Megaincêndio florestal revela ruína de vilas palestinas destruídas no fim dos anos 1940

O trágico incêndio nas florestas que forravam o Monte Carmel, na cidade israelense de Haifa e que resultou na morte de 41 pessoas e na destruição de um patrimônio nacional, trouxe à tona um tema incômodo para a história de Israel. No local, nos anos 1940, viviam centenas de famílias palestinas, que foram forçadas a abandonar suas propriedades pelo exército israelense. Somente uma pequena comunidade de palestinos permaneceu no local.

O maior incêndio da história de Israel demorou quatro dias para ser extinguido e revelou a falta de preparo e de logística para enfrentar uma situação de tamanhas proporções. Cerca de 20 países enviaram ajuda aérea, equipamentos técnicos e pessoal para apagar as chamas, inclusive carros de bombeiro dos territórios palestinos.

Formada principalmente por árvores coníferas, como eucaliptos, as florestas foram criadas a partir de1948 pelo FNJ (Fundo Nacional Judaico), uma organização criada em 1901 para criar e desenvolver terras na Palestina para judeus. Após a criação do Estado de Israel, o FNJ se tornou um instrumento da expansão judaica.

A denúncia de que no local havia vilas palestinas é corroborada pelo historiador palestino Jonny Mansour, que estuda a trajetória da comunidade palestina de Haifa. Ele vive na parte baixa da cidade e pôde observar a destruição da floresta no Carmel. De acordo com ele, onde hoje há cidades israelenses e parques naturais, havia vilas palestinas. “Um dos lugares que foram queimados foi a vila de Umm-Al-Zinnat, completamente destruída”, afirmou ao Opera Mundi.

De acordo com um mapa disponibilizado pela organização pró-palestina BagPoud, que mostra a localização de antigas vilas palestinas no terrítória da Palestina, a região de Haifa era ocupada por mais de dez cidades palestinas.

Conforme conta o historiador israelense Illan Pappè no livro Limpeza Étnica da Palestina, diversos pontos habitados por palestinos foram alvo de uma política de antirrepatriação nos anos 1940, logo após a criação do Estado de Israel: “a maior parte das atividades já para o final das operações de limpeza étnica de 1948 estavam focadas em implementar a política de antirrepatriação de Israel em dois níveis. O primeiro era nacional, introduzidas em agosto de 1948 por uma decisão do governo israelense de destruir as vilas tomadas e transformá-las em novos assentamentos judeus ou em florestas ‘naturais’. O segundo era diplomático, esforçar-se ao máximo para amenizar a pressão internacional crescente sobre Israel para permitir o retorno dos refugiados.”

Mansour contou a história da vila de Ein Hod (chamada pelos palestinos de Ayn Hawd) antes de maio de 1948, a mais famosa entre as vilas ocultas que emergiram do fogo do Carmel. “Em 1948, o exército israelense disse aos moradores que deixassem a vila momentaneamente e que a eles seria permitido retornar. Uma parte da população armou um acampamento em uma caverna próxima à vila original. Mas perceberam que não poderiam voltar, pois viam a construção de uma cidade judaica. Os palestinos permaneceram próximo a sua antiga vila e durante o incêndio, ficaram a pouquíssimos metros do fogo”. Tanto a cidade judaica quanto a vila palestina foram evacuadas pelas autoridades israelenses durante o incêndio.

Aspecto europeu

Além de encobrir a “limpeza” feita em localidades palestinas, as florestas de coníferas que compõem os parques nacionais serviram também para tentar dar a Israel um aspecto mais europeu. O jornalista Max Blumenthal, em artigo no site Electronic Intifada, explicou como isso foi feito no Monte Carmel.

“O FNJ plantou centenas de milhares de árvores sobre vilas palestinas ainda recém-destruídas como al-Tira, ajudando a estabelecer o Parque Nacional Carmel. Uma área da face sul do Monte Carmel lembrava tanto a paisagem do Alpes Suíços que foi apelidada de ‘Pequena Suiça’. Claro, as árvores do FNJ eram pouco adaptáveis ao ambiente da Palestina. A maioria das amostras que o Fundo planta em um lugar como Jerusalém simplesmente não sobrevive, e requer plantação frequente. Em outros lugares, as folhas das coníferas mataram espécies de plantas nativas e causaram dano ao ecossistema. E, como vimos na queimada do Carmel, as chamas das árvores do FNJ se espalharam como um pavio inflamável no calor seco”.

De acordo com Blumenthal, que visitou a cidade de Ein Hod, os próprios habitantes reconhecem que ali viviam palestinos. Ao questionar uma israelense se ela sabia que, onde atualmente há um bar, funcionava uma mesquita, ela responde: “Mas tudo em Israel é assim. Esse país inteiro foi criado em cima de vila árabes. Então é melhor deixar de lado isso.”

Em seu livro de memórias, David Ben-Gurion, o primeiro chefe de governo de Israel, escreveu: “Quando olho pela minha janela e vejo as árvores, elas trazem um significado de beleza e encanto pessoal maior do que os que senti na Suíça e na Escandinávia. Porque cada uma dessas árvores foi plantada por nós.”

Investigação

Após o luto pelas mortes provocadas pelo incêndio no Monte Carmel, agora as atenções da mídia e da população se voltam para a investigação dos culpados pelo desastre. E não sobram críticas para o governo do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu.

A imprensa do país já chama o incêndio de a “Segunda Guerra do Líbano”. Em 2006, o exército de Israel não conseguiu destruir o grupo Hizbollah, alvo das operações. O fracasso foi um dos fatores para a queda do então primeiro-ministro Ehud Olmert.

Muitos israelenses questionaram a habilidade do governo em lidar com desastres ecológicos. O fogo só foi extinguido após a ajuda de países da Europa, além de Chipre, Egito, Jordânia e Turquia, com quem Israel tem tido estremecimento nas relações nos últimos dois anos. E, por último, carros de bombeiros foram enviados dos territórios ocupados da Palestina.

O chefe da Defesa Civil da cidade de Belém, Ibrahim Ayish, disse à agência de notícias palestina Maan que 21 homens da Cisjordânia e quarto carros de bombeiros totalmente equipados estavam ajudando israelenses e as forças internacionais que tentavam controlar o fogo perto de Haifa.

Netanyahu pode sair ileso do fiasco, mas o mesmo não pode ser dito de seu ministro de Interior, Eli Yishai. Em relatório do Controlador Geral do Estado, Micha Lindenstrauss, liberado na quarta-feira (08/12), Yishai foi apontado como principal culpado pela “deterioração e falta de preparo das forças de combate a fogo de Israel e dos serviços de ajuda de emergência”, informou o jornal israelense Haaretz.

O despreparo custou 41 vidas e fez 17 mil pessoas serem evacuadas. O prejuízo pode chegar a dois bilhões de shekels (cerca de um bilhão de reais) entre perdas, reconstruções de casas, estradas e infraestrutura.

O controlador-geral já apontava em relatório de 2007 que o serviço de combate a fogo era o mais fraco entre as forças de resgate de Israel. E em relatório no início deste ano, declarou que a situação havia se deteriorado.

O Haaretz pediu em editorial do dia 6 de dezembro a renúncia do ministro do Interior. “Yishai acusa o Ministro das Finanças, Yuval Steinitz, e seus oficiais do Tesouro de ignorar suas requisições para aumentar a receita de combate a fogo. Mas ele mesmo não mostrou a mesma persistência que teveem suas batalhas contra os filhos de trabalhadores migrantes, ou à expansão dos assentamentos em Jerusalém Oriental”.

O controlador não decidiu ainda se fará uma investigação detalhada sobre o incêndio do Carmel. Segundo o diário israelense, ele esperará recomendação do Comitê de Aperfeiçoamento dos Serviços do Governo para uma investigação nacional dos eventos do incêndio após a apresentação do relatório ao próprio Comitê.

Fonte: Opera Mundi