O centenário de nascimento de Zedantas
Por Roberto Arrais*
BLOG FALOU E DISSE
Carnaíba, no sertão do Pajeú, terra de muitas histórias, mas que destaca principalmente a de um de seus filhos mais ilustres, o médico e compositor Zé Dantas – parceiro de muitas canções marcantes do rei do Baião Luiz Gonzaga – inicia os preparativos para as comemorações ao centenário de seu nascimento. José de Souza Dantas Filho, que assumiu o nome artístico de Zedantas, nasceu no dia 27 de fevereiro de 1921, quando Carnaíba ainda era uma vila do município de Flores.
O prefeito Anchieta Patriota está organizando uma Comissão Especial para pensar e desenvolver uma série de eventos e atividades comemorativas ao Centenário de Zedantas, no começo de 2021. Até lá, muito esforço e muita dedicação no enfrentamento à Covid-19, para que a pandemia não interfira em uma comemoração tão expressiva para o município, para Pernambuco e para a música popular brasileira.
Em Carnaíba ele viveu sua infância e logo que foi estudar em Recife, vinha sempre de férias onde se abastecia de histórias e causos nos forrós pé de serra, nas conversas com os vaqueiros, nos encontros e festas com os amigos. Daí ele se inspirava, escrevia e como todo bom escritor, temperava ao seu gosto as grandes composições que marcaram a vida brasileira dos anos 50, do século passado e continua encantando gerações.
Qual pernambucano(a) que ainda não entoou ou ouviu pelo menos algumas estrofes de músicas escritas por Zedantas? Vamos conferir:
A letra ‘I’
Vai cartinha fechada
Num dêxa ninguém te abri
Pra quela casa caiada
Donde mora a letra “I”
E diz que cumo a cacimba
Do rio qui o verão secô
Meus oios chorô tanta mágoa
Que hoje sem água
Nem responde à dô (…).
Zedantas se inspirava no amor, na natureza exuberante das caatingas sertanejas, nos dramas sociais, na alegria dos forrós, nos lamentos, nos chamegos e nas desilusões. E por falar em amor, Iolanda, foi o grande amor de sua vida e a ela ele dedicou uma de suas composições também popularizada pelo seu principal parceiro, Luiz Gonzaga, ‘A letra I’, que acabamos de cantar.
Ele foi o primeiro grande compositor a escrever uma música de protesto, em 1953, de grande repercussão e que continua atual quase sete décadas depois: ‘Vozes da Seca‘. Esse era um quadro que o deixava indignado, pois perdurava – como perdura até hoje – nas secas do sertão, políticas clientelistas, com o governo federal, articulado com os ‘coronéis‘, tratando – e ainda trata – o problema como sendo de uma região, e não da nação, organizando frentes de trabalho de cunho eleitoreiro e sem desenvolver obras estruturadoras que pudessem assegurar melhorias reais nas condições de vida dos sertanejos.
E foi aí que ele bradou pelo Brasil um grito de protesto nos seguintes versos:
(..) auxilio dos sulista
nesta seca do sertão.
Mas doutô uma esmola
a um home qui é são
ou lhe mata de vergonha
ou vicia o cidadão (…)”
Zedantas ainda propôs, nessa mesma composição, ações para enfrentar os problemas gerados pela seca, quando dizia:
(…) Dê serviço a nosso povo
encha os rios de barrage
dê comida a preço bom
não esqueça a açudage
livre assim nóis da ismola
que no fim dessa estiage
lhe pagamo até os juro
sem gastar nossa corage. (…).
Outra temática que ele trabalhava muito nas suas composições era a natureza, o inverno, o meio ambiente, destacando os rios que banhavam a região do Pajeú, as chuvas, os pássaros, a caatinga, os festejos juninos, o tempo e nisso tudo ele integrava os vaqueiros, os agricultores e as belezas do sertão.
Muitos desses motes estão presentes neste clássico da música nordestina, ‘A volta da Asa Branca’:
(…) A Asa Branca uvindo o ronco do truvão
Já bateu asa e vortô pro meu sertão (…).
Rios correndo, as cachuêra tão zuando,
Terra moiada, mato verde, qui riqueza!(…)”.
Com relação à cultura sertaneja enraizada nos festejos juninos Zedantas tinha muitas composições e dentre elas ganha destaque ‘Noites Brasileiras’, que fala das brincadeiras e adivinhações do amor que se faziam nas noites de São João.
Noites brasileiras
Ai que saudade que eu sinto
Das noites de São João
Das noites tão brasileiras das fogueiras
Sob o luar do sertão (…)”.
No final da década de 40, já graduado médico, ele foi morar no Rio de Janeiro, fazer residência médica, e logo foi contratado pelo Hospital dos Servidores do Estado. Mas o sertão continuou povoando o seu coração e a sua imaginação, por isso o encontro com Luiz Gonzaga, sertanejo como ele, de Exú, no sertão do Araripe, que resultou na a formação de uma dupla produziu uma obra extraordinária.
Por tudo o que produziu, Zedantas é um dos mais ilustres filhos do município, que sabe reconhecer o seu talento e a grande contribuição que deu para a música popular brasileira e para a promoção da cidade, da região e de Pernambuco. O hospital tem o seu nome e exibe logo na recepção uma foto do médico José Dantas, vestido com o jaleco. O seu legado é exibido no Museu Zé Dantas, que reúne com alguns objetos doados pela sua esposa Iolanda. Em frente à casa onde ele nasceu foi erguido um busto dele, assentado no canteiro central de uma das principais avenidas da cidade que o homenageia todos os anos, em novembro, com a Festa de Zedantas, que este ano seria a 27ª edição, mas que por conta da Covid-19 deverá ser suspensa.
Zedantas tinha simpatia pela luta socialista, sendo seu último livro de cabeceira, que se encontra no Museu em Carnaíba, ‘Reflexões sobre a Revolução Cubana’, com artigos de diversos autores, entre eles, Leo Huberman e um dos comandantes da Revolução, Ernesto Che Guevara.
Ele faleceu em 11 de março de 1962, bem jovem, aos 41 anos de idade, deixando viúva a sua querida Iolanda Dantas e três filhos; Sandra, Mônica e José. Uma das suas netas, Marina Elali, tem se destacado como cantora, projetando-se nacionalmente, inclusive cantando Zedantas.
*Roberto Arrais é jornalista(repórter-fotográfico) e mestre em Gestão Pública. É membro do Comitê Central do PCB.