Home Office e superexploração do trabalho
Home office é a Gourmetização da Superexploração do Trabalho
Por Giovanni Frizzo*
Nestes tempos de quarentena e isolamento social, se disseminaram diversas mudanças nas relações de trabalho. O chamado Home Office (também conhecido como teletrabalho ou trabalho remoto) tem sido uma das principais formas de manter os trabalhadores produzindo riqueza para os seus patrões. Embora compreensível a sua introdução na vida das pessoas pela necessidade de isolamento por conta da pandemia de COVID-19, os empresários já utilizam este momento de excepcionalidade como laboratório para o pós-pandemia. Já se indica um aumento de 30% nesta forma de trabalho, após a pandemia, em vista de que os resultados para o bolso dos patrões com o Home Office é de maior lucratividade.
Porém, para os trabalhadores e trabalhadoras, a realidade não é bem assim. Embora proliferem os discursos de que esta forma de trabalho é boa, tais como “posso fazer o horário que quiser”, “fico mais tempo com minha família”, “adapto o trabalho à rotina doméstica”, é preciso analisar por que a burguesia estimula essa forma e como isso aumenta a exploração do trabalho.
O primeiro elemento se refere à diminuição das despesas de estrutura e manutenção da empresa que são transferidas para o trabalhador. Como a regulamentação desta forma de trabalho ainda não está definida, ao estabelecer a forma de Home Office, as despesas das empresas com energia elétrica, internet, plano de telefonia, equipamentos como computadores, celular e softwares são transferidas para o próprio trabalhador, que continua recebendo o mesmo salário, porém aumentando suas despesas pessoais dos seus planos domésticos de telefonia, internet, luz etc. Ou seja, diminui a sua renda e aumenta o lucro do empresário.
Do ponto de vista da economia política (em que pese a necessidade de análise mais aprofundada), amplia-se a mais-valia relativa, portanto superexplorando o trabalhador, e diminui o investimento em capital constante sem com que isso se reflita no preço final das mercadorias/serviços pagos pelos consumidores. É quase um truque de mágica da burguesia: diminui a renda do trabalhador sem diminuir o salário; aumenta o lucro do patrão sem aumentar o preço das mercadorias/serviços.
Não é por outra razão que a Medida Provisória 927/2020, do Bolsonaro, define inclusive que o empregador pode estabelecer Home Office sem acordo coletivo ou concordância do trabalhador. Assim como, amparado por lei, o vale-transporte pode ser cortado, o empresário não é obrigado a fornecer os equipamentos e a jornada de trabalho pode ser flexível com o cumprimento de metas da empresa.
Disso temos o segundo elemento da superexploração do trabalho: a jornada de trabalho diária interminável. Diferente da empresa em que os horários de trabalho são bem definidos, inclusive batendo cartão, quando a jornada de trabalho se transfere para casa, não se tem como definir o que é trabalho e o que é a vida pessoal. Desde o momento em que acorda até a hora de dormir, tudo é trabalho. Ainda mais quando o mecanismo encontrado pelos patrões para controlar o Home Office é através de metas, inclusive de forma meritocrática em que quanto mais metas atingir melhor – ou menos pior – é a sua remuneração.
A produtividade para a empresa se insere no cotidiano doméstico, o almoço é ao lado do computador, o café da manhã é na mesa do escritório, as tarefas domésticas são acompanhadas de fone de ouvido ligado ao celular atendendo clientes, o filme na televisão é interrompido pelas notificações que clientes e patrões enviam pelo celular… enfim, a vida é consumida pelo emprego enquanto o empresário lucra cada vez mais.
Com muita luta, a classe trabalhadora conquistou direitos ao longo do tempo, um destes é relativo à saúde do trabalhador e da trabalhadora. Esse amparo só tem resguardo quando quaisquer situações que afetam a saúde são comprovadamente originadas durante o exercício profissional. Agora, imagina se algum adoecimento em decorrência do trabalho ocorre em situação de Home Office? Como comprovaria que a LER (lesão do esforço repetitivo), o estresse, a depressão ou qualquer outra doença foi adquirida no emprego ou em tarefas domésticas? Certamente, o patrão iria até o fim para comprovar que não teve nada a ver com isso, mesmo que o trabalhador ou a trabalhadora tenham adquirido danos irreparáveis em sua vida. Este é o terceiro elemento da superexploração do trabalho.
Há ainda um quarto elemento ilustrativo da precarização do trabalho quando operado em Home Office: a superexploração da mulher. Já é mais do que sabido que a sociedade patriarcal e capitalista relega às mulheres condições muito piores de vida do que dos homens, especialmente em relação às várias jornadas de trabalho que as mulheres cumprem. Agora, imagine então operando em Home Office? Não são somente jornadas múltiplas de trabalho, acabam se tornando jornadas múltiplas e integradas de trabalho. Ou seja, trabalho doméstico, cuidados familiares com marido, filhos e/ou idosos e o trabalho para a empresa se integram em uma condição em que as responsabilidades são diversas e a rotina precária intensificada. Enquanto responde a um cliente no celular com a mão direita, mexe a panela que está no fogo com a mão esquerda, conversa com o filho sobre os temas de casa trazidos da escola, enquanto lembra que tem que colocar a roupa do marido para lavar. Sem contar que a violência doméstica e o risco de feminicídio cometido por cônjuges fazem com que a condição de vida da mulher seja ainda mais degradante.
Estes elementos dão conta de compreendermos que o mundo fantasioso da propaganda burguesa de que trabalhar em casa é estar sentado em seu sofá olhando o mar pela janela é apenas a forma como o burguês está passando o seu dia enquanto tu, trabalhador/trabalhadora, passa o dia em casa sem saber se o que está fazendo é seu emprego ou sua vida pessoal.
Neste momento em que enfrentar a pandemia é a prioridade para preservar a vida do povo trabalhador, precisamos lutar contra a flexibilização do isolamento social, precisamos ficar resguardados em casa e exigindo condições dignas para quem não tem moradia ou vive em situação precária. Se, nesta situação, é compreensível que o Home Office seja alternativa para a vida dos trabalhadores e trabalhadoras, por ser algo momentâneo, precisamos ficar atentos para o pós-pandemia. Pois as mais diversas formas de precarização do trabalho e da vida – como o Home Office – serão implementadas para os capitalistas recuperarem seus lucros às custas de nossas vidas subjugadas pela superexploração do trabalho.
* Docente da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e dirigente do PCB-RS