As lágrimas de crocodilo, e os dentes*

Filipe Diniz

A história da Internacional Socialista é a história de um percurso que transita do movimento operário até à expressão política dos interesses e objectivos do grande capital e do imperialismo. O “socialismo” do nome foi há muito traído e esquecido. Apelam à “acção política” face ao problema dos refugiados. Mas ocultam que, dos “trabalhistas” de Blair aos “socialistas” de Hollande, partilham enormes responsabilidades no desencadeamento dessa tragédia.

Se há coisa particularmente repelente na política burguesa é a hipocrisia. Entre as muitas lágrimas de crocodilo que vêm sendo choradas pelos refugiados contam-se as da Internacional Socialista. Juntam-se às que a IS vem derramando por uma quantidade de boas causas, desde a paz na Colômbia até à “luta contra o terror e em defesa da paz” ou o “aquecimento global”.

A IS é um mundo de boas intenções metafísicas. Os seus documentos são um rol de preocupações comoventes. De problemas que afectam milhões de seres humanos. Mas não conseguimos ficar a saber a causa de um único desses problemas.

A coisa chama-se “socialista”. Mas nada tem a dizer acerca do capitalismo ou do imperialismo, causas fundamentais da generalidade das tragédias que afectam o mundo de hoje.

Veja-se este pedaço: “A deslocação global de dezenas de milhares de seres humanos actualmente em curso, em resultado de conflitos, da repressão ou da fome é um fardo que a humanidade partilha. […] Os anos recentes mostram que a movimentação massiva de pessoas não está em retrocesso. Pelo contrário, tem crescido e continua a crescer numa escala cada vez maior. Os conflitos em curso que afectam numerosos países do Médio Oriente constituem indicação de que este fenómeno não tem fim à vista”. (“SI call for solidarity and political action”, http://www.socialistinternational.org/viewArticle.cfm?ArticleID=2397).

Tudo isto cai do céu? Governos com partidos que integram a IS – como o francês – não têm nada a ver com o assunto? Não participaram na destruição do Iraque e da Líbia, no ataque contra a Síria (no Líbano, o partido filiado na IS passou-se para o campo “anti-Assad”). A França de Hollande não empreende uma vasta acção neocolonial na região subsaariana?

A IS não deu por nada.

O PS português faz parte desta hipócrita engrenagem. Mobilizou-a e apoiou-se nela contra a revolução portuguesa, adquiriu nela todos os tiques do dizer uma coisa e fazer o contrário. Com o detalhe que estes documentos da IS ilustram: invocar os problemas mas ocultar as causas é utilizar os problemas para garantir a continuidade das causas.

As lágrimas de crocodilo podem ser comoventes. Mas os dentes do crocodilo são um dos problemas a resolver.

*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2182, 24.09.2015

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