Declaração Política do Encontro Nacional de Saúde do PCB

imagemNos dias 23 a 25 de setembro do presente ano aconteceu, na cidade do Recife – PE, o Ativo da Fração Nacional de Saúde do PCB. O encontro reuniu militantes da área da saúde de diversos estados e teve como objetivo discutir a atuação do partido nesse setor. Foram debatidas questões organizativas relacionadas à Fração, eixos de trabalho e temáticas a serem aprofundadas para a melhor compreensão dos problemas relacionados à saúde no país.

Diante da intensificação dos ataques às políticas sociais, em especial à saúde, a atenção do partido nessa área é fundamental para que seja possível organizar a resistência dos trabalhadores com relação à perda de seus direitos. A saúde representa um elemento de medição imediata das condições de vida, constituindo-se em um campo importante para a problematização das contradições da sociedade capitalista. Apesar do entendimento de que somente em uma sociedade socialista sua satisfação possa ser plena e para todas as pessoas, a luta pela saúde inscreve-se na luta geral da classe trabalhadora, podendo contribuir para seu processo de tomada de consciência.

A Fração Nacional de Saúde do partido é composta por militantes do PCB de diversos campos de atuação e conhecimento e que desenvolvem suas atividades na área de saúde. Segue link para a Declaração Política do encontro.


Declaração Política do Ativo Nacional de Saúde do PCB

Entendemos o processo saúde doença como resultado das condições materiais de vida a que são submetidos os seres humanos. Nos diversos momentos da história da humanidade o conceito de saúde, a compreensão do processo de adoecimento, os perfis patológicos e as formas estruturadas de cuidado variaram de acordo com o grau de desenvolvimento das forças produtivas (conhecimento, nível de desenvolvimento tecnológico e meios disponíveis), das relações sociais de produção hegemônicas na sociedade e dos elementos da superestrutura deles decorrentes.

Para que esse entendimento possa ser adotado, é necessário abandonar o pensamento linear que naturaliza a doença como fenômeno individual e produto de uma perturbação imediata (de natureza biológica, física, química ou mental) do estado de equilíbrio representado pela saúde.

Saúde e doença, então, são tomadas como par dialético em processo de constante transformação, sendo necessário, para sua compreensão mais ampliada, a identificação dos múltiplos fatores que o influenciam.

Nas sociedades capitalistas, marcadas por uma acentuada divisão de classes, a saúde e a doença se apresentam de maneira distinta aos indivíduos e coletividades, de acordo com a classe onde são observadas.

Assim, no capitalismo, a saúde e a doença podem ser consideradas como elementos de mediação imediata para a problematização das condições de vida da classe trabalhadora, adquirindo também outras dimensões que atendem aos interesses do capital.

Encontram-se particularidades nos processos de adoecimento da classe trabalhadora que são condicionados às atividades produtivas desempenhadas, assim como outros aspectos de vida, permeados pelas contradições engendradas pelo capitalismo na sociedade, demandam um entendimento de suas peculiaridades (as questões de gênero, orientação sexual, étnicas, população do campo, etc.).

Não só a saúde física dos indivíduos se encontra comprometida com o processo de exploração a que está submetida a classe trabalhadora; cada vez mais fica evidente o quanto isso contribui com o aparecimento e recrudescimento de distúrbios mentais, associados também às exigências de um estilo de vida que não encontra condições para sua satisfação.

O estilo de vida imposto à população em geral trouxe novos problemas de saúde como a obesidade, doenças crônico degenerativas, neoplasias, etc., que passaram a coexistir com aquelas ainda não superadas, como as doenças infecto contagiosas. Os impactos disso para a classe trabalhadora é ainda mais gritante uma vez que não encontra a retaguarda de um sistema de saúde necessária para seu enfrentamento de maneira adequada.

Outros processos inerentes à atual fase do capitalismo, como a utilização do espaço urbano para a valorização do capital, promovem uma ocupação desordenada das cidades, responsável pela piora da qualidade de vida, empurrando os trabalhadores para áreas mais distantes, desprovidas de infraestrutura necessária de transporte, escola, saneamento básico, condições dignas de moradia, etc., o que também contribuiu com o recrudescimento e aparecimento de novas doenças transmitidas por vetores (dengue, chikungunya, zika vírus, etc.).

A utilização cada vez maior de agrotóxicos para a produção de alimentos aos moldes do modelo empresarial do agronegócio vem a cada dia trazendo mais veneno à mesa dos trabalhadores, com repercussões ainda não dimensionadas.

Ao lado de tudo isso, a saúde ainda cumpre um papel importante para o processo de acumulação capitalista: os gastos mundiais com saúde são estimados em 10% do PIB mundial.

Contribuem para isso o modelo biologicista que traz o curativismo para o centro de suas ações, necessitando para tal a incorporação e utilização não racional de novas tecnologias, o hospital como lócus privilegiado das ações em saúde, a medicamentalização da sociedade, etc., auferindo lucros para o complexo médico-hospitalar-farmacêutico.

Os avanços no conhecimento, desenvolvimento de novos procedimentos, materiais e insumos ao invés de serem destinados ao atendimento das necessidades da população, são apropriados privadamente, objetivando o lucro, apartando a classe trabalhadora daquilo que é fruto do próprio desenvolvimento da humanidade ao longo de sua história.

A saúde passa então a desempenhar um papel de destaque para o capitalismo: recompõe a força de trabalho para a manutenção de sua exploração, cria novas demandas de consumo de bens e serviços e legitima a própria ordem do capital através das políticas públicas de saúde.

Apesar do caráter de classe do Estado nas sociedades capitalistas encontrar-se subsumido em seu discurso de igualdade de direitos e universalidade de acesso às políticas públicas, o próprio histórico do Sistema Único de Saúde (SUS) permite identificar as contradições e insuficiência de suas ações para atender plenamente a um projeto de saúde para a classe trabalhadora. Ainda assim não é possível prescindir de uma atuação junto ao mesmo na luta pelo direito à saúde.

Mesmo que pesem críticas ao Movimento da Reforma Sanitária Brasileira, não se pode deixar de considerar as décadas de 1970 e 1980 como um importante período na luta pela saúde no país, com papel de destaque para a atuação dos comunistas, mesmo que isso seja reflexo do momento em que o partido passava naquele momento.

Apesar de alguns avanços importantes nas políticas de saúde no Brasil, a efetiva implementação do SUS ainda não chegou a ser consolidada, apresentando contradições que incidem diretamente em questões estruturais que representam impedimentos do pleno exercício do direito à saúde.

Para esse entendimento, alguns elementos necessitam ser considerados, como o sub financiamento (por investimentos insuficientes, cortes no orçamento e mudanças nas normas de financiamento das ações em saúde) e o desfinanciamento (drenagem de recursos para o setor privado conveniado e mecanismos legais de desvinculação orçamentária), representando uma questão fundamental a ser enfrentada para a retomada do processo de implementação do SUS.

No atual momento do processo de acumulação capitalista, o avanço sobre o fundo público constitui outro importante movimento do capital na consolidação de seus interesses, através do chamados “Novos Modelos de Gestão” (Organizações Sociais; Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, Serviço Social Autônomo) e representam, em última instância, a privatização do SUS, desresponsabilizando o Estado na execução dos serviços de saúde e submetendo a população à lógica do mercado no provimento das ações em saúde em detrimento aos seus interesses.

A proposta de Cobertura Universal de Saúde proposta pela Organização Mundial de Saúde (OMS) representa a tentativa de legitimação desse processo e caminha a passos largos em sua implementação. Ela traz ao Estado o papel de se responsabilizar somente por aqueles que não podem custear seus cuidados, cabendo, aos demais, recorrer à iniciativa privada para o provimento das ações em saúde.

Esse setor privado já se encontra na sociedade brasileira responsável por parcelas consideráveis da população, através dos planos privados de saúde. Sua lógica de mercado é responsável por inúmeras reclamações por parte de seus usuários pelos preços exorbitantes cobrados, demora nos atendimentos e na realização de exames, deficiências na cobertura e disponibilidade insuficiente de serviços. Além disso, grande parte deles se beneficiam de subvenções ou isenções fiscais.

Especialmente em momentos de crise como o que atravessamos agora o setor saúde se reafirma como um importante espaço para a o processo de acumulação de capital, quando o adoecimento da classe trabalhadora se intensifica, apresentando mais uma oportunidade de obtenção de lucros devido às demandas crescentes por insumos, procedimentos, medicamentos, etc.

É nesse cenário que o setor privatista vem se impondo junto à sociedade brasileira, representando, inclusive, espaço para investimento por parte do capital internacional. As declarações do atual ministro da saúde do governo Michel Temer de que o “SUS precisa ser revisto” pois “é muito grande” e “não é compatível com a situação atual do Estado brasileiro”, coadunam com essa situação e apontam, como alternativa a criação de “Planos Populares de Saúde” descaracterizando e contribuindo com a destruição do SUS, numa clara inflexão em direção à intensificação e aceleramento de todo o processo que já anteriormente vinha sendo construído.

Os profissionais de saúde, não diferente da classe trabalhadora em geral, também sofrem com as medidas restritivas de acesso a direitos, precarização das condições de trabalho e submissão à salários reduzidos, em que pesem ainda enormes diferenças salariais entre as categorias.

O controle social, mistificado enquanto instrumento de deliberação e controle sobre as políticas de saúde, se encontra, salvo exceções, eivados de fisiologismo, cooptado pela institucionalidade, distanciado das demandas de suas bases e dos anseios da população em geral, acabando por legitimar o estado atual em que se encontram as políticas de saúde implementadas. Apesar disso, ainda representam um espaço onde o diálogo com a classe trabalhadora é possível na busca de formas de resistência aos ataques em curso.

Ao partido, voltar-se para a pauta da saúde é uma forma de fazer as mediações necessária com a realidade concreta da vida das pessoas; representa um elemento tático importante para que sua linha política dialogue com os trabalhadores, contribuindo com o processo de organização, luta e tomada de consciência na construção do poder popular e de um projeto de saúde para a classe trabalhadora.

Nesse sentido, a fração da saúde se constitui em um espaço que permite ao partido não só atualizar seus elementos de análise da realidade, mas também contribuir com as pautas específicas dos coletivos partidários, além de proporcionar sua inserção em movimentos populares, sociais e sindicais, bem como em frentes de luta no campo da saúde.

Apesar do entendimento de que as necessidades de saúde da classe trabalhadora só possam ser atendidas plenamente em uma sociedade socialista, não é possível abandonar a luta por um SUS forte, público, 100% estatal, de qualidade e sob o controle dos trabalhadores.

Recife- PE, 23 a 25 de setembro de 2016

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