“O trabalho escravo é uma realidade invisível”, afirma coordenador da CPT

imagemNúmero de denúncias no Pará em 2016 é menor, mas para Frei Plassat, prática “só é visível quando denunciada”

Lilian Campelo

Brasil de Fato | Belém (PA)

O Pará não lidera mais as denúncias de trabalho escravo, mas continua presente nas estatísticas. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), com base nas denúncias recebidas pela entidade, em 2016, os estados com maior número de casos foram: Bahia (14), Minas Gerais. O Pará aparece logo em seguida, com 13 registros.

O número de casos registrados no país também caiu. No último ano foram contabilizados 98 casos e 718 pessoas libertadas. Já em 2015 foram registradas 120 denúncias e 895 trabalhadores saíram das condições de escravidão contemporânea. A Amazônia Legal continua sendo palco de 44% das denúncias e as dimensões geográficas contribuem para tornar invisível o crime.

A pecuária segue como a atividade que mais apresenta denúncias de trabalhadores em condições análogas à escravidão.

Em entrevista ao Brasil de Fato, o Frei Jean Marie Xavier Plassat, coordenador da Campanha contra o Trabalho Escravo na CPT, explica que os números de crime de escravidão contemporânea vêm diminuindo no Pará, mas isso não significa que a prática não exista mais. Ele acredita que a crise mundial possa ter afetado os setores que utilizavam o trabalho escravo, concentrados em 70% dos casos, em setores de atividades rurais.

“A crise no setor siderúrgico, a mecanização na pecuária e também a atração maior dos grandes projetos para a construção civil, podem explicar que ele tenha diminuído. Hoje, o desmatamento é cirúrgico, onde você vai atrás de espécies raras que tem um alto preço no mercado mundial”, afirma Plassat.

O Frei comenta ainda a recente divulgação de que o Brasil é o primeiro país condenado pela OEA por trabalho escravo. “Essa decisão é histórica e não é muito comentada por ter sido divulgada na segunda quinzena de dezembro (2016). Ela é fundamental porque vai lembrar que o país está sendo monitorado pela comunidade internacional e não pode, como o governo e a bancada ruralista estão tentando fazer, jogar no lixo toda a política de combate ao trabalho escravo”, disse.

Confira a entrevista:

Brasil de Fato: Por que o Pará continua sendo um dos estados com mais denúncias de trabalho análogo a escravidão?

Frei Xavier Plassat: Não é bem verdadeiro que o Pará que seja sempre o campeão, ele foi ultrapassado em algumas vezes nos últimos anos até pelo Rio de Janeiro e mais constantemente por Minas Gerais. A questão é que o Pará tem sido, por muitos anos, líder do trabalho escravo. Na verdade, a gente não pode confiar exclusivamente no que mostra a estatística, que o trabalho escravo é uma realidade invisível. Ela só chega a ser visível quando é fiscalizada ou denunciada, portanto a gente sempre deve pensar que o que estamos vendo nos números é o que os números conseguiram pegar na realidade.

Então, a região pode ter casos ainda não revelados?

Justamente, o Pará tem essa característica de ser tão imenso e tão inacessível que a gente muitas vezes duvida que os números representam a realidade. Por exemplo, o desmatamento hoje não assume as formas antigas, com correntões visíveis a olho nu, ou pelo satélite. A extração ilegal de madeira se faz de forma extremamente escondida em reservas ambientais, áreas protegidas, áreas indígenas. Lá na região da BR-163, onde você não tem acesso, não tem como denunciar, não tem como fazer isso sem correr riscos, porque tem crime organizado. Então muitos fatores concorrem para nos esconder a dimensão exata do trabalho escravo no Pará.

Mas o mesmo se pode dizer de Rondônia e Amazonas, nesses estados onde o acesso é complicado e onde o crime muitas vezes se perpetra de maneira absolutamente escondida. Porque o trabalho escravo, principalmente nas atividades que fazem girar a economia paraense, é um recurso muito prático para quem quer acumular, lucrar rapidamente: o desmatamento e a criação de gado com todos os serviços braçais que isso implicava.

Mas desde 2013, quando houve um registro de 37 casos identificados, esse número tem diminuído nos anos seguintes. Que elementos podemos apontar para explicar isso?

Para essa queda não temos uma explicação simples. É possível que a quantidade de trabalhadores escravizados tenha realmente diminuído ou que ela esteja muito mais escondida. Alguns fatores como a crise no setor siderúrgico, a mecanização na pecuária e também a atração maior dos grandes projetos para a construção civil, podem explicar que ele tenha diminuído. Hoje, o desmatamento é cirúrgico, onde você vai atrás de espécies raras que tem um alto preço no mercado mundial.

Esses são fatores que, nos últimos anos, têm retirado a liderança do Pará no trabalho escravo. Cinco, seis anos atrás era comum recebermos uma média de 80, 90 denúncias por ano. Nos últimos anos a média caiu para 10, 15 por ano. Não significa que o trabalho escravo não exista mais, mas ele está muito mais difícil de detectar, em atividades onde tradicionalmente tinha prevalência.  Vamos ver como fica quando terminarem essas obras e muita gente ficará sem alternativas e talvez retomem as atividades braçais na pecuária, como era antigamente.

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O Brasil foi o primeiro país a ser condenado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) por trabalho escravo contemporâneo, no caso da Fazenda Brasil Verde, localizada no sul do Pará. Como isso afeta a luta por condições trabalhistas dignas?

É muito importante citar isso porque essa decisão é histórica e não é muito comentada por ter sido divulgada na segunda quinzena de dezembro (2016). Ela é fundamental porque vai lembrar que o país está sendo monitorado pela comunidade internacional e não pode, como o governo e a bancada ruralista estão tentando fazer, jogar no lixo toda a política de combate ao trabalho escravo, as definições do conceito legal do trabalho escravo, a lista suja que está bloqueada e várias tentativas que estão sendo feitas para reduzir o impacto do combate ao trabalho escravo no Brasil.

E como segue atualmente a mobilização no combate ao trabalho escravo? 

Nós estamos em constante mobilização. Essa onda de desconstrução da política de combate ao trabalho escravo já vem de alguns anos, mas ela adquiriu muito mais poder e apoio nas esferas do governo ultimamente. Digamos que a bancada que queria isso é a que tomou o poder, então nós temos que estar muito mais vigilantes. Esse trabalho de mobilização sempre crescente, usando meios nacionais e internacionais, somado a essa sentença do caso brasileiro, dizem ao governo brasileiro: cuidado, você está sendo observado e não pode jogar isso [a política de combate ao trabalho escravo] no lixo porque isso tem sido fundamental e continua sendo.

Edição: José Eduardo Bernardes

Ilustração principal: “Hoje, o desmatamento é cirúrgico, onde você vai atrás de espécies raras que tem um alto preço no mercado mundial”, afirma Plassat. / Reprodução

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