“Exército monitora movimentos de camponeses em Honduras”
O militante da Consulta Popular Ronaldo Pagotto acompanhou durante 40 dias as atividades dos movimentos de trabalhadores rurais em Honduras, passando pela capital Tegucigalpa e mais 12 cidades do interior.
No dia 28 de junho de 2009, um golpe militar depôs o presidente eleito de Honduras, Manuel Zelaya, dentro de uma ação organizada pela burguesia local, com a ajuda dos Estados Unidos, para impedir avanços sociais e reprimir as mobilizações dos trabalhadores hondurenhos.
“É impressionante o vigor e ânimo do povo hondurenho em lutar, mesmo passados esses meses e várias manobras dos golpistas em conluio com o Pentágono, para desestabilizar e desestimular as mobilizações”, afirma Pagotto.
Desde o golpe, o povo hondurenho tem travado uma dura batalha. As massas enfrentaram diversas vezes o Exército, reivindicando a volta de Zelaya e pela realização da assembleia constituinte.
Em novembro de 2009 foi organizada, pelo governo golpista de Roberto Micheletti, uma eleição ilegítima, com forte presença militar, que teve a vitória de Porfírio Lobo para a presidência. No entanto, mais de 47% do povo virou as costas para as eleições antidemocráticas, aderindo ao boicote.
“Os movimentos do campo sofrem um monitoramento especial do Exército, como no caso do Movimento Campesino de Aguán (região ao norte de Honduras), onde foi montado um posto permanente em um assentamento, com 10 homens fortemente armados”, denuncia.
Abaixo, leia a entrevista concedida direto de Honduras à Pagina do MST, por correio eletrônico, sobre a organização unidade e lutas da e trabalhadora hondurenha, a situação dos trabalhadores rurais e o avanço do capital na agricultura.
Depois de um ano do golpe, como está a ânimo do povo e as organizações da e trabalhadora?
É impressionante o vigor e ânimo do povo hondurenho em lutar, mesmo passados esses meses e várias manobras dos golpistas em conluio com o Pentágono, para desestabilizar e desestimular as mobilizações. As pessoas explicam que isso se dá, em parte, graças a um processo de mobilização e organização anterior ao golpe, quando a resistência popular era direcionada a sustentar propostas populares do governo e também para fortalecer as lutas unitárias.
Hoje a resistência ao golpe conformou a Frente Nacional de Resistência Popular, composta por amplos setores: estudantil, camponês, mulheres, juventude, sindical, professores, indígenas, negros, artistas e outros. Estão organizados nacionalmente em comitês estaduais, municipais e de bairros e comunidades.
Quais as lutas estão em curso atualmente?
Nesse momento, há diversos setores em lutas específicas e que se juntam nas mobilizações mais gerais e nacionais. Há um ânimo geral do povo para lutar, que é incrível. Professores do ensino médio e fundamental estão em greve e fizeram manifestações na capital com 18 mil professores (de uma base de 55 mil). As assembleias que alcançaram até 7 mil pessoas.
Funcionários públicos do setor de registro civil estão em greve por falta de ar condicionado, um motivo aparentemente pequeno e que não levaria muitos setores a se mobilizarem, mas resultou em uma greve que dura mais de uma semana. Outro aspecto que impressiona é que essa frente nacional congrega todos os setores populares, com posição contra o golpe, lidando com setores amplos e distintos. Nesse período, seguem juntos em luta.
O que representa a unidade dessas forças nesse quadro?
Representa um fator central para esse vigor, capacidade de mobilização e de reconhecimento público como uma força política. E se soma a esses pontos a capacidade de disputar ideias e contestar os meios de comunicação golpistas, como uma característica geral dos grandes meios de comunicação da América Latina, serem expressão da visão de mundo das oligarquias do campo e da cidade e dos interesses do imperialismo. Estão disputando com programas de rádio, uma rede de rádios comunitárias, programas diários de informação e análise da conjuntura.
Dessa forma, divulgam a agenda da resistência assim como balanços, entrevistas e momentos pedagógicos para explicar a todo o povo o que ocorreu, os movimentos dos golpistas no presente e da resistência, a situação internacional e os desafios para os próximos momentos.
Qual a situação dos trabalhadores rurais?
Assim como no nosso país, o tema do campo é central na luta do povo hondurenho. Não só por ter mais de 55% das terras agriculturáveis nas mãos de menos de 1% dos proprietários, mas também pela força desse setor dentro da política nacional. Os conflitos e tensões são típicos e poderíamos resumir principalmente em três eixos, que muitas vezes se combinam.
O primeira é a tomada de terras com o método similar ao da grilagem, porém mais escancarado, pelos grandes latifundiários. Nesse ponto, tem a pressão econômica e militar para que pequenos agricultores e indígenas vendam suas terras, sempre sob pressão e buscando pagar literalmente preço de banana.
Em segundo lugar, há uma ofensiva do grande capital transnacional com projetos de hotelaria “verde”, de mineradoras e barragens. Honduras é um país com muito minério, muita água e regiões montanhosas atrativas para esse turismo verde.
Por fim, a ofensiva com o monocultivo da palma africana e implementação de propostas para a agricultura do Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com destaque para uma produção voltada para a exportação, de café, banana, azeite e manteiga (palma), com produção utilizando grandes quantidades de veneno e outros insumos, transgenia. Pepe Lobo, atual presidente, é o maior produtor de milho transgênico de Honduras.
Qual é a situação das organizações camponesas?
Os movimentos do campo sofrem um monitoramento especial do Exército, como no caso do Movimento Campesino de Aguán (região ao norte de Honduras), onde foi montado um posto permanente em um assentamento, com 10 homens fortemente armados, com a justificativa de conter uma suposta ação da guerrilha.
Há também o velho método dos esquadrões da morte, que tem vitimado diversos companheiros dos movimentos do campo, financiados pela pequena oligarquia. Um outro exemplo é o que acontece com camponeses do Movimento Unificado Campesino de Aguan, que ocupam uma terra tomada dos camponeses pelo maior latifundiário do país Miguel Facusse. Ele exige uma indenização para devolvê-las aos camponeses. Esse sujeito tomou ilegalmente a terra de centenas de famílias, com documentos falsificados.
O que aconteceu com as famílias que viviam nessas terras?
Como precisavam sobreviver, esses camponeses trabalhavam nessas mesmas terras. Recebiam um salário miserável, pago com dinheiro da venda da produção. Ou seja, pago com o que era dos próprios camponeses. Esse caso absurdo tem gerado um intenso debate nos meios de comunicação, com muitos golpistas da oligarquia hondurenha se manifestando em defesa do Estado de Direito.
Só se for o Estado de Direito para roubarem a terra, a produção e ainda pagarem salários que mais se assemelham a um trabalho servil. Mas esse movimento, organizado por famílias na mesma situação, ocupou as terras em dezembro de 2009 e lá estão até hoje, produzindo, estudando, vivendo, e prometem resistir para não sair mais.
E os indígenas, também estão organizados?
Os indígenas também são um exemplo de luta contra os projetos de barragens, mineradora, hotelaria verde, que não por simples coincidência se voltam para atacar as terras indígenas, territórios protegidos pelos povos ancestrais. Mesmo em condições de vida muito simples, contestam as propostas de dinheiro, de trabalho nos futuros empreendimentos e as ameaças de uso da força.
Os camponeses e movimento negro da costa Norte se mobilizaram para enfrentar esses projetos. Mesmo com tudo isso, os setores do campo são parte importante da resistência e estão fortalecendo a luta com muita mobilização, organização e estudo da realidade e unidade com os setores da resistência.
Há militantes sociais de outros países prestando solidariedade ao povo hondurenho?
Também estão organizações e militantes da Itália, Espanha, Inglaterra, Noruega, Estados Unidos, Canadá, El Salvador, Nicarágua, Guatemala, Venezuela, Colômbia, Uruguai, Chile e outros muitos, com destaque para Cuba, que mantém mais de 250 médicos com trabalho diário nas comunidades mais pobres e carentes de Honduras, um exemplo para todos nós e um legado da revolução cubana.
A solidariedade é um gesto humano e revolucionário, é uma forma de estabelecer laços com organizações populares, construir processos em conjunto e que fortaleçam o trabalho popular, assim como demonstrar que esse povo, golpeado duramente com um golpe civil-militar, não esta só. Demonstramos que o termo “Hermano” na língua espanhola tem significado efetivo.
O que as organizações do Brasil podem fazer para prestar solidariedade ao povo e às organizações hondurenhas?
A história das lutas populares e a construção de organizações do povo são permeadas pela relação de solidariedade. Em particular a história do MST, que é um processo construído com a militância, com diversos setores em solidariedade e, sobretudo, com uma forte solidariedade internacional.
Neste momento, somos convocados, desde o Brasil e outros povos, a apoiar a luta desse povo, seja declarando esse apoio, como também atuando ativamente para que essa luta seja vitoriosa. Isso inclui compartilhar experiências de organização, de educação e formação, produção de alimentos saudáveis, de trabalho com amplos setores populares, de métodos de trabalho popular.
Fonte: http://www.mst.org.br/node/10481
*Da Página do MST