A solução será radical ou não será

imagemCaio Andrade*

Entre 2010 e 2019, a participação chinesa na produção industrial global saltou de 21% para 30%. No mesmo período, a fatia dos EUA no valor adicionado da indústria mundial caiu de 20% para 16%. Cada vez mais subordinado aos Estados Unidos e afundando junto com eles, o Brasil teve sua produção industrial reduzida de 2% do montante internacional em 2010 para 1% em 2019, caindo da 10ª para a 16º posição no ranking.

Mas por que falar nos dados do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial quando temos mais de 140 mil mortos por COVID-19 e o Cerrado está sendo consumido pelas chamas? Apesar de não parecer, isso tudo está profundamente relacionado. A desindustrialização faz parte de um processo mais amplo de aprofundamento do caráter neocolonial da economia brasileira, colocando o povo e o meio ambiente bem longe das prioridades do país.

Esse processo, por sua vez, ocorre em um momento de reorganização do sistema capitalista que, para se reerguer da crise de 2008/2009, expandiu sua ofensiva econômica, militar e midiática em diversas regiões. Os bombardeios da OTAN na Líbia em 2011 e o golpe neonazista na Ucrânia em 2014 fazem parte desse contexto.

Na América Latina, o imperialismo também apertou seu cerco. Alguns exemplos: em 2008, os Estados Unidos reativaram a Quarta Frota; no mesmo ano, houve uma tentativa de golpe na Bolívia; em 2009, ocorreu um golpe de estado em Honduras; em 2010, houve uma tentativa de golpe no Equador; em 2012, mais um golpe, desta vez no Paraguai.

A crise do capital e a ofensiva imperialista elevaram a temperatura da luta de classes. Na Venezuela, em 2013, a oposição deu início a manifestações de rua contestando o resultado das eleições. No Brasil, no mesmo ano, protestos contra o aumento das tarifas de ônibus nas capitais cresceram, se tornaram palco de intensas disputas e, diante da debilidade dos setores dominantes na esquerda, alavancaram movimentos de (extrema) direita.

Mesmo assim, o PT conseguiu vencer as eleições de 2014. Porém, ao contrário do governo venezuelano, Dilma optou por romper com suas promessas de campanha, desgastar-se com suas bases populares e iniciar um “ajuste fiscal”, na ilusão de que o mercado fosse retribuir o gesto, possibilitando a continuidade do seu governo. A conjuntura internacional, contudo, não teria mais espaço para a conciliação.

O imperialismo nem precisou de armas para o golpe de 2016. Bastaram o tradicional oligopólio das comunicações, o movimento “Fora Dilma” iniciado em 2015, o poder judiciário e o parlamento. É claro, uma operação tão bem orquestrada como essa seria impossível sem a ampla adesão da burguesia nativa. Mas por quê? Os dados sobre o retrocesso industrial brasileiro, apresentados inicialmente, não deveriam alertar as classes dominantes para os seus “erros” políticos?

Insistindo em leituras superadas nos anos 1960, grande parte da chamada esquerda ainda acha que sim. Mas a verdade é que não, a burguesia brasileira não tem motivos para se arrepender do golpe – pelo menos no curto prazo, que geralmente é até onde vai sua visão geneticamente mesquinha – e interessar-se pela volta do pacto social “neodesenvolvimentista”.

O compromisso da burguesia não é com a indústria, a economia nacional, a soberania nem nada disso. O compromisso da burguesia é com o capital. E se o papel reservado pelo imperialismo ao Brasil na divisão internacional do trabalho é de ser o pasto do planeta, não importa se queimarão a Amazônia e o Cerrado, desde que os lucros sigam crescendo. Não importa se vamos exportar petróleo cru para comprar derivados importados. Podem entregar a Petrobras aos gringos!

A burguesia brasileira não está preocupada com protagonismo diplomático, projeto de desenvolvimento, superação da pobreza e outros detalhes como esses. A fortuna de 42 bilionários brasileiros aumentou em mais de 35 bilhões de dólares durante a pandemia. Essa mesma fortuna é maior do que todo o valor investido em pagamentos do auxílio emergencial. Joseph Safra, por exemplo, possui sozinho 119 bilhões de reais.

Nossas elites sempre viveram muito bem como sócias menores das grandes potências capitalistas. Por que mudariam agora? Esse é o caráter das burguesias nos países de capitalismo dependente. Por que alguns custam a entender? No fundo, sabemos a resposta: ainda parece mais fácil continuar implorando as migalhas das classes dominantes do que lutar pela tomada do poder pela classe trabalhadora.

A dura realidade é que a maior parte da esquerda brasileira aceitou a tese de que o socialismo é impossível. Seja porque consideram a combinação entre democracia liberal e economia de mercado a última forma da evolução das sociedades, no caso dos reformistas, seja porque abominam as experiências socialistas concretas, no caso dos pseudorrevolucionários e socialistas envergonhados.

O momento, porém, exige reflexão. O sistema considera aceitável sacrificar vidas para preservar fortunas em vez de sacrificar fortunas para salvar vidas; as “eleições livres” são cada vez mais decididas por juízes, gabinetes do ódio, financiamentos privados e cláusulas de barreira; o Estado burguês segue matando negros nas favelas e periferias; o ministro da educação está mais preocupados com a orientação sexual das crianças do que com a sua saúde e aprendizagem; fanáticos querem linchar meninas estupradas em vez de protestarem contra o estupro.

Enquanto isso, em meio à maior crise da história do capitalismo, os países de economia planificada vêm demonstrando sua superioridade tanto no combate à pandemia do novo coronavírus quanto em relação ao desempenho da “mão invisível do mercado”. Devemos, então, questionar o que de fato é impossível: fazer a revolução socialista ou tirar o Brasil e a América Latina do buraco sem ela.

* Professor de Geografia, membro do Comitê Central do PCB e pré-candidato a vereador no Rio de Janeiro

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