Guantánamo. O que ocultam as promessas não cumpridas de Obama
Silvina M. Romano*
«(…) O encerramento de Guantánamo pode ser analisado como parte de uma problemática muito mais profunda, já que põe em discussão não só as estratégias «válidas» para lutar contra o «terrorismo» a nível internacional, como remete para a pergunta quem são os que «mandam» nos EUA e quais os negócios e interesses que estão por trás do encarceramento massivo».
O GOVERNO DE Obama apresentou um plano ao Pentágono para o encerramento da prisão de Guantánamo, onde se encontram 91 «terroristas» dos 779 prisioneiros que anteriormente já a ocuparam. A proposta é enviar para terceiros países a fim de serem libertados os que tem informação da Defesa para isso, e trasladar os restantes para alguma prisão dentro dos Estados Unidos (prisões que se encontram na Carolina do Sul, Kansas e Colorado). Esta transferência há muito que tem a desaprovação do Congresso, pelo que as opções são as seguintes:
1) Revogação da Lei de Defesa de 2010 pelo Congresso, que proíbe a transferência dos prisioneiros de Guantánamo para os EUA;
2) Que Obama transfira os prisioneiros invocando os poderes dados pela Constituição, se conseguir reduzir o número de prisioneiros ao que não poderão ser transferidos, cerca de 40 homens;
3) Deixar a prisão em funcionamento para ver o que decide o novo presidente [1].
Quanto à opção 2) há que recordar que o Executivo invocou o seu poder para a abrir a prisão, pelo que agora parece improvável que utilize esta possibilidade para a fechar [2]. Obama já se baseou neste poder para ordenar o bombardeamento da Síria por forças dos EUA, sem autorização do Congresso e em clara violação das leis internacionais; também invocou o seu poder extraordinário para expandir a vigilância do Estado nas redes, a fim de recolher informação sobre potenciais terroristas (e-mails, chats, mensagens, chamadas, etc.) no interior do território estadounidense. Para fechar Guantánamo esperará o apoio do Congresso (ainda que os antecedentes mostrem uma escassa probabilidade de poder contar com esta ajuda).
O tema de Guantánamo adquiriu visibilidade há anos, quando o Senado apresentou um relatório com as estratégias de tortura para a obtenção de informações por parte da CIA na guerra contra o terrorismo, referindo os abusos que são praticados em prisões como Guantánamo [3]. Na altura assumiu-se que a violação dos Direitos Humanos tinha sido «brutal» e «profundamente errado» [4] tendo Obama então declarado: «Continuarei a usar a minha autoridade como presidente como forma de garantir que nunca mais recorreremos a estes métodos». No entanto, nada se passou, deixando muito claro que uma coisa é chegar ao governo e outra muito diferente é ter o poder [5] suficiente para domar a vontade dos comandos militares, que são os que ostentam boa parte da tomada de decisões num país governado por uma elite poderosa qua actua atrás de uma fachada de democracia pluralista perfeita.
Esta elite do poder (cúpula da classe dominante) é composta por um número de empresários cujos interesses estão directamente associados à «separação» do «complexo-industrial prisional» dos EUA nas últimas décadas. Este conceito utiliza-se para dar dos interesses partilhados entre o governo e empresas que utilizam a vigilância, o poder policial e prisional como soluções de problemas que, na realidade, encontram a sua raiz em questões económicas, sociais e politicas [6]. Este complexo industrial prisional é promovido pelo Estado e administrado por empresas como Corrections Corpo of América (CCA) e GEO Group, lideres na aliança da indústria correcional, um negócio de 70 mil milhões de dólares anuais [7].
Um dos argumentos reais (e não no plano da suposta preocupação ética que gera a tortura) para encerrar Guantánamo é que cada preso custa às arcas dos Estados Unidos uma média de 4,4 milhões de dólares por ano. Isto não é uma excepção, pois no interior dos EUA, só em 2010, gastaram-se 80 mil milhões no complexo industrial prisional [8].Os Estados Unidos são líderes na quantidade de presos, 2,2 milhões de pessoas na prisão e mais de 4,8 milhões em liberdade condicional(a China conta com 1,7 milhões de presos e a Rússia com 670 mil). Os negros e os latino-americanos são os presos maioritários, representando 39% dos presos [9].
Perante este cenário, o encerramento de Guantánamo pode ser analisado como parte de uma problemática muito mais profunda, já que põe em discussão não só as estratégias «válidas» para lutar contra o «terrorismo» a nível internacional, como remete para a pergunta quem são os que «mandam» nos EUA e quais os negócios e interesses que estão por trás do encarceramento massivo; que sociedade pretende construir (ou destruir) a classe dominante estadounidense. Isto é no mínimo preocupante quando são estes os sectores que pressionam para a elaboração e aplicação das regras sobre a democracia e a justiça a nível internacional; além disso são questões já por si inquietantes num ano eleitoral.
Notas:
[1] http://www.nytimes.com/
[2] Derpois do 11 de Setembro os procuradores do executivo manipularam a Lei para outorgar as atribuições necessárias à criação de Guantánamo ao governo Bush. Por sua vez, o Congresso aprovou a Autorização para o uso de Força Militar que permite ao presidente, como Comandante Supremo do Exército em tempo de Guerra, manter aberta a prisão de Guantánamo, forçar o interrogatório dos detidos ( o que é considerado «tortura» em todo o mundo) e levar a cabo outras acções extraordinárias a determinar num quadro de guerra contra o terrorismo. Ver: http://www.truth-out.org/
[3] Ver por exemplo: Guantánamo Force-Feeding Causing Agony, Says US Judge http://www.truth-out.org/
[4] http://www.elmundo.es/
[5] http://www.atilioboron.com.ar/
[6] http://www.publiceye.org/
[7] http://www.huffingtonpost.com/
[8] https://www.americanprogress.
[9] http://www.huffingtonpost.com/
*Silvina M. Romana é Doutora em Ciência Política pela Universidade Nacional de Córdoba – Argentina
Este texto foi publicado em: http://www.celag.org/
Tradução de José Paulo Gascão