O terrorismo de Columbine

É difícil separar a emoção da razão, quando escrevemos sobre tragédias como a de ontem. A morte de crianças nos toca fundo: pensamos em nossos próprios filhos, em nossos próprios netos. Por mais que deles cuidemos, são indefesos em um mundo a cada dia mais inóspito.

Crianças e professores são agredidos pelos próprios colegas nas escolas. Traficantes de drogas e aliciadores esperam às suas portas a fim de perverter os adolescentes. Em 1955, baseado em livro de Evan Hunter, Richard Brooks dirigiu um filme forte sobre a brutalidade nas escolas norte-americanas, Blackboard Jungle, exibido no Brasil com o título de Sementes da Violência.

É difícil entender como um rapaz de 24 anos se arma e volta à escola onde estudara, a fim de atirar contra adolescentes. No calor dos fatos, com a irresponsabilidade comum a alguns meios de comunicação, associaram o crime ao bode expiatório de nosso tempo, o “terrorismo muçulmano”. No interesse dessa ilação, chegaram a anunciar que isso estava explícito na carta que ele deixou. Ela, no entanto, revela loucura associada não ao islamismo, mas, sim, às seitas pentecostais, de origem norte-americana, com sua visão obscurantista da fé. São seitas que alimentaram atos de loucura como o de Jim Jones, ao levar 900 de seus seguidores, a Peoples Temple, ao suicídio, na Guiana, em 18 de novembro de 1978. É o que hoje fazem pastores da Flórida, ao queimar um exemplar do livro sagrado dos muçulmanos – e provocar a reação irada de fiéis no Iraque e no Afeganistão. Segundo revelou sua irmã, a mãe adotiva de Wellington, cuja morte o transtornou, pertencia à seita das Testemunhas de Jeová, preocupada com a pureza do corpo, que o assassino menciona em sua carta. A referência à volta de Jesus e ao dogma da Ressurreição dos justos, não deixa dúvida. Ele nada tinha a ver com o Islã, apesar de suas recomendações lembrarem ritos mortuários comuns às religiões monoteistas.

A carta revela um jovem perturbado pela idéia de pureza. Aos 24 anos, o assassino diz que seu corpo “virgem” não pode ser tocado pelos impuros. Ao mesmo tempo, presumindo-se herdeiro da casa que ocupava em Sepetiba, deixa-a, em legado, para instituições que cuidem de animais abandonados. Os cães, que são a maioria dos bichos de rua no Brasil, são, para os muçulmanos, animais amaldiçoados.

É preciso rechaçar, de imediato, qualquer insinuação de fundamentalismo islamita ao ato de insanidade do rapaz. O pior é que homens públicos eminentes endossaram essa insensatez. O terrorismo de Wellington é o dos atos, já rotineiros, de assassinatos em massa nas escolas norte-americanas, a partir do episódio de Columbine em 20 de abril de 1999. Desde que os meios de comunicação e do entretenimento transformaram o homem nesse ser unidimensional, conforme Marcuse, o modelo de vida, que o cinema, as histórias em quadrinhos, a televisão e, agora, a internet, nos trazem, é o da pujante, bem armada e soberba civilização norte-americana. Ela nos prometia a realização do sonho da prosperidade, da saúde, da segurança, do conforto e da alegria, da virilidade e da beleza. Mas essa civilização é apenas pesadelo, contrato faustiano com o diabo, sócio emboscado da morte. O diabo começou a cobrar seu preço, ao levar essa civilização à loucura, no Vietnã; nas muitas intervenções armadas em terra alheia; em Oklahoma, em Columbine, em Waco, e nos demais assassinatos coletivos dos últimos anos.

Limpemos as nossas lágrimas, e reflitamos se vale a pena insistir nessa forma de vida. Se vale a pena continuar sepultando crianças, e com elas, os sentimentos de solidariedade, de humanismo, de civilidade e de justiça. As crianças que morreram ontem, ao proteger as mais fracas com seus corpos, nos disseram o que temos a fazer, para que a vida volte a ter sentido.

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A VIOLÊNCIA DA LOUCURA E A VIOLÊNCIA PLANEJADA

Ernesto (PCB-SP)

A violência da loucura que se viu em Realengo foi seguida de uma violência de estupidez nos comentários que invadiram imediatamente a internet, como um tsunami após o terremoto. Não se pode dizer qual é a pior, a mais grave, pois não há termos de comparação.

A violência da loucura não agiu sozinha. Foi combinada com a facilidade de um louco conseguir armas. Ao se pensar em o que fazer deve-se enfrentar a dificuldade de uma profilaxia das doenças mentais, especialmente num país em que a saúde pública está sendo sucateada para favorecer criminosamente a privatização. A loucura pode ter um componente hereditário, mas tem certamente componentes sociais. O individualismo, a competição, a ausência de solidariedade e de compreensão podem levar ao bulliyng nas escolas, que dispara um processo de agravamento da condição mental, das vítimas e dos agentes. O misticismo, ao apagar a racionalidade e a discussão, também favorece a loucura.

O outro lado da combinação é mais tratável: a posse e a comercialização de armas devem ser proibidas. Isso não resolve, já se sabe, mas ao menos tornaria mais difícil a um louco conseguir armas.

A violência da estupidez é claramente social. O louco foi considerado um “terrorista”, e daí para ser considerado um islâmico foi imediato. Então centenas de mensagens cretinas começaram a atacar o islamismo, com altíssimo nível de boçalidade, revelando, na maioria das vezes, um baixo nível de educação, visto que os manifestantes em geral mal sabem escrever. Quando se soube, através da carta do agressor suicida, que ele era “de Jesus”, calaram-se esses manifestantes e surgiram outros igualmente malucos, mas menos violentos: é um “sinal dos tempos”, da falta de fé, etc.

Apenas a educação pode levar a uma superação desse tipo de violência. Mesmo países ricos, como os EUA, apresentam essa epidemia de boçalidade, neste caso ligada, quase sempre, ao fundamentalismo cristão. Então não é um problema de falta de recursos (embora, mesmo nos EUA, faltem recursos públicos para a educação, cortados por razões ideológicas). A educação não se dá apenas entre os muros da escola. Os maiores educadores do Brasil são o Sr. Silvio Santos, os bispos faturantes da Record, os fazedores de notícias e novelas da Globo. É promovido o espírito do individualismo, a esperteza, a desumanização. Falta uma educação política (poderia até dizer “moral e cívica” se isso não tivesse sido ridicularizado pela ditadura). Falta uma educação filosófica, que ensine os jovens a pensar mais do que crer. O problema é o entrave ideológico imposto pela classe dominante, como uma violência planejada.

Aqui é onde mais se deve agir para reduzir a probabilidade de mais violências.

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Ainda sobre a tragédia do Realengo

(Duarte Pereira)

Estou cada vez mais estarrecido com a cobertura predominantemente passional e facciosa da tragédia ocorrida anteontem em escola municipal do Rio de Janeiro, no bairro do Realengo.

O jovem Wellington de Oliveira, autor dos disparos que mataram e feriram alunos inocentes da escola, foi chamado de “meliante” nas primeiras declarações do policial que o abateu e continua sendo indigitado como “assassino” por quase toda a mídia, embora já se saiba que sofria de esquizofrenia desde criança. A mídia negligencia as informações de que Wellington passou por vexames e humilhações por causa de sua introversão e bizarrices, quando era aluno da escola. Não aborda a falta de acompanhamento e tratamento adequados de um paciente diagnosticado de esquizofrenia há muito tempo, o que agravou a evolução de sua enfermidade. Não trata das informações sobre atentados e manejo de armas que podem ser acessadas facilmente na internet. Não reavalia a divulgação maciça, cotidiana e acrítica dos mais variados atos e formas de violência praticados por grandes potências e contumazes delinquentes, reproduzidos em filmes de sucesso e até mesmo em jogos eletrônicos. Não esclarece como Wellington conseguiu as armas e as munições, sem as quais não poderia ter feito seus disparos cruéis e desvairados. Não alerta para a atmosfera envenenada de individualismo e competição em que a infância e a juventude vêm sendo forjadas. Com essa cobertura irresponsável e superficial, a maioria da mídia apenas acirra a dor e as reações equivocadas dos parentes das vítimas e de um amplo setor popular. E, nesse clima irracional, as autoridades policiais já alertam para possíveis ataques de represália a familiares do jovem atirador.

São poucos também os professores e mais reduzidas ainda as entidades do magistério que têm vindo a público para lembrar a violência que se tornou endêmica nas escolas, principalmente nas escolas públicas, rebatendo a ideia de que a tragédia do Realengo possa ser considerada um fato isolado e imprevisível. Surpreende também que os movimentos de saúde, sobretudo os de saúde mental, não se empenhem em repor a apreciação do trágico acontecimento num quadro mais objetivo e multilateral, que leve em conta a condição do autor dos disparos, a falta de acompanhamento e tratamento de seu padecimento mental e as circunstâncias finais de seu gesto de sofrida insanidade.

Abalados pelo acontecimento, que não conseguem entender satisfatoriamente, muitos parecem retroceder à Idade Média, quase pregando a condenação dos loucos como endemoninhados e bruxos e seu justiçamento nas chamas de fogueiras.

Vêm à lembrança as advertências de Engels e de Rosa Luxemburgo de que o declínio da civilização capitalista poderia ser seguido não por um salto socialista, mas por uma regressão à barbárie. É preciso insistir, portanto, na necessidade de lutar pela alternativa de uma civilização superior, socialista, baseada não apenas no poder democrático dos trabalhadores, na propriedade social dos meios de produção, no planejamento das atividades econômicas, ou em serviços públicos universais e de qualidade, principalmente nas áreas de saúde, educação e previdência, mas também em valores de respeito, solidariedade e ajuda mútua no convívio social.

9/4/2011

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