O novo partido de Bolsonaro

imagemALIANÇA PARA O BRASIL: OS PLANOS DE BOLSONARO PARA TOMAR O PODER

Leonardo Godim

Militante do PCB – SC

As crises e disputas no interior do governo de Bolsonaro se desenvolveram até um ponto de inflexão: o anúncio da criação de um novo partido, com a família Bolsonaro à frente. A Aliança para o Brasil cumprirá um papel decisivo na luta de Bolsonaro pelo poder. Um poder que não se encontra hoje na cadeira executiva do Palácio do Planato. Um poder que só seria possível, nos moldes republicanos, com uma hegemonia efetiva sobre o Congresso, o Senado, o Supremo Tribual Federal e as Forças Armadas. A questão é que, no Brasil, o republicanismo nunca impediu ninguém de marchar, de botas, sobre as avenidas que conduzem ao poder.

Muito já se disse sobre a base de sustentação de Bolsonaro. O curso de seu governo – com todos os escândalos – tornou clara sua composição. Apoiado pelo grande capital estadunidense, pelo capital comercial e pelos latifundiários do agronegócio, Bolsonaro surgiu da pequena-burguesia urbana, numerosa no Rio de Janeiro e São Paulo; dos militares cuja influência da doutrina reacionária dos Estados Unidos é um elo nunca quebrado com a ditadura militar; e das milícias cariocas com seu forte poder coercitivo sobre a classe trabalhadora. E sustenta-se fortemente na máquina internacional das igrejas evangélicas e sua influência política sobre milhões de brasileiros. A tentativa de arrastar essa base social para dentro do PSL, aproveitando-se da fraqueza do Partido para torná-lo seu, encontrou resistências no medo de algumas antigas lideranças de perder tudo. Mas também no enfraquecimento de Bolsonaro nas disputas entre militares e fundamentalistas, na associação de sua família em casos de corrupção e assassinato envolvendo milícias do Rio de Janeiro, nas pressões internacionais sobre a Amazônia, entre outros. Cabe notar que certos setores das classes dominantes, em especial os industriais paulistas, buscam desde já manter certo distanciamento de Bolsonaro.

É essa base que Bolsonaro tentará agora dar organicidade através de um novo partido. Um partido que surge, justamente por isso, como ferramenta para o poder. Entre militares – e o Bolsonaro já anunciou que colocará militares nas presidências estaduais1 – e milicianos, não faltarão “soldados e cabos para fechar o STF”2 ou o Congresso. E Bolsonaro, há muito tempo, já diz publicamente que o Brasil precisa um “guerra civil”, onde ele “imediatamente” faria “o que a ditadura não fez, que é matar uns 30 mil”3. As previsões de que o ano de 2019 seria marcado pela formação de milícias urbanas e rurais bolsonaristas pode ocorrer de forma não tão pitoresca mas muito mais explosiva: a conformação de um partido próprio, com os setores mais reacionários da sociedade brasileira, com vínculos no crime organizado e no exército e hegemonizado ideologicamente pelo ultraliberalismo pró-estadunidense da pequena-burguesia brasileira.

Em seu manifesto, a Aliança para o Brasil define que “nossa aliança é com as famílias, com as pessoas de bem, com os trabalhadores, com os empresários, com os militares, com os religiosos e com todos aqueles que desejam um Brasil realmente grande, forte e soberano.”4 Sua agitação concentra-se numa luta por uma nova ordem social, contra a degradação moral, pela segurança, e em torno da fé. A convocação para que os brasileiros voltem às ruas em torno destas bandeiras é um chamado aberto para a fascistização da sociedade – uma nova ordem baseada na judicialização da moral cristã, na segurança a partir da militarização e no uso da religião como instrumento de coesão política.

A luta de classes no Brasil tende a se intensificar, assim como tem ocorrido em toda a América Latina. As contradições da crise do capital fazem explodir diversas formas de descontentamento em diferentes formas de luta. Esta intensificação aumenta a abertura para que Bolsonaro execute seus planos de criação de um regime de força. Porém, da mesma forma que, em novembro do ano passado, as ameaças de fascistização da sociedade colocam-se perante o proletariado não como fato dado, mas como possibilidade. E mesmo que se fato fossem, não devem nunca nos paralisar. É justamente no agudizamento da luta de classes que a vanguarda política da classe trabalhadora deve erguer-se e intensificar sua política de massas. A questão é que podemos, em breve, chegar a tal ponto em que esta política de massas não será possível se não pudermos combater fisicamente as forças reacionárias.

Bolsonaro é, individualmente, um ser medíocre. Sua capacidade de conduzir um governo de força é absolutamente questionável. De Vargas aos generais da ditadura, os homens que até hoje decidiram pisar na legalidade constituída em busca do poder político provaram-se, ainda que oportunistas e mercenários, extremamente hábeis. Uma habilidade que Bolsonaro não possui. Mas nada seria mais típico para um bonapartismo reacionário do que uma situação histórica na qual a “luta de classes cria circunstâncias e condições que permitem a um personagem medíocre e grotesco desempenhar o papel do herói”5. A esta análise, de que forma a luta de classes criou tais circunstâncias e condições, faltam ainda muitas linhas. O que não nos faltam, todavia, são provas históricas de que a mediocridade não impede alguns personagens de definirem os rumos de toda a história.

[1] MURAKAWA, Fabio. Bolsonaro deixa PSL e vai criar um novo partido. Acesso em 21/11/2019 em [https://valor.globo.com/politica/noticia/2019/11/12/bolsonaro-deixa-psl-e-vai-criar-um-novo-partido.ghtml].

[2] Em vídeo, filho de Bolsonaro diz que para fechar o STF basta ‘um soldado e um cabo’. Acesso em 21/11/2019 em [http://g1.globo.com/globo-news/jornal-globo-news/videos/v/em-video-filho-de-bolsonaro-diz-que-para-fechar-o-stf-basta-um-soldado-e-um-cabo/7103995/].

[3] Bolsonaro: “Sou a favor da tortura, golpe militar, fechar o congresso nacional e matar inocentes”. Acesso em 21/11/2019 em [https://www.youtube.com/watch?v=ihvl497x37c]

[4] Novo partido se apresenta como ‘sonho de pessoas leais a Bolsonaro’. Acesso em 21/11/2019 em [https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,novo-partido-se-apresenta-como-sonho-de-pessoas-leais-a-bolsonaro,70003087117].

[5] MARX, Karl. O 18 Brumário de Luis Bonaparte. Prefácio à 2a edição de 1869.

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