‘Na realidade, os Estados Unidos esperam uma rendição total e definitiva do povo cubano’

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Adital
Al Mayadeen

Conversações com Max Lesnik 4/4

Ex-militante da Revolução Cubana, o jornalista Max Lesnik fala da história de Cuba, da sua trajetória pessoal, dos seus laços com Fidel Castro, da Cuba de hoje e das novas relações entre Washington e Havana.

SL: Passemos a outro tema. Como jornalista cubano residente em Miami, o que pensas sobre a liberdade de expressão em Cuba?

ML: Convém recordar algumas verdades elementares. A liberdade de expressão está diretamente vinculada à segurança do Estado. Não me refiro ao aparato policial nem aos serviços de inteligência. Quando um Estado se sente seguro, quando não existe força externa ou interna capaz de desestabilizá-lo, a liberdade de expressão é total. No entanto, quando há uma ameaça interna ou externa – neste caso, uma ameaça externa, que são os Estados Unidos, e uma ameaça interna, que são os dissidentes apoiados por uma potência estrangeira –, começam as restrições à liberdade de expressão.

Tomemos o caso dos Estados Unidos, que é a nação mais poderosa do mundo. Apesar das crises, continua sendo o país mais rico. Diz-se que há uma liberdade de imprensa plena e absoluta nos Estados Unidos. Sou jornalista. Conheço o tema. Na realidade, a liberdade de imprensa se encontra nas mãos dos donos dos meios, controlados pelas forças capitalistas para defenderem seus interesses. A concentração dos meios foi reforçada nos últimos anos. Antes, um jornal era propriedade do editor, como foi o meu caso. Hoje, os acionistas da imprensa pertencem ao complexo militar-industrial. Então, quando um Estado é ameaçado, reduz a liberdade de expressão, como foi o caso sob o macartismo, quando se violaram as liberdades fundamentais, enquanto que ninguém ameaçava os Estados Unidos.

Em Cuba, à medida em que o Estado veja desaparecer as ameaças externas ou internas, promovidas a partir do exterior, estou convencido de que o espaço reservado para o debate crítico será ampliado.

SL: Em uma palavra, o grau de liberdade de expressão em Cuba depende do grau de hostilidade dos Estados Unidos para com a ilha.

ML: Exato. À medida em que baixem as tensões e que os Estados Unidos deizem de usar a oposição interna para desestabilizar o Estado, haverá mais liberdade de expressão em Cuba. Mas já existe. Claro, com seus limites, mas há a cada dia mais liberdade de expressão em Cuba.

Existe outro problema. Durante anos, os cubanos, em nome da defesa da Revolução, ocultaram os erros para não atentarem contra a unidade nacional. Pensavam que a crítica aos defeitos do sistema os debilitava frente ao inimigo, quando, na realidade, é uma demonstração de força. Por outro lado, o inimigo usa essa unidade de fachada como ângulo de ataque. Quando se critica um dirigente incompetente, se critica o homem, não a Revolução. Uma crítica aberta e saudável a partir do campo revolucionário para melhorar o sistema e denunciar a corrupção não debilita o processo. Raúl Castro é o exemplo perfeito.

Considero que um dos críticos mais importantes da imprensa cubana foi e é o próprio Fidel Castro. Convém recordar seu critério: “Prefiro os inconvenientes dos equívocos aos inconvenientes do silêncio. É melhor que lavemos os trapos sujos antes que os trapos sujos nos sepultem por estarmos guardando. Pela síndrome do mistério todos temos culpa”.

SL: O que você pensa sobre o partido único em Cuba?

ML: O debate em torno do partido único e o multipartidismo é interessante. A democracia não surge dos partidos. Deve ser um processo no qual são debatidos todos os pontos de vista, ainda que haja apenas um partido ou nenhum. O partido não tem nada a ver com a democracia, que tem mais de 2.000 anos de idade, enquanto que o partido político nasceu no século XIX como instituição.

Diz-se que Cuba é uma ditadura porque há um só partido. É uma leitura simplista. Há ditaduras no mundo com um sistema de multipartidismo. Com Batista [ex ditador Fulgencio Batista] havia muitos partidos e, não obstante, era uma ditadura.

SL: O que pensas sobre a oposição em Cuba?

ML: Lamentavelmente, desde o triunfo da Revolução, a oposição se encontra sob o controle dos Estados Unidos. Eu queria que houvesse em Cuba uma verdadeira oposição, patriótica e independente. Mas, desde o início, Washington financiou os grupos dissidentes.

Se olhamos a história, em todo o processo revolucionário cubano, desde as guerras de independência até a luta contra Batista, nenhum grupo insurgente foi financiado por uma potência estrangeira. É importante assinalar essa realidade. O cubano luta por uma causa nobre, por patriotismo, não por dinheiro. Nunca houve pessoas financiadas durante a guerra de 1868, nem na de 1895, nem durante a luta contra Machado [ex ditador Gerardo Machado] ou contra Batista.

A partir de 1959, os Estados Unidos consideraram Cuba uma ameaça, antes de que a Revolução se declarasse socialista ou firmasse uma aliança estratégica com a União Soviética. Nessa época, a “Revolução era tão cubana como as palmas”, como disse Fidel Castro. Washington começou, então, a financiar grupos internos. Foi a perdição da oposição, pois o cubano não pode compreender que um compatriota aceite dinheiro de uma potência estrangeira para opor-se o seu governo. Por isso a oposição é insignificante em Cuba e incapaz de unir a população ao redor dela.

SL: Mas há, em Cuba, setores insatisfeitos, que não recebem dinheiro dos Estados Unidos.

ML: Não digo que não haja pessoas descontentes em Cuba. Devem ser substanciais, sobretudo, a partir do Período Especial, que seguiu ao desaparecimento da União Soviética. Mas transformar esse descontentamento em uma oposição política contra o governo não é fácil, pois os cubanos querem conservar seu sistema e melhorá-lo. A grande maioria não quer outro modelo.

Uma oposição política honesta deve estar a favor da soberania nacional e contra as sanções econômicas dos Estados Unidos. Deve estar disposta a defender o sonho de José Martí, de uma Cuba livre e independente. Deve buscar soluções cubanas para os problemas cubanos e não olhar para o Norte. Deve librar-se do seu complexo de inferioridade e de ser submisso, que consiste em crer que sempre é preciso pedir permissão a Washington para empreender uma iniciativa.

SL: Por que não há revoltas em Cuba, como as ocorre na Europa e no resto do mundo?

ML: Os dissidentes midiáticos não podem se beneficiar de um apoio popular. Não dispõem de um programa definido nem de um líder. A oposição fabricada se encontra enredada em uma contradição. Para lutar pela liberdade é preciso ser livre. Agora bem, a dissidência é prisioneira da política exterior dos Estados Unidos para com Cuba. No dia em que desaparecer o orçamento anual de 20 milhões de dólares que Washington dedica a isso, desaparecerá também essa oposição.

SL: Como analisa as mudanças ocorridas no modelo econômico de Cuba?

ML: Para responder a sua pergunta, devo, primeiro, definir-me a partir de um ponto de vista ideológico. Sempre fui e sou socialista. Como socialista, considero que o capitalismo não distribui a riqueza na sociedade, mas privilegia os mais ricos. Quando a sociedade capitalista se transforma em uma Revolução estatal, como em Cuba, onde quase tudo se encontra nas mãos do Estado, a burocracia capitalista, que é eficiente, é substituída por uma burocracia de partido, que, em muitos casos, é ineficiente.

Hoje, o processo cubano permite aos cubanos trabalharem por sua conta e favorece a limpeza do Estado dessa burocracia insustentável, que impede o desenvolvimento. Mas a sociedade cubana deve favorecer, além do trabalho individual, a cooperativa. Em outros termos, o socialismo não é um capitalismo de Estado. O socialismo estipula que os meios de produção devem estar nas mãos dos trabalhadores. O papel do Estado é levar a cabo esse processo no longo prazo. Quando se entrega uma licença a uma pessoa, para que estabeleça seu comércio, é um passo positivo. Mas o Estado deve ser mais audaz e entregar as empresas aos trabalhadores e transformá-las em cooperativas socialistas.

O problema, em Cuba, com a burocracia e o paternalismo, é que todo o mundo considera que tudo lhe pertence. Por isso há tanto roubo nos hotéis e nas empresas estatais. O administrador, encarregado pelo bom funcionamento da estrutura, em determinados casos, é o primeiro que rouba. Convém quebrar este círculo vicioso de uma só maneira: apresentando os delinquentes ante a justiça e, sobretudo, socializando os meios de produção. Em uma cooperativa, o roubo já não é possível pois os trabalhadores são sócios e não permitirão esse tipo de comportamento delitivo. Se um sócio de uma cooperativa, digamos de um restaurante, quer levar um presunto para sua casa, será impossível fazer isso, pois sofrerá a oposição de seus companheiros. Assim, a propriedade da cooperativa será melhor protegida.

SL: Deve o Estado deixar toda a economia nas mãos de cooperativas?

ML: Não, o Estado deve manter o controle das grandes empresas, da indústria básica do país, além do turismo e da moeda. Deve conservar o controle dos recursos estratégicos da nação.

Em troca, las barbearias, os restaurantes e outros pequenos negócios devem estar fora do controle estatal. A reforma econômica não deve limitar-se à pequena empresa privada, mas integrar também as cooperativas. É um objetivo fundamental. Sou bastante otimista a respeito e espero que os cubanos se sintam, a cada dia que passe, mais orgulhosos de sua nacionalidade.

SL: Quais são os principais obstáculos para essas mudanças?

ML: São de dois tipos: interno e externo. Em nível externo, os Estados Unidos aproveitarão a nova situação de liberdade de empresa para usá-la contra a Revolução e para desestabilizar o país. É o primeiro risco.

Logo, os dirigentes cubanos não devem deixar que a burocracia fabrique fantasmas para conservar seu poder. Devem diferenciar um funcionário eficiente de um burocrata incompetente, que pretende assustar o Estado para conservar seu cargo. Estes são os dois desafios.

SL: O que pensas sobre o modo como os meios informativos ocidentais apresentam Cuba?

ML: Sou jornalista há mais de meio século. Resulta evidente que há um dupla medida quando se trata de Cuba. Há algum tempo, os meios difundiram a notícia de um opositor detido pela polícia e liberado algumas horas depois. Nesse mesmo dia, houve uma manifestação na República Dominicana. A polícia atirou e houve três mortos. A imprensa ocidental não disse nem uma palavra. Um fato que passa desapercibido no restante do mundo se torna notícia quando se trata de Cuba.

SL: Por que os Estados Unidos seguem impondo sanções econômicas a Cuba, mais de um quarto de século depois do fim da Guerra Fria?

ML: No início, as sanções econômicas foram impostas após a decisão de Cuba de nacionalizar algumas empresas estadunidenses. Mas convém recordar que a hostilidade, ou pelo menos a desconfiança, dos Estados Unidos com Fidel Castro é anterior ao triunfo da Revolução. Washington fez tudo para impedir que Fidel Castro chegasse ao poder e apoiou Fulgencio Batista até os últimos momentos. Após a fuga do ditador, os Estados Unidos impuseram uma junta militar, mas esta durou apenas algumas horas e fue destroçada pela onda popular e revolucionária. É importante recordar essa realidade histórica.

Desde essa época, a Revolução está no poder e os Estados Unidos tomaram todas as medidas possíveis e imagináveis para tentar derrotá-la. Toda a retórica diplomática, elaborada desde 1959 para justificar o estado de sítio contra Cuba, é uma sucessão de pretextos, que não resistem à análise. Washington evocou assim as nacionalizações, depois, a aliança com a União Soviética, depois, a ajuda de Cuba aos movimentos revolucionários pelo mundo, depois, o partido único e, depois, os direitos humanos. Na realidade, os Estados Unidos esperam uma rendição total e definitiva do povo cubano, coisa que não ocorreu em mais de meio século e que, me parece, não ocorrerá.

SL: Não obstante, Washington normalizou as relações com a China e o Vietnã e colocou fim às sanções contra estes países. Por que é diferente com Cuba?

ML: A política de sanções contra Cuba – cujo objetivo é render pela fome o povo cubano – fracassou. E creio que para os Estados Unidos custa dar prova de lucidez a respeito e admitir essa realidade. A manutenção das sanções tem como objetivo impedir o desenvolvimento do país e o vizinho do Norte se nega a reconhecer seu erro e mantém um estado de sítio obsoleto e cruel, que suscita o opróbio da comunidade internacional, inclusive, dos aliados mais fiéis dos Estados Unidos.

Penso que mais cedo do que tarde os Estados Unidos terão que levantar as sanções contra Cuba. Até o presidente Barak Obama tem se pronunciado contra essas sanções e, agora, será o Congreso norte-americano que terá que tomar a iniciativa, interpretando o sentimento do povo dos Estados Unidos.

SL: Qual é o impacto das sanções econômicas na comunidade cubana dos Estados Unidos?

ML: As sanções econômicas constituem não apenas uma agressão contra o povo de Cuba, mas afetam também o povo americano. Impedir que un cidadão estadunidense viaje para um país que se encontra a 90 milhas é um atentado contra um direito humano constitucional.

Do mesmo modo, a comunidade cubana dos Estados Unidos sofre, pois, para viajar para Cuba, terra dos nossos antepassados, onde nasceram mais de 80% dos cubanos que vivem em território americano, é necessário enfrentar toda uma série de obstáculos administrativos impostos por Washington.

Por exemplo, no mandato de George W. Bush, os cubanos dos Estados Unidos só podiam viajar para seu país de origem duas semanas a cada três anos. Isso, no melhor dos casos, pois era preciso conseguir uma permissão do Departamento do Tesouro. Para obter tal autorização, era preciso demonstrar que tinha um membro direto da família em Cuba. Para todos, uma tia, um primo ou um sobrinho são membros diretos da família. Mas a administração Bush deu uma definição de família que só se aplicava aos cubanos. Assim, só faziam parte da família os avós, os irmãos, os filhos e os cónjuges. Então, um cubano de Coral Gables, que só tinha uma tia em Cuba não podia viajar para seu país de origem. Imagine o impacto que teve sobre a família cubana, quando sabemos que a família é a base da sociedade. Em Cuba, o conceito de família é importante e amplo, pois não só fazem parte da família os que estão vinculados pelo sangue, mas também os que estão vinculados pela amizade.

Essa aberração política teve o apoio da extrema direita cubana da Flórida, que sente um ódio visceral pelo povo de Cuba. Não se trata apenas de uma vontade de revanche contra os irmãos Castro, mas de uma aversão real contra a população cubana, pois apoia majoritariamente o governo.

SL: O que respondes para quem diz que as sanções econômicas são uma simples questão bilateral entre Cuba e Estados Unidos, e que Havana pode desenvolver suas relações comerciais com o restante do mundo?

ML: Essas afirmações não resistem a nem um só instante à análise. Dizer que Cuba pode comercializar com o restante do mundo é ignorar o caráter extraterritorial das sanções econômicas. Permita-me dar alguns exemplos. Desde 1992, todo barco que entra em um porto cubano é proibido de entrar em um porto estadunidense durante seis meses. Qual é a consequência para Cuba? Deve pagar somas astronômicas, superiores às do mercado, para convencer os transportadores internacionais que lhe tragam mercadoria. Recorde que os Estados Unidos são o primeiro mercado do mundo.

Do mesmo modo, se uma empresa estrangeira quer exportar seus produtos para os Estados Unidos, deve demonstrar ao Departamento do Tesouro que seus produtos não contêm uma só grama de materia-prima cubana. Como faz Cuba, então, para exportar sua produção para o resto do mundo com semelhantes obstáculos? Da mesma forma, Cuba não pode importar nada do resto do mundo que contenha mais de 10% de componentes estadunidenses. Dada a liderança técnica e tecnológica dos Estados Unidos, dispõem de um monopólio em muitos setores. O exemplo mais emblemático é o setor de medicamentos. Os Estados Unidos são o líder mundial neste campo e Cuba não pode importar nenhum medicamento nem nenhuma equipe médica produzidos nos Estados Unidos ou que contenham mais de 10% de componentes estadunidenses. Tomemos o caso do setor aeronáutico. A imensa maioria dos aviões contém produtos estadunidenses e não podem operar em Cuba. Esta é a realidade.

SL: Segundo Washington, a política de sanções é a melhor forma de derrubar os irmãos Castro e reestabelecer a democracia em Cuba.

ML: É ridículo pensar que as sanções econômicas podem ter resultados positivos para os Estados Unidos. Trata-se de uma arma criminosa contra o povo de Cuba e não terá nenhuma saída favorável. Não haverá mudanças políticas em Cuba orquestradas a partir do exterior. Os cubanos jamais aceitarão. Inclusive, durante o período da União Soviética, Moscou não pôde controlar a política nacional e internacional de Cuba. Pretender que as sanções vão modificar a posição dos dirigentes cubanos é dar prova da ignorância. As mudanças em Cuba têm lugar desde 1959 pela lei natural da vida, mas são feitas apenas pela vontade dos próprios cubanos.

Quanto à democracia, que tipo de democracia deseja exportar os Estados Unidos? A de Miami, onde o vício, a corrupção, a compra e venda de votos são moeda corrente, onde os lobbies elegem quemserá o próximo presidente? Estou seguro de que os cubanos não favorecem este tipo de democracia. Já viveram isso com Batista.

SL: Cuba não indenizou as propriedades estadunidenses nacionalizadas.

ML: Que os Estados Unidos apresentem a conta. Os cubanos apresentarão também a conta dos danos ocasionados pelas sanções econômicas e pela política de agressão desde 1960, e mostraremos a verdadeira conta de tudo isso. Creio que caberá a Washington fazer o cheque.

SL: Quais seriam os benefícios para o povo estadunidense no caso de levantamento das sanções econômicas?

ML: Primeiro, os cidadãos estadunidenses recuperariam, de novo, seu direito a viajar para qualquer país do mundo. Há mais de meio século que são privados deste direito constitucional. Depois, permitiria reestabelecer os laços fraternais entre ambos os povos, que uma diferença política que divide ambas as nações rompeu. Os cidadãos estadunidenses descobrirão que Cuba é, sem dúvida, o único país do mundo onde jamais se queimou uma bandeira americana. Os diplomatas estadunidenses que estão em Cuba percorrem as ruas de Havana sem necessidade de proteção. O povo cubano sempre deu provas de boa vontade para com o povo americano.

A partir de um ponto de vista econômico, as empresas americanas seriam os grandes beneficiários de uma supressão das sanções e poderiam desfrutar das oportunidades que oferece um país de 11,2 milhões de habitantes, que se encontra a 90 milhas de Cayo Hueso.

SL: Os Estados Unidos evocam, regularmente, a situação dos direitos humanos em Cuba.

ML: Falar de modo seletivo dos direitos humanos em Cuba, como instrumento político e propagandístico, é absurdo e grotesco. Não passa um dia sem que ocorram massivas violações dos direitos humanos no mundo, inclusive nos Estados Unidos, sem nenhuma comparação possível com o que poderia ocorrer em Cuba, sem que reajam Washington nem os meios ocidentais.

Quando um agente de polícia nos Estados Unidos comete um atropelo contra um cidadão, a responsabilidade é dos serviços municipais. Em contrapartida, quando ocorre em Havana, imediatamente acusam o governo dos “irmãos Castro” e lhe impõem a responsabilidade. Esta dupla medida não é aceitável. Usa-se uma lupa para destrinchar os defeitos de Cuba e nos esquecemos a propósito de que esses mesmos defeitos existem nas maiores democracias ocidentais.

Que autoridade moral têm os Estados Unidos para dissertar sobre a questão dos direitos humanos, quando criou um centro de tortura em Guantánamo, prisões secretas em todo o mundo e procede a execuções extrajudiciais no Iraque e Afeganistão? Tudo isso é público.

SL: O que você pensa sobre a aproximação histórica entre Cuba e Estados Unidos, anunciada em 17 de dezembro de 2014?

ML: Abre-se um novo capítulo nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Este processo coloca fim a 60 anos de confronto. As distintas administrações norte-americanas se obstinaram em uma política de agressão, tanto pela via direta, como foi o caso da Praia Girón, ou pelos atos terroristas perpetrados com a anuência da CIA. Distintos grupos contrarrevolucionários cubanos, residentes nos Estados Unidos, no afã de derrubarem o governo cubano, chegaram a cometer as maiores atrocidades, as quais foram perdoadas por Washington.

Agora, as sanções econômicas seguem de pé e é preciso eliminá-las. Convém tirar Cuba da lista dos países terroristas e também permitir que viajem à Ilha os norte-americanos.

Mas, se as relações melhoram, isso favorece tanto o povo cubano como o povo americano. É tempo de iniciar uma relação normal, como deveria ter sido desde o triunfo da Revolução Cubana.

SL: Qual é a principal conquista da Revolução Cubana?

ML: Sem dúvida alguma, a soberania. Se Fidel tivesse que mudar de nome, teríamos que chamá-lo Soberania. Pela primeira vez em sua história, Cuba é soberana e independente.
*Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-Americanos da Universidade Paris Sorbonne-Paris IV, Salim Lamrani é professor titular da Universidade de La Reunión e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Seu último livro se intitula Cuba, the Media, and the Challenge of Impartiality, New York, Monthly Review Press, 2014, com um prólogo de Eduardo Galeano.

http://monthlyreview.org/ books/pb4710/

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