Complexo do Alemão: A manipulação da “vitoriosa guerra contra o tráfico”
Nada de novo no “front” do Rio de Janeiro.
Estimulada por uma mídia burguesa, aliada ao governo do Estado do Rio de Janeiro e a sua política de Segurança Pública, a população brasileira tem a falsa impressão de que a região metropolitana do Rio de Janeiro está prestes a viver novos dias, com uma melhora qualitativa da sensação de segurança.
Foi a busca por tal sensação de segurança que levou a grande maioria dos trabalhadores, além da totalidade dos setores médios e da elite, a parar frente à TV nos últimos dias para assistir a um espetáculo midiático, comparável à invasão do Iraque pelo imperialismo norte-americano. Era como um filme de mocinhos e bandidos, em que a grande maioria torcia avidamente para que as polícias militar e civil e ainda as Forças Armadas, simplesmente eliminassem a vida de varejistas do tráfico de drogas – mesmo que, a custo disso, morressem inocentes, e bairros populares fossem transformados em verdadeiras praças de guerra.
Os últimos acontecimentos vêm confirmar o caráter de ocupação de uma zona de guerra, onde os civis de solo ocupado, pouco, ou nenhum direito tem. Multiplicam-se denuncias ora formais, ora pelos sussurros escondidos pelo medo de moradores que tiveram dinheiros roubados pela policia, ameaças de agressão, desaparecimentos sem explicação nenhuma dos órgãos oficiais. Cenas que parecem reflexos de um Haiti ocupado pela ONU e pelo Brasil, onde uma forte criminalização dos movimentos sociais, e da própria população ocupada, que tem até o direito de ir e vir questionado pelas “autoridades”.
As denuncias ganham espaços de rodapé nos noticiários, que continuam colocando como manchete as glorias de uma policia que ganhou status de “nada consta” em sua corrida folha de crimes e corrupções, de conivência e até favorecimentos a facções criminosas e grupos de milícias.
Num quadro onde o Secretário de Segurança do Estado, Beltrame, cercado por um forte aparato policial e militar, e todas as pompas da mídia visita a área, como legitimo representante de uma força de ocupação, como se tratasse de um território inimigo. Apresentando mais uma vez para a população local, a única face do estado para os trabalhadores, a face da repressão.
Ao PCB preocupa esse fato: estimula-se, entre a população, uma visão fascistóide de mundo, como se “limpezas finais” fossem soluções para qualquer conflito. A História já demonstrou, através de vários exemplos, que tal pensamento deve ser firmemente combatido. Após as últimas ações, ocorridas nesse final de semana no complexo do Alemão, impõem-se algumas afirmações e questionamentos. Crer que os acontecimentos da última semana garantirão a segurança desejada pela população é equivocado; transmitir isso para população – como vêm fazendo os meios de comunicação – é propaganda mentirosa.
Há décadas o tecido social no Rio de Janeiro vem se deteriorando por culpa de interesses capitalistas tanto na organização do território quanto na oferta de serviços e equipamentos públicos para a maioria da população.
Tal fato tende a se agravar: o custo de vida na região metropolitana do Rio cresce exponencialmente desde que a cidade foi escolhida sede das Olimpíadas de 2016, e o exemplo mais nítido disso está no mercado imobiliário. Ter um teto sob o qual morar, no Rio de Janeiro, está cada vez mais caro. Para piorar a situação, a população desta região metropolitana vive com os maiores custos de alimentação e transporte público do país.
Ao mesmo tempo, as políticas de emprego, geração e transferência de renda, educação, saúde, além da oferta de equipamentos esportivos e sócio-culturais são cada vez mais vilipendiadas pela lógica capitalista de ausência e desresponsabilização do Estado.
Não à toa as Oscips no setor de atendimento médico e o desempenho pífio dos estudantes do Estado nos exames do Ministério da Educação, além de fatores de menor repercussão midiática, como a concentração de cinemas e teatros nas áreas mais abastadas da cidade, bem como a ausência de locais para o lazer. Concentram-se nessas áreas do Rio de Janeiro os piores indicadores sociais, os maiores índices de gravidez adolescente, a maior incidência de subemprego, as maiores deficiências de saneamento básico, etc.
Tais fatos foram jogados para debaixo do tapete nas últimas eleições, numa aliança explícita entre os grandes grupos de mídia e o atual grupo político que comanda o Rio de Janeiro. Ao contrário de sua postura quase sempre denuncista e falsamente moralizante, a imprensa burguesa chegou ao ponto de escamotear a existência de trabalho escravo e os claros indícios de enriquecimento ilícito, materializado entre outras coisas em mansões em Angra dos Reis (RJ); fatores que atingiriam politicamente personagens fundamentais desse agrupamento político.
No meio de tudo isso está a atual política de Segurança Pública do Rio de Janeiro. É ela a fiadora de manchetes mentirosas e da ação hegemônica em criminalizar a pobreza entre a população. É a atual política de segurança pública, materializada fundamentalmente nas UPPs, que poderá viabilizar projetos políticos maiores para alguns e o lucro crescente para setores fundamentais da burguesia brasileira e carioca: com a copa do Mundo de 2014 e as olimpíadas de 2016, é preciso garantir uma sensação de segurança mínima para expandir a especulação imobiliária, os serviços de telecomunicações/mídia e os grandes investimentos em infra-estrutura e transporte urbanos, num ciclo propício à corrupção há muito conhecido.
Cabe assim o registro que se segue, publicado pela revista Piauí: as UPPs são um dos maiores “cases” de marketing dos últimos anos. De acordo com a publicação, os “serviços de comunicação e divulgação” da secretaria de segurança do Rio saltaram de R$ 66,9 milhões para R$ 91,7 milhões. Além disso, o secretário José Beltrame já promoveu 138 almoços com “formadores de opinião” desde a posse, e deu 223 entrevistas, sendo que 39 para a imprensa estrangeira, sempre com as UPPs como jóias da pauta.
Assim, é preciso dizer claramente: a atual política de Segurança Pública do Rio de Janeiro é uma farsa, que se presta à expansão dos investimentos privados e a garantia de lucros futuros para grandes grupos do capitalismo internacional e brasileiro.
O controle do território pelo estado – principal ponto da atual política de Segurança Pública e lógica que justifica as UPPS – só vale para algumas localidades, próximas às áreas mais nobres da capital, que servirão como base territorial para a expansão dos investimentos privados e públicos.
Para corroborar nosso ponto de vista, e desmascarar a falácia do atual governador de que todas as comunidades serão “libertadas”, está a mais pura e simples matemática: existem cerca de 1.020 favelas na região metropolitana do Rio de Janeiro. Hoje as UPPs estão em 14 delas, com um contingente de quase quatro mil policiais (10% do efetivo da PM). Não há orçamento neoliberal que garanta pessoal suficiente para ocupar as mais de 1.000 favelas sem UPPs.
Por outro lado, e estranhamente, todas as UPPs foram instaladas em locais comandados por uma única facção criminosa. Para a Zona Oeste do Rio de Janeiro, onde vivem mais de 50% da população da cidade e local no qual mandam as milícias (criminosos de farda), não há projeto de UPP.
Foram tais fatores que apenas deslocaram o crime organizado para pontos mais distantes da região metropolitana e, em alguns casos, fizeram mudar de mãos o controle de alguns pontos do varejo das drogas, inclusive em comunidades ditas “pacificadas” pelas UPPs. Estas mudanças por vezes se deram através de acordos, por vezes através da disputa de território – com os tiroteios típicos que vitimizam trabalhadores e inocentes. Não é por outro motivo que, em todas as operações policiais para instalar as atuais 14 UPPs, não houve sequer uma dezena de prisões, um quilo de entorpecente ou uma mísera arma de grosso calibre apreendidos. Isso também explica de onde surgiram tantos armamentos e varejistas do tráfico nas imagens veiculadas pela TV desde a última quinta-feira. Armas que, aliás, não foram fabricadas no interior daquela localidade. Chegaram até ali através de uma cadeia que a muitos interessa manter, pois a muitos enriquece: no atacado pela corrupção; no varejo através dos “arregos” pagos a bandidos de farda.
Esta cadeia do tráfico permanece intocada, como bem sabem os moradores de localidades subjugadas pelas milícias. Os grandes traficantes de drogas e contrabandistas de armas, durante estes dias da “guerra do Complexo do Alemão”, estavam incólumes em suas ricas residências nos bairros nobres, assistindo tudo pela televisão para acompanhar os rumos de seus negócios. Provavelmente estes atacadistas já têm seus interlocutores e sócios entre aqueles que que “ocuparão” a Vila Cruzeiro e o Complexo do Alemão.
Ademais, é preciso esclarecer os motivos que justificaram as ações policiais promovidas desde a última quinta-feira: quem de fato promoveu os incêndios de automóveis? Por que tais ações se diferenciaram em muito das promovidas anteriormente pelo tráfico de drogas, inclusive permitindo que os cidadãos se retirassem dos meios de transporte? Por que tais ações se reduziram em muito desde que a ocupação da Vila Cruzeiro virou fato consumado, já que poucos foram os presos até o momento?
Para o PCB, é imperativo o esclarecimento de tais fatos. Que as investigações da polícia e da justiça sejam transparentes e abertas à participação de entidades da sociedade civil.
Por fim o PCB afirma: a culpa pelo atual estado de coisas é do capitalismo, de sua lógica e de seus interesses. Ele é o inimigo a ser combatido e derrotado pelos trabalhadores.
30 de novembro de 2010
Partido Comunista Brasileiro
Secretariado Nacional
Comitê Regional do Rio de Janeiro