato, há muitas dúvidas de que esse partido permaneça ainda unido, visto que todos os analistas políticos admitem a fuga dos eleitores da dita “esquerda do PD” e de outros setores progressistas contrários a alianças espúrias com Berlusconi além de fazer favores aos banqueiros alemães, franceses e britânicos sem receber nada em troca.
Esse é o dramático quadro político que se vive na Itália, ainda sem governo, com um presidente que foi eleito apenas para garantir a implementação das diretrizes recessivas do BCE, com um PD praticamente vitima de seu suicídio político após o último “Inciucio” planejado por Massimo D”Alema e uma esquerda comunista (SEL, Rifondazione, Sinistra Critica, PCL, Federazione della Sinistra) praticamente fragmentada, sem voz e, sobretudo, sem capacidade política de organizar uma oposição de âmbito popular.
Nesse pântano a única força que ainda diz querer e ser oposição é o Movimento 5 Estrela de Beppe Grillo que faz lembrar o “Yá Basta” dos argentinos. Porém deveremos esperar que a crise quase mate os italianos com desemprego e impostos para esperar a formação de uma coalizão que ganhe com 51% e, ai, realmente poder dizer “Yá Basta, vão todos para casa!!!” Algo que certamente poderá acontecer mas que o BCE, a União Européia e sobretudo a OTAN dificilmente vão permitir que se concretize em termos institucionais.
Achille Lollo é jornalista italiano, correspondente do Brasil de Fato na Itália e editor do programa TV “Quadrante Informativo”.