Seis meses depois, nós ainda perguntamos: quem matou Marielle Franco?
Henrique Oliveira*
Raquel Melo**
Na noite do dia 14 de março, a vereadora Marielle Franco do PSOL e o motorista Anderson Gomes foram brutalmente assassinados no centro da cidade do Rio de Janeiro, quando Marielle voltava de uma roda de conversa chamada “Mulheres Negras Movendo as Estruturas”, em meio à intervenção militar do Rio de Janeiro.
E mulheres negras, como Marielle Franco, são as principais vítimas de feminicídio no Brasil. Entre os anos de 2005 e 2015, a taxa de mortalidade de mulheres negras aumentou em 22%,enquanto a de mulheres brancas reduziu em 7,4%. As balas que atingiram Marielle Franco e Anderson Gomes não se restringiram apenas aos seus corpos, mas sim a todo o conjunto dos movimentos sociais, organizações e partidos que estão comprometidos com a luta em defesa dos interesses dos trabalhadores.
Mulher, periférica, negra, LGBT, para além de todas as opressões estruturais que a mesma sofria, Marielle foi morta por aquilo que ela representava em seu conjunto. Muito mais do que uma representatividade na institucionalidade burguesa, ela simbolizava um modo de fazer política que era vinculado à classe trabalhadora, aqueles que são diariamente massacrados pelo Estado brasileiro. Vereadora eleita com 46 mil votos, se destacava pela sua trajetória como defensora dos direitos humanos e, principalmente, contra a violência policial no Rio de Janeiro. Violência que a mesma denunciava via redes sociais e pelo seu mandato. A morte de Marielle também foi um duro golpe na questão de gênero, num país cuja representação feminina nas instituições políticas é baixíssima. Em um ranking de 190 países, o Brasil ocupa a 152ª posição na relação percentual de parlamentares homens e mulheres.
As investigações do duplo assassinato de Marielle e Anderson já superam o tempo de outros casos parecidos, como de Amarildo, que durou 80 dias, e da juíza Patricia Acioli,que durou 74 dias. O caso Marielle já passa dos 165 dias sem nenhuma resposta efetiva de quem mandou e quem executou. Numa entrevista concedida ao programa “Entre Aspas”, da Globonews, o ministro da segurança pública, Raul Jungman, declarou que o envolvimento de agentes públicos, principalmente, de policiais e políticos dificulta a elucidação do caso. Só para termos noção do não interesse do Estado em solucionar e dar respostas, 5 meses após o ocorrido, o celular de Marielle sequer foi periciado, como denunciou a viúva Mônica Benício, recentemente à imprensa.
Se por um lado o Estado não deu uma solução final, nesses 6 meses os algozes de Marielle não se pouparam, chegaram ao ponto de ameaçar a sua ex companheira Mônica Benício, que foi perseguida duas vezes no mesmo dia por um carro branco próximo a sua casa. E por causa disso, Mônica chegou a solicitar proteção à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
O saldo da intervenção militar no Rio de Janeiro desde fevereiro, tendo um orçamento de 1 bilhão de reais, é vergonhoso. Entre 16 de fevereiro e 30 de junho, as operações custaram 46 milhões de reais, no entanto, as apreensões de armamento pesado como fuzis e metralhadoras foram menores do que no mesmo período do ano passado. Em 6 meses, os resultados foram pífios: foram 31 chacinas com 130 mortos; o número de tiroteios aumentou de 3.477 para 4.850; os homicídios dolosos ficaram em 2.617 pessoas; 736 pessoas foram mortas pela polícia; 99.571 roubos registrados. Enquanto a Intervenção focava sua atuação nas comunidades controladas pelos grupos envolvidos com o tráfico de drogas, ignorava as regiões dominadas pela milícia, grupo paramilitar formado por ex e atuais policiais, membros das forças armadas e seguranças particulares, que também vendem droga, traficam armas, exploram serviços, ameaçam e matam no estado do Rio de Janeiro.
Em meio aos confrontos, dois militares também foram mortos, um cabo e um soldado. Uma das faces mais cruéis da Intervenção Federal e do atual projeto de segurança pública é que de ambos os lados, as pessoas que estão tombando, são homens pobres e negros. Segundo o jornal The Intercept Brasil, muitos militares que estão atuando na Intervenção são moradores de comunidades ocupadas. A desigualdade sócio racial, contradição fundamental da sociedade brasileira, se reflete também no Exército, em que os cargos de oficiais são ocupados em 51% por brancos, por negros em 47%. Entre os praças, a desigualdade se mantém, mas como estamos falando uma posição hierárquica inferior, os negros são 58% e 37% são brancos.
A Intervenção Militar tem sido usada para o desenvolvimento dos negócios da segurança, estreitando as relações entre o Estado e a indústria das armas. No mês de março, uma cerimônia realizada no Forte de Copacabana, o Exército recebeu uma “doação” de 100 fuzis modelo T4, que foram entregues pela Taurus e pela Companhia Brasileira de Cartuchos. O Gabinete de Intervenção Federal comprou 1,1 milhão de munições de diversos calibres, no valor de 7,7 milhões, uma compra sem licitação. No final do mês de agosto, foram adquiridos 14.875 coletes balísticos a prova de bala de fuzil, no valor de R$ 76,743,559,85, também dispensando o processo licitatório.
O assassinato de Marielle Franco se insere, infelizmente, no cenário de perseguição política histórica que os lutadores sociais sofrem no Brasil. Aqueles que resistem ao poder do capital, que criam barreiras aos seus interesses de acumulação e domínio, têm sido dizimados. Esta resistência vem de longe, desde as populações nativas e africanas escravizadas para a expansão do mercado capitalista via colonização. O capitalismo brasileiro é uma máquina de moer gente, e somente a luta organizada dos trabalhadores, sem ilusão com a conciliação de classes, pode deter o terrorismo de Estado à serviço da burguesia.
*Militante do Coletivo Negro Minervino de Oliveira/Bahia
**Militante do PCB, UJC e Ana Montenegro/São Paulo