Cortes no financiamento de pesquisas públicas: mais um golpe contra o Brasil!

imagemPor Fábio Bezerra*

A menos de 5 meses para o fim do Governo Temer, o compromisso com a agenda de sucateamento e privatizações do ensino público brasileiro segue à risca e a todo vapor o receituário neoliberal, preparando o terreno para a extinção definitiva das Universidades Públicas e o esfacelamento da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica.

No último dia 02 de agosto, o MEC, a toque de caixa, tentou emplacar a aprovação das alterações nas Bases Nacionais Comuns Curriculares (BNCC ) que coadunam com a contrarreforma do ensino médio aprovada em 2016 e tentam ajustar com ares de “democracia” o maior retrocesso já feito na educação pública.

A contrarreforma do Ensino Médio, sob a defesa de um currículo mais flexível e adequado à realidade de cada região e aos interesses dos estudantes (que passariam a ter autonomia de escolha), reduz drasticamente o acesso ao conteúdo didático que possibilite um conhecimento mais amplo sobre todas as áreas do conhecimento, ao nivelar os estudos por eixos temáticos que, na prática, irão restringir conteúdos em módulos oferecidos em uma só disciplina, abrangendo de modo superficial e incompleto o estudo de diversas matérias e, por sua vez, precarizando o conhecimento mais adequado das mesmas.

Além disso, disciplinas importantes para a formação humanística e crítica dos cidadãos, tais como Filosofia e Sociologia, não constam mais no currículo; a precarização ainda se torna mais evidente ao se regulamentar e estimular que as redes públicas de educação contratem pessoas sem a formação pedagógica adequada para a prática do magistério, o chamado profissional de “notório saber”, desvalorizando o trabalho docente e ao mesmo tempo extinguindo na prática os cursos de licenciatura em todo o país a médio prazo.

Outra grande contradição é a autorização de que até 40% da grade curricular possa ser oferecida à distância, podendo ser ofertada por grandes grupos empresarias, que irão celebrar parcerias rentáveis com o Estado para a promoção de pacotes fechados de formação.

O sucateamento a que há anos a educação pública no Brasil vem sendo submetida atende a interesses privados que esperam lucrar com a mercantilização do ensino público, ao mesmo tempo em que atende a uma ofensiva reacionária que procura reeditar a velha lógica da dualidade de acesso ao saber. Não é coincidência que, no início desse ano, o Banco Mundial divulgou um relatório intitulado: “Um Ajuste Justo”, que, entre outras medidas de austeridade no gasto público, propõe a redução de gastos e investimentos em educação, com a consequente terceirização dos serviços, suspensão de concursos públicos, redução de gastos com a folha de pagamento e, por fim, a privatização via cobrança de mensalidades de cursos de nível superior e pós-graduação.

A Educação Profissional e Tecnológica, nesse sentido, está sob grande ameaça, pois, de acordo com a divisão por áreas temáticas, os Institutos Federais (IFs) podem ser retalhados, ficando a base comum vinculada às redes públicas estaduais e a parte técnica sendo administrada, através de parceria público-privada, por exemplo, por sistemas de ensino profissionalizante, de orientação tecnicista e produtivista, ligados à indústria e ao comércio, como é o caso do Sistema S, destruindo, dessa forma, o exitoso modelo de educação integrada de base politécnica que vem sendo erigida nesses últimos dez anos através dos Institutos Federais.

Os IFs estão entre as melhores escolas públicas do país, com presença em todo o território nacional e influência enquanto Política Pública, no desenvolvimento regional e na promoção de parcerias locais e Tecnologias Sociais.

Na última semana, outro duro golpe foi desfechado, agora atingindo em cheio o orçamento da Coordenação de Pessoal de Nível Superior (CAPES), principal agência de fomento público a pesquisas em diversas áreas e linhas e que abrange a todas as universidades públicas brasileiras e também aos Institutos Federais.

A divulgação da redução drástica para o incentivo e manutenção das pesquisas financiadas com recursos da CAPES, previstos no orçamento do MEC e delimitados anualmente pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), praticamente suspende as bolsas de manutenção em todos os programas de pós-graduação (mestrados, doutorados e pós-doutorados) em todo o país, interrompendo não apenas as pesquisas já em curso, mas comprometendo os projetos futuros.

Suspende também o investimento e a remuneração de programas como o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), de Residência Pedagógica e o Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica ( Panfor), o que atingirá mais de 100 mil bolsistas!

Além desses programas de formação e incentivo ao aprimoramento da prática docente, o Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), os Programas de Mestrado Profissional para a qualificação de professores(as) da Rede Pública de Educação Básica também serão afetados com os cortes, atingindo mais de 245 mil beneficiados em mais de 600 cidades, inseridos em uma rede com mais de 100 Instituições de Ensino Superior.

De uma só vez, tanto a pesquisa universitária e sua importância para o desenvolvimento de projetos sociais, tecnológicos, científicos, ambientais, etc, que possam influir na realidade social, quanto a qualificação e promoção da formação dos educadores no Brasil são jogados na sarjeta.

Hoje, as Instituições Federais de Ensino ( Universidades e IFs) respondem por mais de 90% da pesquisa acadêmica desenvolvida no Brasil, inclusive em áreas que não interessam às empresas privadas, devido aos custos e riscos, mas são fundamentais para o país. Em sua totalidade os programas de financiamento às pesquisas e também aos projetos de extensão aproximam as IFEs da realidade de um país extremamente desigual e dependente e que, ao mesmo tempo, possui grande potencial de produção científica, tecnológica que, com o devido direcionamento para as áreas sociais, podem reduzir parte das mazelas historicamente constituídas e nutridas pela sociedade capitalista.

Segundo o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, SBPC, o físico da UFRJ Ildeu Moreira, as medidas do governo poderão gerar uma “fuga de cérebros e escassez de cientistas qualificados” ou jogar definitivamente as universidades, via OCIPs e/ou Fundações, no colo dos interesses da iniciativa privada, através da legislação do Marco Regulatório da Ciência e Tecnologia, aprovada ainda no Governo Dilma e que regulariza a privatização dos institutos de pesquisa das Universidades e IFs, a fim de vincularem todo o potencial de produção de conhecimento aos ditames de quem os contratar. Isso significa que pesquisas que hoje assumem um sentido de Políticas Públicas através de seus resultados e projetos de extensão, beneficiando milhares de pessoas em todo o Brasil, irão acabar!

No rol das pesquisas ameaçadas estão projetos de ponta, tais como: projetos relacionados a tratamento e cura de alguns cânceres, entre eles o câncer de pele (o mais comum no Brasil) e o câncer de cérebro (um dos mais agressivos), pesquisas para a produção de uma vacina contra os quatro tipos de vírus da dengue, aprimoramento de remédios e tecnologia para o tratamento de pacientes HIV/ AIDS, constituição de defensivos agrícolas agroecológicos sem danos à saúde humana, produção de biodegradáveis que eliminam manchas de óleo em vazamentos marinhos e que atingem todo o ecossistema de localidades ribeirinhas, pesquisas sobre indicadores de violência contra a população LGBT e elaboração de políticas públicas, pesquisas aeroespaciais, em nanotecnologia, entre outras, serão afetadas.

O relatório do MEC, publicado no início de 2018, demonstra que as 10 principais universidades do país em produção acadêmica, pesquisa e projetos de extensão são universidades públicas; em sua maioria estas possuem recursos materiais e quadros qualificados – apesar de todo o sucateamento e ataques sucessivos – que possibilitam relevante produção e destaque do Brasil em comparação com outros países.

Todo esse cenário não pode ser reduzido apenas à chamada crise orçamentária como muitos economistas tentam replicar costumeiramente na imprensa e assim tentar justificar perante a opinião pública o que seriam inevitáveis medidas de austeridade e contenção de gastos ! Não, não é apenas isso!

Estamos diante de mais um desfecho claro de esfacelamento do Estado enquanto ente público, com deveres e responsabilidades constitucionais e prerrogativas históricas que possam garantir o mínimo de desenvolvimento e Políticas Públicas que equacionem ações para permitir acesso a direitos como a educação pública, assim como aos benefícios sociais que o investimento em pesquisa científica e tecnológica e os projetos de extensão possibilitam no país.

Se de fato o orçamento público é criminosamente comprimido pelos compromissos com a rolagem da Dívida Pública, que ano a ano vem sugando recursos de áreas sociais e comprometendo cada vez mais a qualidade de vida da maioria da população, não é menos verdade que todo esse processo está associado a uma lógica perversa, que pretende privatizar os recursos do Estado e que teve na aprovação da Emenda 95 (a PEC do congelamento de investimentos em 20 anos) sua mais agressiva expressão, garantindo, dessa forma, a imposição criminosa e covarde dos interesses do capital financeiro e dos grandes grupos empresariais que vêm se constituindo para atuar no ensino médio, os quais pretendem, nesse contexto, aumentar significativamente seu poder econômico e influência política, com a destruição da educação pública e a privatização das pesquisas em ciência e tecnologia.

Se não bastassem os crimes de lesa-pátria promovidos com a pilhagem dos leilões, ou melhor, com a entrega do Pré-Sal às multinacionais, a perda da soberania aeroespacial com os acordos envolvendo a Base Militar de Alcântara, a desindustrialização e o aumento da evasão de divisas, o Governo Temer faz a clara opção por extermínio de um dos principais patrimônios públicos do país, responsável pelo desenvolvimento, autonomia e investimento direto em diversas áreas e setores sociais que carecem dessa relação com as IFEs.

Se por sua vez o tripé entre ensino, pesquisa e extensão já vinha sendo, paulatinamente e por diversas frentes, atacado e corrompido, com essa medida o projeto privatista das elites brasileiras espera desfechar uma “pá de cal” que interrompa definitivamente a disputa e a apropriação pelos setores populares do conhecimento produzido pelas IFEs. Lembrando que não podemos pensar a existência humana em todas as suas faculdades e dimensões sem levar em conta o quanto essa disputa pela apreensão e devida aplicação dos saberes e conhecimentos científicos e tecnológicos representam enquanto instrumento de Poder, seja para a emancipação ou para a perpetuação de relações de dependência, exploração e subserviência.

Nunca antes a Educação Pública sofreu tantos e sucessivos ataques nesse país, vindos de um Governo ilegítimo, desmoralizado por escândalos de corrupção e abertamente ofensivo à manutenção do ensino público.

Após intensa manifestação da comunidade cientifica, de entidades ligadas à pós-graduação, reitores e entidades civis, com repercussão nas redes sociais e na imprensa, o Governo Temer recuou e divulgou nota afirmando manter os recursos para a manutenção da CAPES, mas as intenções desse Governo e seus aliados estão muito bem expressas e delineadas. Não nos iludimos com pronunciamentos evasivos, cínicos e demagógicos!

A recente investida é a demonstração cabal de um cenário mais agressivo contra a educação e os(as) trabalhadores(as) da rede pública em todos os níveis e esferas, o que exigirá de nós muito mais empenho, unidade e principalmente diálogo com o restante da população brasileira, para quebrar as barreiras midiáticas e ideológicas que sedimentam mentiras, criminalizam a luta dos(as) educadores(as) e procuram justificar perante a opinião pública os retrocessos e investidas contra a educação

*Trabalhador em educação, membro do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro (PCB).

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