Primárias do Partido Democrático: os “progressistas” como preservativos políticos

imagemJames Petras

De cada vez que o movimento de massas e o eleitorado popular optaram pela acção social independente fora do Partido Democrático, sempre um político “dissidente” emergiu de dentro do partido papagueando muitas das críticas e exigências dos movimentos e do eleitorado crítico. De Jesse Jackson ao actual Bernie Sanders, passando pelo farsante-mor Barack Obama, estes “dissidentes” democratas organizam campanhas “de base” em locais populares, pedindo pequenas contribuições e fazendo promessas de acabarem com o domínio do “big money e big business” sobre o processo eleitoral. Passadas as eleições, traem os que neles depositaram esperança, desviados da sua acção anterior e entregues à desmobilização e ao desalento.

Nas últimas décadas, emergiram movimentos de massas contestatários que reflectem o descontentamento político com a economia nacional e a com a política externa imperialista, desafiando a liderança e as políticas do Partido Democrático (PD). Há boas razões para tal: o Partido Democrático no poder no Congresso e na Casa Branca presidiu (1) ao aumento da desigualdade, (2) à diminuição dos salários reais, (3) à aprovação de legislação repressiva, (4) à redução de dois terços na filiação sindical, (5) ao aumento da desigualdade entre raças, (6) ao resgate dos bancos e da Wall Street com um bilião (milhão de milhões – NT) de dólares, (7) à execução de hipotecas contra milhões de proprietários, (8) a incontáveis abusos à “estado policial” pelas polícias locais e federais, (9) à desregulação do sistema financeiro e (10) à deslocalização de postos de trabalho industriais e de serviços.

No mesmo período, o Partido Democrático apoiou guerras e invasões contra a Indochina, o Panamá, Grenada, a Jugoslávia, o Iraque, o Afeganistão, a Líbia, a Síria, a Somália e lançou inúmeras operações militares “clandestinas”, incluindo as recentes e actuais guerras por procuração na Geórgia e na Ucrânia.

Emergiram movimentos populares e a opinião pública de massas exprimiu hostilidade relativamente a ambos os dois maiores partidos. Os terceiros partidos provocaram portanto uma resposta do eleitorado que fez o Partido Democrático sentir-se ameaçado pelo possível abandono dos eleitores assalariados, especialmente para o apoio a Ralph Nader.

Contudo, no final, nada resultou desse descontentamento. Apesar da raiva profunda e em larga escala e das explosões populares de protesto, incluindo as manifestações de rua com a dimensão de um milhão contra a invasão do Iraque em 2002-2003, o Partido Democrático continuou a dominar o eleitorado “progressista” ou a relegá-lo para a abstenção desmoralizada.

Este ensaio aborda as seguintes questões:

(1) Porquê os movimentos de massas e os eleitores e activistas progressistas genuinamente desinteressados foram incapazes de cortar com o Partido Democrático, apesar do seu consistente e abominável registo em política interna e externa?

(2) Como foi o Partido Democrático, pró-imperialista e pró-Wall Street, capaz de manter o apoio de um eleitorado que se pronuncia esmagadoramente a favor da reforma do sistema de saúde através de um plano nacional de saúde de ordenante único, a favor do rendimento mínimo de sobrevivência, pelo fim da vigilância de estado-polícia e contra guerras e invasões em série?

De contestadores a reféns políticos

Os movimentos de massa americanos tiveram êxito com a mobilização de centenas de milhares de oponentes ao apoio de Washington ao regime de apartheid da África do Sul, aos ditadores centro-americanos, às guerras no Médio-Oriente e à legislação racista. Progressistas esclareceram e organizaram milhões de pessoas contra a Wall Street e o mais recente resgate dos bancos pelo Partido Democrático.

De cada vez que o movimento de massas e o eleitorado popular optaram pela acção social independente fora do Partido Democrático, sempre um político “dissidente” emergiu de dentro do partido papagueando muitas das críticas e exigências dos movimentos e do eleitorado crítico.

Estes “dissidentes” democratas organizam campanhas “de base” em locais populares, pedindo pequenas contribuições e fazendo promessas de acabarem com o domínio do “big money e big business” sobre o processo eleitoral.

Estes “dissidentes” democratas juntam milhões de votos e centenas de delegados para a Convenção Democrática e então… perdem inevitavelmente perante a máquina do partido e submetem-se mansamente reafirmando a sua lealdade ao “maior bem” contra o “maior mal”.

A retórica radical utilizada durante a campanha é conscientemente pensada para obscurecer a lealdade essencial dos “dissidentes” ao Partido Democrático, à sua máquina militarizada, aos seus financiadores multimilionários e aos estrategas de política económica da Wall Street.

A derrota pré-calculada dos “dissidentes” democratas na campanha das primárias não é aqui a questão importante: a consequência política essencial é que os “dissidentes” canalizam a insatisfação social das massas de volta para o Partido Democrático, assim minando qualquer iniciativa política independente capaz de quebrar o domínio duopolista. São como, na área da criação de gado, o bode atraente que engana o rebanho para que dê entrada na grande sala de abate das suas aspirações sociais e políticas.

Ao endossarem o nomeado que foi coroado pelo Partido, estes “dissidentes” desacreditam as próprias ideias críticas e os programas sociais que reclamam promover. Desmoralizam e despolitizam importantes segmentos do eleitorado, desmobilizam e desorientam os activistas sociais que trabalharam pela transformação social prometida no seu programa de campanha.

Mais importante ainda, ao reorientarem os movimentos pela paz e pela justiça e as organizações comunitárias de vizinhança e anti-racistas para a política eleitoral do Partido Democrático, esvaziam as ruas, os bairros e os locais de trabalho de activistas efectivos.

Uma breve revista das campanhas presidenciais dos últimos trinta e cinco anos confirma esta análise.

Jesse Jackson e a agitação “Arco-Íris”: 1984 e 1988

Jesse Jackson foi um importante líder activista no movimento dos direitos civis. A partir de Chicago, ajudou a organizar dezenas de milhares de afro-americanos e a desenvolver laços com outras minorias, brancos progressistas e sindicatos.

Jackson esteve contra o assalto do presidente Reagan aos sindicatos, especialmente contra o despedimento de milhares de controladores aéreos. A oposição de Jackson ao apartheid na África do Sul, à invasão de Grenada por Reagan e à escalada das despesas militares deram-lhe credibilidade no movimento da paz.

Milhões de pessoas olharam para Jesse Jackson para a liderança e por uma nova direcção política. Negociou com os patrões do Partido Democrático para a sua participação nas primárias. O acordo consistiria em competir com os políticos tradicionais, mas submeter-se imediatamente à liderança caso perdesse a nomeação.

Jackson mobilizou centenas de milhares de activistas dos guetos do norte até aos campus dos colégios da Ivy League (conferência ligada à actividade desportiva de instituições privadas de prestígio – NT) e das fábricas têxteis da Carolina do Norte até os campos de algodão do Mississípi. Lançou a retórica sobre a justiça social, o aumento do salário mínimo, o plano nacional de saúde de ordenante único (Medicare-for-All) e a transferência maciça de fundos públicos do Pentágono para os programas sociais.
Ganhou uns impressionantes 18% de votos nas primárias Democráticas de 1984. Depois da derrota, capitulou imediatamente e apoiou o “guerreiro frio” da Wall Street, Walter Mondale. Fez campanha por Mondale com a promessa de que a “Coligação Arco-íris” influenciaria a campanha e a subsequente presidência de Mondale. Nada disso aconteceu. Mondale perdeu e Reagan foi reeleito. A “Coligação Arco-íris” foi tão efémera como aquilo que o seu nome indica.

Quatro anos depois, um Jesse Jackson reciclado desenvolveu a mesma retórica, a organização “das bases”, a conversa do gueto, a agitação da pobreza e o pote de ouro no fim da coligação arco-íris com brancos e negros todos juntos… para gáudio dos patrões do partido e dos financiadores empresariais.

Era o “todos a remar para o mesmo lado”: os movimentos de rua mudaram das lutas concretas locais para o registo porta-a-porta de eleitores para os Democratas. Os sindicalistas locais foram atraídos para a retórica do “Salvem os empregos americanos” de Jackson. Os progressistas da classe média foram atraídos pela promessa de Jackson sobre cortes no orçamento militar.

Jackson recebeu uns substanciais 29% dos votos nas primárias Democráticas. Michael Dukakis ganhou a nomeação e, conforme prometido, Jesse Jackson apoiou a escolha do partido e deu indicação a todos os activistas de direitos humanos, justiça social e paz e aos anti-Wall Street para trabalharem pela eleição. Dukakis foi estrondosamente derrotado por George Bush Sr. nas eleições de 1988.
No fim do “arco-íris” e passando por cima de um movimento pela paz desmoralizado e despolitizado, a administração Bush levou os EUA à primeira Guerra do Golfo. As ruínas dos movimentos populares, transformados em máquinas eleitorais, ofereceram fraca resistência.

Confundidas pelo duplo discurso de Jackson, as massas desanimadas quebraram. Quatro anos mais tarde, as poucas peças restantes foram apanhadas pelo lacaio da Wall Street, “Bill” Clinton. Uma vez no governo e depois de tocar o seu vitorioso saxofone, o presidente “Slick Willy” (alcunha de Bill Clinton traduzível por “Willie jeitoso” – N.T.) desatou a dizimar os programas sociais, a arrumar as leis Glass-Stiegel e desregular os bancos, a desencadear uma guerra impiedosa de noventa dias para destruir a Jugoslávia e a manter dez anos de bombardeamentos e asfixiantes sanções contra o Iraque que provocaram a morte de 500 mil crianças e muitas mais de adultos.

O cowboy Dennis Kucinich e as primárias de 2004: cuidar do gado progressista no curral do Partido Democrático

Exactamente quando o desapontamento pelas consequências das políticas e podres pecadilhos de Clinton e pelas grotescas guerras de George Bush Jr começavam a unir os descontentes, saltou “do nada” um tal Dennis Kucinich para lançar nas primárias do Partido Democrático de 2004 uma versão da “coligação do Arco-Íris” de Jesse Jackson à moda da classe trabalhadora branca. Poupando uma quantidade de dinheiro em cartazes, reciclou os mesmos slogans dos jacksonistas sobre o sistema nacional de saúde, o aumento do salário mínimo, os impostos maiores para os ricos, a retórica anti-Wall Street e a propriedade dos serviços públicos.

Dado que existia ainda um movimento anti-guerra bastante forte, apelou à destituição do presidente Bush Jr por ter mentido ao povo americano sobre o Iraque. Criticou os democratas do Congresso por apoiarem os pretextos fabricados para a invasão do Iraque e apelou à retirada de tropas americanas do Médio Oriente.

A sua campanha presidencial nas primárias do Partido Democrático atraiu um pequeno exército de eleitores independentes e contribuidores que de outro modo teriam fugido do partido para os Verdes e o seu candidato Ralph Nader. Na Convenção do Partido Democrático, mais parecido com “Alfred E. Neuman” (mascote da revista de humor “Mad” – N.T.) do que com qualquer verdadeiro líder da classe trabalhadora, Dennis esgotou-se sem um murmúrio. Perdeu a nomeação para o super-militarista e herói da classe alta John Kerry, sem dar luta ou sequer fazer um discurso. Aprovou o obnóxio príncipe dos patrões Democráticos, Kerry, um ardente pró-guerra, membro da classe multimilionária e defensor do retalhador da Constituição, o Acto Patriótico.

Kucinich conseguiu meter no curral os Democratas anti-guerra e anti-Wall Street, minando seriamente os movimentos de massas anti-Bush, especialmente os activistas pela paz e a vaga crescente de americanos abertamente favoráveis ao programa do Serviço Nacional de Saúde de Ordenante Único, uma extensão do “Medicare-for-All”.

Kucinich candidatou-se novamente em 2008, mas já era mercadoria estragada. A sua exibição na Convenção Democrática alienou-lhe a maior parte dos apoiantes. Contudo, ainda mais importante que o relegar de Dennis para o caixote do lixo foi a emergência de um novo, jeitoso e infinitamente mais persuasivo vigarista: Barack Obama. Criado no Hawai, afinado pela Ivy-league e coroado em Chicago, era um camaleão de muitas cores, ritmos e clichés, que surgiu em cena tocando todos os instrumentos da banda!

Barack Obama: o maior agitador de massas progressista e mestre do engano

O trabalho de vigarista de Barack Obama ultrapassou de longe qualquer anterior trabalho de Jackson ou Kucinich. A sua espantosa ascensão através de bolhas de retórica deixou a rival Hillary Clinton, há muito batida no palavreado do “Willie jeitoso”, literalmente de olhos esbugalhados e queixo caído. Durante as primárias de 2008, abraçou as exigências progressistas do movimento contra a guerra, prometendo acabar com a guerra no Iraque, fazer regressar as tropas do Afeganistão e fechar o campo de tortura dos EUA na Baía de Guantánamo. Prometeu finalmente desenvolver um plano nacional de saúde (apontando no geral para o modelo Medicare-for-All) e regular a desenfreada fraude e especulação da Wall Street.

Percebendo facilmente a sua retórica fofa, os apoiantes da Wall Street do Partido Democrático garantiram centenas de milhões dos multimilionários, com as quais financiarem um verdadeiro “movimento das bases – em estilo”, derrotando nas primárias Democráticas uma Hillary Clinton estupefacta e enterrando o megamilionário candidato republicano “Mitt” Romney nas eleições gerais.

Obama, qual novo Zelig (personagem camaleónico criado por Woody Allen – N.T.), adoptou as cadências profundas e musicais dos sacerdotes da igreja Baptista frente às audiências negras, ao mesmo tempo que foi atacando e repudiando o seu mentor religioso, o militante negro do “dia da comunidade” de Chicago reverendo Jeremiah Wright, que condenara a guerra no Iraque em francos termos bíblicos e assim alienara os apoiantes financeiros sionistas de Chicago e o seu conselho interno israelocêntrico. Já sem utilidade, o bom reverendo foi efectivamente “lançado borda fora”, uma lição concreta sobre como os licenciados da Ivy League se introduzem nas lutas de massas das comunidades para tratarem das suas ambições.

Depois de eleito, Obama destinou um milhão de milhões de dólares para resgatar a Wall Street, enquanto dois milhões de proprietários americanos se afundavam com dívidas e execuções das hipotecas.

Alargou as guerras em curso no Afeganistão e no Iraque e prosseguiu com novas guerras na Líbia, na Síria e no Iémen. Apoiou golpes violentos contra governos eleitos pelo povo (“mudanças de regime”) nas Honduras, na Ucrânia e no Egipto.

Os confusos dirigentes anti-guerra reciclados, que apoiaram a sua candidatura e as suas mentiras, ficaram desacreditados e o resto do “movimento” todo destroçado.

De início, mais de 80% da opinião pública americana manifestava apoio ao movimento anti-guerra “Occupy”, mas não tinham qualquer organização política de massas para sustentar a luta depois de muitos dos seus líderes terem fugido e finalmente ido ao fundo, agarrados às mentiras de Obama.

Com Obama, foram assassinados mais negros pela polícia com total impunidade, mais prestadores de serviço de aborto foram assassinados e clínicas bombardeadas do que com qualquer presidente republicano branco. Quanto à “intervenção humanitária” na Líbia, dezenas de milhares de africanos étnicos subsaarianos (trabalhadores contratados e cidadãos líbios) morreram na limpeza étnica pós-Khadafi feita pelos senhores da guerra racistas desembestados pelo assalto aéreo de Obama.

Os enfeitiçados progressistas ficaram atordoados com o presidente “negro” da Ivy League e não repararam que as desigualdades sociais se acentuaram a uma velocidade alarmante. Quanto ao acesso aos serviços de saúde, o povo americano foi obrigado a “comprar planos de saúde privados” (muitos dos quais sem préstimo), enquanto os descontos e as não-comparticipações dispararam, forçando todos menos os salários mais altos a renunciarem aos cuidados médicos. A ideia de que “o acesso ao seguro de saúde” era equivalente a ter cuidados de saúde efectivos foi um dos maiores embustes da era Obama. A esperança de vida para largos segmentos de americanos rurais ou das pequenas cidades com baixos rendimentos baixou, uma evolução que era inimaginável em períodos anteriores.

Durante a presidência Obama, o clima político tornou-se raivosamente de direita e os progressistas meteram o rabo entre as pernas e fugiram. Os extremistas de direita inundaram o partido Republicano e tomaram conta do Congresso e do Senado.

Depois de 7 anos de falhanços, frustração e futilidades com Obama, os progressistas encontraram-se sem um movimento, nem perspectivas. Mais de 92% dos trabalhadores do sector privado americano encontravam-se desorganizados e face ao declínio do seu nível de vida. Os bairros negros, chicanos e asiáticos continuaram sujeitos aos brutais raides policiais de grande escala e ao assassínio impune de jovens das minorias, de sem-abrigo, de doentes mentais e de pobres.

Os republicanos prometeram alargar a agenda reaccionária de Obama sem a máscara de negro sorridente. Garantiram maiores benefícios fiscais à Wall Street, sem embaraçadores floreados retóricos, e mais guerras, sem a hipócrita cantilena “humanitária”.

Contra este panorama de expansão da deterioração social e de cansaço da guerra (um pano de fundo que normalmente abriria caminho à possibilidade de uma política alternativa…), aparece Bernie. Bernie Sanders vinha incarnar a Quarta Vinda do messias progressista da campanha das primárias Democráticas e afundar qualquer movimento real para a esquerda.

Bernie Sanders: depois do artista e vigarista negro, venha o radical judeu da casa!
Em 2015, a sociedade americana estava profundamente polarizada. Depois de 7 anos de pilhagem pela Wall Street com o presidente Democrático, Obama, a massa da população trabalhadora procurava uma alternativa. No horizonte, só havia mais do mesmo que estava prometido pela direita raivosa à frente do partido Republicano. A abstenção maciça dos eleitores tinha levado os Republicanos ao poder em ambas as “Casas” nas eleições de 2010, 2012 e 2014. A traficância do terror, a chamada “Guerra Global ao Terrorismo”, já não funcionava com uma população terrificada pela ideia de perder o miserável emprego ou de ficar falida com alguma doença na família. O Pentágono recorreu ao pagamento a atores desempregados para encenarem manifestações “espontâneas” de patriotismo em grandes acontecimentos desportivos, vestindo-se como antigos combatentes e correndo nos campos com enormes bandeiras. Houve uma grande quebra de jovens americanos saudáveis a “alistar-se” e combater em guerras no estrangeiro, apesar da continuada perspectiva de se atolarem em empregos miseravelmente pagos com a chamada “recuperação da economia nacional”. A grande massa do povo trabalhador descontente não alinhava com a escolha plutocrática do partido Democrático, Hillary Clinton, a traficante de guerras, favorita da Wall Street e candidata pró-Israel por excelência. O palco estava agora preparado para receber uma abstenção em massa dos eleitores e uma clamorosa derrota eleitoral de um Partido Democrático com um eleitorado desanimado. Como candidata presidencial, Hillary teria que lutar com unhas e dentes para chegar a desafiar até o mais marginal lunático do cada vez mais bizarro Partido Republicano, porque a desmotivada base de votantes dos Democratas iria ficar em casa.

Aleluia! Eis que um irritante rei das multidões, um “socialista democrático”, surgiu então numa nuvem de perfeição, conjurando a ilusão de um movimento com a promessa de “profundas (e mesmo mais profundas) mudanças”.

Como Jackson e Kucinich antes dele, Sanders lançou-se directamente na Arenga: contra a Wall Street, por um Plano Nacional de Saúde e por uma redução das despesas militares (mas não muito…). Juntou alguns novos cartazes sobre o cancelamento da dívida estudantil, a redução das despesas de educação, o fim da taxa de segurança social e a maior regulação da Wall Street.

As primeiras sondagens deram a Sanders 25% das preferências dos Democratas.
Bernie garantiu aos horrorizados agentes do Partido Democrático que, se Madame Clinton vencesse as primárias, Bernie (e os seus seguidores) dariam imediato e incondicional apoio à traficante de guerras e candidata preferida da Wall Street.

O que vamos fazer das suas promessas e do seu programa radical, se de um dia para o outro pode calmamente fazer uma volta de 180º e apoiar a mais desacreditada escória do Partido Democrático, largamente responsável pelo declínio social e económico do país?

Conclusão

Toda a história dos “progressistas” do Partido Democrático é uma história de engano, hipocrisia e traição a milhões de trabalhadores, minorias e outros grupos oprimidos e excluídos.

Arengam e deliram até à contagem dos votos e então dissolvem a sua organização eleitoral e empurram os apoiantes para a campanha eleitoral do Partido.
Não continuam a luta fora do partido corrupto, simplesmente continuam de barriga erguida “graciosamente reconhecendo a derrota” e abanando a cauda à espera de alguma recompensa, como uma posição inconsequente e inofensiva no governo, se os Democratas vencerem.

Após cada derrota dos “radicais”, os seus apoiantes são deixados à deriva. De facto, ficam pior do que antes, porque a sua actividade foi desviada das suas comunidades para as primárias Democráticas. O registo histórico é claro: depois de Jesse Jackson ter perdido, a Coligação Arco-Íris soçobrou, os movimentos dos direitos civis ficaram mais fracos, a violência policial contra os negros continuou e até piorou.

Depois de Kucinich ter concorrido e perdido, os seus apoiantes das bases nos sindicatos não possuíam qualquer mecanismo para evitarem a deslocalização das fábricas de automóveis, aço e têxteis para o estrangeiro.

Depois de Obama ter enganado os progressistas americanos, o movimento pela paz e pela justiça desapareceu virtualmente. As alianças entre igreja, sindicatos e comunidades que celebraram a “vitória histórica” de Barack Obama sofreram um recuo histórico. As únicas coisas “históricas” com Obama no governo foram (1) o resgate bilionário da Wall Street, (2) o número de guerras simultâneas desencadeadas pelo Pentágono, (3) os milhões de pessoas de cor chacinados na Líbia, na Síria e no Iémen, (4) os milhares das minorias mortos nas pequenas e grandes cidades dos EUA, e (5) as dezenas de milhares de perdidos em mortes prematuras nas pequenas cidades e nas cidades rurais da América economicamente devastadas.

O actual espectáculo ‘Bernie”Sanders não faz mais que reciclar o passado rumo às mesmas promessas retóricas e inconsequentes dos seus antecessores.

Alguns dos ingénuos seguidores argumentam que ele é importante por “levantar questões”, quando de facto apenas as levanta logo desmoraliza os seus defensores.
Outros gurus dizem que ele está a “desafiar” o Partido Democrático “pela esquerda” quando de facto está fazendo todos os possíveis para evitar que milhões de eleitores ex-Democratas desinteressados, principalmente trabalhadores e minorias, rejeitem os Democratas e se juntem ou formem movimentos políticos alternativos.

A chave para compreender porquê milhões de americanos, fartos de 30 anos de pioria de vida e de condições de saúde, de aumento da desigualdade e de guerras perpétuas, não formam um “partido alternativo” é terem sido repetidamente enganados e encurralados no Partido Democrático pelos “radicais da casa”.

Jackson, Kucinich, Obama e Sanders prometeram mudanças radicais nas primárias e a seguir entregaram os seus apoiantes, na maior parte trabalhadores desafectos, aos oligarcas do Partido, abandonando-os longe dos movimentos sociais de onde vinham e sem esperança no futuro, como se abandonam preservativos usados. Será de admirar que tantos se abstenham!

Tradução: Jorge Vasconcelos

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