Um Estado*

imagemJorge Cadima

Há aspectos em que a política de Trump difere da dos seus antecessores apenas pela boçalidade com que exprime o que outros evitavam dizer. É o caso dos direitos do povo palestino, de cuja nação, no quadro da solução «dois estados» propugnada pela ONU, Trump se demarcou. O sionismo aplaude este encorajamento à sua política de anexação e genocídio. E o secretário-geral da ONU, Guterres, convidou para vice secretária-geral a mulher que era ministra da justiça de Israel na altura do massacre de Gaza em 2014.

Trump acolheu nos EUA o primeiro-ministro de Israel, o carniceiro de Gaza Netanyahu. Por entre declarações de amor mútuo na conferência de imprensa conjunta, Trump distanciou-se da política oficial da ONU ao longo de décadas: a promessa de dois estados em território palestino. Disse que tanto fazia uma solução de dois estados, ou de um Estado, e caberia a Israel e aos palestinos decidir. Falsa ingenuidade e falso distanciamento. A solução ‘um Estado’ de Trump e Netanyahu não é um Estado para todos quantos vivem no território histórico da Palestina. É o Estado judaico do Grande Israel, exclusivista e xenófobo, anexando a Margem Ocidental e erguido sobre uma ulterior limpeza étnica dos palestinos.

As manobras do imperialismo para dominar o Médio Oriente podem estar prestes a ter um novo salto qualitativo. No seu recente discurso perante a Assembleia Geral da ONU, Netanyahu disse que «as relações diplomáticas de Israel» com os países árabes «estão sofrendo uma revolução» pois estes «começam a reconhecer em Israel, não o seu inimigo, mas um aliado» (Jerusalem Post, 22.9.16). Os ‘países árabes’ de que fala são as petro-ditaduras do Golfo, os maiores promotores e financiadores do terrorismo fundamentalista que assola a região, a serviço do imperialismo. Os países árabes laicos, nascidos da luta de libertação nacional dos povos árabes, têm sido destruídos, um a um, pelo imperialismo e Israel. Pelos Bushs, Clintons, Obama e o terrorismo a seu serviço.

A Arábia Saudita, Catar, EAU estão há muito, pela calada, em intensa colaboração com Israel, não apenas na promoção dos bandos tipo ISIL e Al Qaeda mas também na compra de armas e, como relata um recente artigo da Bloomberg (2.2.17), em negócios com empresas tecnológicas e de ’segurança’ de Israel (uma das quais – a Athena GS3 – chefiada por um ex-chefe dos serviços secretos de Israel, a Mossad). Segundo a Bloomberg «não é que a Paz tenha chegado ao Médio Oriente. Não se trata de converter espadas em arados; é o resultado duma convergência lógica de interesses, baseada em receios partilhados: duma bomba iraniana, do terror jihadista, de insurreições populares, e de uma retirada dos EUA da região». Metade mentira e metade verdade. Não há bomba iraniana e o terror jihadista é obra deles próprios. O que realmente receiam é a resistência e revolta populares, e o enfraquecimento do papel hegemônico dos EUA.

Trump ameaça virar-se contra o Irã, o único país da lista de países a invadir elaborada pelo Pentágono (segundo o General Wesley Clark) que ainda não foi objeto de uma agressão militar direta. Os aventureiristas imperialistas sonham em estender a esse grande país as suas receitas: a guerra, o caos e a destruição. As ditaduras árabes que aceitem colaborar terão, a prazo, o mesmo destino do seu antecessor Saddam Hussein: depois de trazerem a desgraça para os povos da região, serão varridas pelas próprias potências imperialistas que serviram, e que apenas cobiçam as suas riquezas. Ou serão varridas pelos seus povos.

O que se compreende mal, no meio disto tudo, é o papel da ONU. Notícias da imprensa israelita referem que Tzipi Livni (ministra da Justiça de Israel durante o massacre de 2014 em Gaza) foi convidada por Guterres para um lugar de sub-Secretária Geral da ONU (Haaretz, 12.2.17). O presidente de Israel Rivlin apoiou publicamente essa eventualidade (Haaretz, 13.2.17). Uma tal nomeação seria premiar o maior infractor de resoluções da ONU. Seria esfaquear pelas costas os palestinos, ao fim de 70 anos de promessas por cumprir. Seria colocar criminosos de guerra nas chefias da ONU.

*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2256, 23.02.2017

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