Líbia mais dividida na guerra do petróleo*
Carlos Lopes Pereira
A Líbia está cada vez mais dividida e ingovernável. Alastra a guerra entre facções rivais pelo controlo do petróleo. Aumenta a ingerência estrangeira. Aviões norte-americanos bombardeiam há dois meses Sirte. A Itália vai mandar militares para o terreno. Pela primeira vez são enviados militares para o terreno em missão permanente, juntando-se às forças especiais dos EUA, Grã-Bretanha e França que operam na Líbia em acções encobertas.
A Líbia está cada vez mais dividida e ingovernável. Alastra a guerra entre facções rivais pelo controlo do petróleo. Aumenta a ingerência estrangeira. Aviões norte-americanos bombardeiam há dois meses Sirte. A Itália vai mandar militares para o terreno.
Tropas do general Khalifa Haftar, ligado às autoridades de Tobruk, no Leste, conquistaram na semana passada quatro terminais do «crescente petrolífero» líbio, uma zona estratégica para a economia do país, até agora controlada pelo Governo de Unidade Nacional (GUN), com base em Trípoli e apoiado pelos EUA e aliados.
O «crescente petrolífero» estende-se por uma baía do Nordeste líbio e inclui os importantes terminais de Ras Lanouf e Sidra, além do porto de Zueitina, encerrado, e de Marsa Brega, que funciona esporadicamente. Estes locais eram defendidos pelos Guardas das Instalações Petrolíferas, uma milícia do Leste que ainda neste Verão tinha jurado lealdade ao GUN, reconhecido pelas Nações Unidas.
Logo após a ocupação das instalações petrolíferas, tanto o enviado especial da ONU para a Líbia, Martin Kobler, como os EUA e potências europeias (Grã-Bretanha, Alemanha, França, Itália e Espanha) multiplicaram declarações exigindo a retirada sem condições de todas as forças armadas da zona, o cessar-fogo imediato, o reconhecimento de GUN como o único governo do país e a abertura de negociações entre as facções.
Kobler, em Nova Iorque, reconheceu que o general Haftar «deve desempenhar um papel no futuro da Líbia» e reclamou a presença de observadores internacionais em solo líbio, provenientes da Liga Árabe e da ONU, bem como o regresso dos embaixadores de diferentes países que se encontram «temporariamente» na vizinha Tunísia.
O chefe do GUN, Mohamad Fayez al-Serraj – instalado numa base naval em Trípoli – apelou também ao diálogo político com o parlamento de Tobruk e afirmou não estar disposto a governar apenas parte da Líbia e a manter uma guerra contra a outra parte «por razões políticas, ideológicas ou regionais».
Em resposta, o Exército Nacional Líbio, de Haftar, indicou que a operação militar destinou-se a «proteger as pessoas e a sua riqueza contra a corrupção». E prometeu as tropas se manterão apenas na protecção das instalações petrolíferas, cuja gestão voltará para a Companhia Nacional do Petróleo, para que possa retomar e aumentar as exportações. Há cinco anos, antes da destruição do país pelas potências ocidentais, a Líbia exportava por dia um milhão e 600 mil barris de petróleo. As exportações caíram hoje para 200 mil barris diários.
Khalifa Haftar, um antigo companheiro de Muhamar Kadhafi, esteve refugiado nos EUA durante duas décadas, desde 1991, protegido pela CIA. Regressou à Líbia, entrando por Benghazi, no Leste, em 2011, durante a agressão da NATO, e desde então tem procurado impor a supremacia militar das suas forças, armadas e financiadas pelo Egipto, o maior aliado norte-americano no Norte de África.
Fomentar a guerra e doar um hospital
Este revés militar, político e económico do GUN evidencia a divisão da Líbia entre as regiões do Oeste e do Leste, cada uma delas com as suas «autoridades» e forças armadas, disputando o controlo do petróleo.
Ocorre quando as milícias governamentais continuam a tentar conquistar Sirte, um bastião do auto denominado «Estado Islâmico» (EI). A batalha trava-se há cinco meses e, desde finais de Julho, a força aérea dos EUA apoia o GUN bombardeando incessantemente posições dos jihadistas sitiados.
Os aviões norte-americanos saem das bases militares da NATO em Itália, cujo governo autorizou os EUA a utilizá-las para esse fim – tal como em 2011, na missão «humanitária» que conduziu ao derrube do regime de Kadhafi e à destruição do Estado líbio.
Além disso, a Itália é o primeiro país ocidental a colocar forças militares na sua antiga colónia. A ministra da Defesa, Roberta Pinotti, anunciou a construção «imediata» de um hospital de campanha junto do aeroporto de Misrata e o envio de cerca de 300 militares, entre pessoal médico e de enfermagem, de apoio logístico e de protecção, apoiados por um avião e um navio de guerra.
Pinotti insistiu em Roma, perante congressistas e senadores, que «não se trata de uma missão travestida de humanitária» mas de um hospital de 50 camas para tratar dos milicianos que combatem o EI. E esclareceu que esta «Operação Hipócrates» se faz a pedido do GUN ao governo de Matteo Renzi.
Sabia-se já que forças especiais dos EUA, Grã-Bretanha e França operam na Líbia, em acções encobertas, mas é a primeira vez que são enviados militares para o terreno em missão permanente.
*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2234, 22.09.2016
http://www.odiario.info/libia-mais-dividida-na-guerra-do/