É possível uma ‘polícia pacificadora’ com tantas desigualdades sociais?

É possível uma 'polícia pacificadora' com tantas desigualdades sociais?por José Renato André Rodrigues*

O aumento da violência na Cidade do Rio de Janeiro e no Grande Rio foi um problema anunciado, diante do velho quadro de desigualdades sociais em que vivem as camadas de baixa renda abandonadas pelo poder público. É preciso afirmar que não se trata de ausência do Estado; o que existe é conivência do Estado para manter e perpetuar as desigualdades sociais nos bairros proletários.

Os meios de comunicação de massas a serviço das classes dominantes manipulam de forma grosseira e mentirosa os aspectos da violência em nossas grandes cidades. As reportagens sensacionalistas são apresentadas sem ir fundo nas causas sociais dos problemas que geram e promovem a violência. Na verdade, a raiz de toda essa violência está no próprio caráter da sociedade capitalista que forma cidades divididas entre as camadas beneficiadas e excluídas do poder econômico. Os espaços públicos são apropriados pelas camadas mais privilegiadas que, tendo o poder econômico, exercem o poder político, deixando as regiões com as piores condições de moradia e lazer para as classes menos favorecidas. Os filhos das classes trabalhadoras, além de desprovidos de condições dignas de sobrevivência, são as maiores vítimas da violência gerada por esta sociedade.

O capitalismo vive à custa da exploração econômica sobre as classes trabalhadoras, tendo no lucro a razão de sua existência. É ele que promove a corrupção dos aparelhos policiais com a clara intenção de manter as classes dominadas em seu devido lugar, para que estas não reajam contra as injustiças geradas pelo sistema. Com isto, o status quo é mantido: enquanto segue a guerra entre os pobres, vitimando os filhos das classes trabalhadoras, os filhos da burguesia se preparam para perpetuar este modelo de sociedade que em nada beneficia os trabalhadores. Através de uma lógica perversa manipulada, construída pelo próprio sistema vigente, que vende armas, promove e sustenta a desigualdade e a corrupção, todo o processo de violência entre os mais pobres é naturalizado, o que impede qualquer reação das vítimas, por estas se encontrarem dominadas pela visão de mundo do grande capital, através da ideologia burguesa. Como sabemos, em qualquer sociedade a ideologia dominante reflete a visão de mundo das classes dominantes. Os moradores desses bairros e seus filhos não podem e nem devem ser culpados por esta guerra entre os pobres, pois o único culpado dessa guerra e de todas as desgraças no mundo contemporâneo é o capitalismo.

Interessa ao capitalismo manter toda essa estrutura e esse mecanismo de dominação, desde que não incomode o sono da burguesia, com interrupções no comércio, vias públicas e turismo. Enquanto os mais pobres se matam, o capitalismo segue funcionando normalmente. As guerras cotidianas fazem parte da vida destes bairros proletários. Além de vítimas da violência cotidiana, os moradores destes bairros são vítimas também da falta de serviços públicos e seus filhos nascem e vivem sem perspectiva de vida para o futuro.

A ideologia burguesa se faz presente quando é oferecido aos jovens dos bairros proletários um mundo de sonhos e consumo, como se isso fosse possível. Estes jovens, ao se verem sem perspectivas, veem no crime a possibilidade de ascender, nem que seja dentro da própria favela. As músicas que hoje chamamos vulgarmente de funk refletem este sonho de ascensão dentro da favela e incentivam o machismo, a violência, a pedofilia, o exibicionismo, a ostentação. Algumas letras atuais falam das guerras entre os pobres, diferentemente de outros movimentos culturais de periferia que surgiram das classes proletárias, em outros momentos das contradições da sociedade capitalista, quando as letras das músicas questionavam o estado burguês e as injustiças sociais.

Para o sistema vigente interessa toda essa guerra, através da destruição dos jovens dos bairros proletários, que são presas fáceis. Sem consciência do que há por trás de todos esses mecanismos de dominação, esses jovens vão sendo eliminados, seja por grupos rivais ou pela polícia, e há sempre outros para tomarem os seus lugares, em uma lógica perversa da guerra promovida pelas classes dominantes que reproduz entre os pobres a lógica do mais forte, o que inviabiliza qualquer forma de organização ou reação dos moradores destes lugares contra o sistema.

A chamada pacificação só poderá vir com melhorias das condições de vida das pessoas que moram nestas regiões. Este problema não será resolvido com a repressão policial nem por ONGs que vivem de semear ilusão, com o discurso hipócrita de mitigar a violência promovendo performances perfumadas na orla da Zona Sul da cidade. A solução inclui construção de moradias dignas para os trabalhadores e oferta de empregos e de serviços públicos como saúde, educação, lazer e cultura, para que não venhamos mais assistir à destruição de nossos jovens em nossas cidades.

Não adianta alguns setores de esquerda que nada têm de revolucionários e que se apresentam como candidatos a gerentes do capital, apenas para agradar as classes dominantes, falarem em política de segurança pública cidadã. Isto nunca será possível no capitalismo porque está na essência desse sistema a desigualdade social. É necessário levar em conta o caráter de classe na questão do problema da violência. Encobrir o caráter de classe dos problemas de nossa sociedade é o mesmo que iludir a militância e os trabalhadores com falsas promessas, usando fraseologia pequeno-burguesa com tinturas de socialismo muito rebaixado.

Mesmo que uma parte da esquerda dominada pelas camadas médias, que não conhece nada da vida e do sofrimento dos moradores dos bairros proletários, priorize o discurso da legalização de uma ou outra droga, isso em quase nada vai alterar as condições de vida das massas trabalhadoras. Isso é o famoso “chover no molhado”. Isso é não saber das dificuldades das mães que perdem seus filhos para a violência, é desconhecer ou fingir desconhecer que os filhos dos trabalhadores têm dificuldades em frequentar uma clínica para se desintoxicar. Alguns setores de esquerda estão interessados apenas em resolver uma demanda das camadas médias que moram no asfalto e vivem inseguras com a violência urbana.

Para resolver estes graves problemas, só uma mudança radical, revolucionária, que inverta o caráter do Estado, retirando seu papel de mero apoiador dos interesses capitalistas, para colocá-lo a serviço dos interesses das massas populares.

Acreditamos que os graves problemas que atingem a nossa sociedade não terão solução se o capitalismo não for superado por uma nova sociedade, onde os trabalhadores possam, através das suas organizações, dirigir e governar o Estado em direção à sociedade socialista em nosso país.

É professor de Filosofia da Rede Pública Estadual do Estado do Rio de Janeiro

Secretário político do PCB na cidade de Nova Iguaçu – RJ

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