O Partido que mais cresce eleitoralmente no Brasil

imagemPedro Sodré
Militante do Partido Comunista Brasileiro em Uberaba.

Notas sobre o Renova BR na política nacional e sua chegada em Uberaba

O quadro geral da Câmara de Vereadores de Uberaba

Diferente de outros países localizados no hemisfério Norte, aqui no Brasil, apesar do angustiador atraso de 2 horas na divulgação dos resultados oficiais das nossas eleições ordinárias, a maioria da população conseguiu ter acesso, antes da meia-noite do dia 16/11, às composições de suas Câmaras de Vereadores para a próxima legislatura, aos vencedores em primeiro turno das disputas para as Prefeituras e aos confrontos que irão estender o período eleitoral na definição dos vencedores ou vencedoras em segundo turno até dia 29/11 em algumas cidades brasileiras.

Em Uberaba, no Triângulo Mineiro, os resultados oficiais saíram por volta das 23h30. Para os mais atentos à política local, a configuração da disputa para o segundo turno não pode ter sido surpresa alguma. Elisa Araújo (Solidariedade), preterida pela Direção Estadual do Partido Novo, vinha despontando nas pesquisas nas últimas semanas, enquanto surfava na onda da mais vazia e oca representatividade feminina – impulsionada localmente inclusive por algumas figuras que se autoproclamam “de esquerda” – ao passo que também ganhava capilaridade o seu apelo à “renovação”, uma vez que seus dois principais adversários já são figuras conhecidas da política uberabense.

Por outro lado, Tony Carlos (PTB), que até ontem estava no mesmo barco que Paulo Piau (MDB), precisou trabalhar para desvincular sua imagem da atual administração municipal, o que não adiantou e não irá adiantar, deixando em contornos bastante nítidos que a cadeira da Prefeitura de Uberaba, finalmente, estará nas mãos de uma mulher – o que, sob hipótese alguma representa uma vitória para a população trabalhadora de Uberaba, sobretudo e principalmente para as mulheres.

Mas não é do nosso interesse analisar detidamente a disputa para a Prefeitura. Queremos, por outro lado, avaliar como ficou a composição da Câmara de Vereadores de Uberaba para a próxima legislatura, analisar o que isso representa na reorganização do poder local e em qual medida nossa pacata cidade, amaldiçoada há mais de 100 anos pelo gado zebu, nos ajuda a compreender o caminho que vem tomando a política nacional. Vamos então, direto e sem rodeios, aos dados crus dessas eleições, para depois elaborarmos uma análise de maior fôlego.

O PP (Celso Neto, Rochelle, Cabo Diego Fabiano e Varciel) se torna o maior Partido da Câmara de Vereadores. O MDB (Jammal, Fernando Mendes e Samuel Pereira) encolhe pela metade, caindo de 6 vereadores na atual legislatura, para 3 cadeiras a partir de 2021. Podemos (Alessandra Amaro e Elias Divino), DEM (Almir Silva e Baltazar da Farmácia), PSL (Lu Fachinelli e Tulio Micheli) e PSD (IsmarMarão e Anderson Donizeti) chegam a 2 cadeiras cada um. Patriota (Denise Max), Solidariedade (Caio Godoi), PSC (Prof. Wander), PMN (China), PDT (Luizinho Kanecão) e PTB (Pastor Eloisio) ficarão com uma cadeira cada. O Cidadania irá perder a cadeira que ocupa durante a atual legislatura.

Os números, por si só, não dizem muita coisa. Podemos ter a impressão de que o MDB, de Paulo Piau, Partido bastante representativo dos grupos oligárquicos da cidade e profundamente vinculado aos interesses das classes dominantes que exercem a direção municipal, acabou perdendo força. Mas não é assim que a banda toca. Houve uma recomposição figurativa, apenas de rostos e nível de amarelamento dos sorrisos dos nossos futuros vereadores e vereadoras, por assim dizer. O papel da Câmara como correia de transmissão dos interesses da administração municipal, independentemente de quem levar o segundo turno, no fundo não se altera profundamente.

Sabemos que na política municipal, assim como no fisiologismo que sustenta a lógica partidária nacional, pouco importa a composição das agremiações partidárias, que muitas das vezes baseiam seus processos de reorganização interna fundamentado em desencontros pessoais e afetivos das lideranças políticas locais, sendo muito raras as distensões políticas reais e profundas entre esses grupos. No fundo, em Uberaba, a confusão entre as dimensões do público e do privado seguirão fazendo escola. A Câmara continuará sendo um ambiente de baixarias sem fim – ainda que grande parte de seus representantes afirmem cultivar valores como os da “boa índole”, do “caráter”, do “respeito à família” e dos “bons costumes”. O povo de Uberaba continuará a sofrer com projetos sem sentido, que apenas servem aos interesses dos mais ricos e que em nada alteram a nossa qualidade de vida.

Mas, para dizer que nem tudo permanece como está, existem dois dados extremamente relevantes a serem analisados, que merecem toda atenção e seriedade no trato. O primeiro, que é um indicativo das eleições desse ano mas que precisará ser confirmado no próximo período: Franco Cartafina (ex-PHS e atualmente PP), que possui uma trajetória política avassaladora na cidade, tendo sido o vereador eleito em 2012 com o menor número de votos, para posteriormente, em 2016, chegar a 4.983 votos na sua reeleição à Câmara Municipal e conquistar, em 2018, uma cadeira na Câmara de Deputados do Congresso Nacional com mais de 50.000 votos, passa a se consolidar como um dos principais articuladores políticos dos grupos dirigentes locais. A atenção aos seus passos é fundamental para saber em que medida o menino de ouro dos Cartafina, conhecida e poderosa família local, poderá se firmar como representante e aglutinador dos interesses dos diversos segmentos das classes dominantes de Uberaba e de Minas Gerais. Que sua relação com o povo é puramente eleitoral e demagógica, digna das atitudes dos políticos tradicionais, nós já sabemos. Afinal, são conhecidas suas “ações sociais”, dignas de assistencialismo barato, para conquistar afeto e a segurança do trabalho de cabos eleitorais fiéis pelos cantos da cidade. Mas são exatamente essas duas dimensões – o bom trânsito entre os grupos dirigentes locais, regionais e nacionais e estabelecimento de uma hegemonia junto à organizadores locais de setores das camadas populares – que confirmam seu papel de inteligente articulador político quando vemos que das 21 cadeiras disponíveis na Câmara de Vereadores esse ano, Franco acabou sendo o impulsionador de, até onde sabemos, 6 delas – Rochelle, Cabo Diego, Celso Neto, Varciel, Alessandra Amaro e Elias Divino.

O outro dado, que se vincula ao primeiro que acabamos de apresentar, é a falsa ideia de que o PP se tornou o maior Partido da Câmara de Vereadores de Uberaba. Para nós é bastante nítido que o Progressistas foi uma legenda minuciosamente escolhida – por quem, nós entenderemos depois – para abrigar os apadrinhados políticos de Franco Cartafina. Ideologicamente, é um Partido como qualquer outro, sem qualquer diferenciação consistente de outros Partidos de centro ou de direita. É na realidade uma agremiação-arara, que recebe candidatos-cabide e trata a política como um negócio, buscando as melhores “candidaturas” disponíveis para se manterem abertos aos recursos públicos e às negociatas envolvendo a riqueza produzida pelos trabalhadores e trabalhadoras do Brasil. Ocorre que o PP não foi escolhido pura e simplesmente por Franco Cartafina ou por seus apadrinhados – aliás, alguns ali estão apenas no lugar certo, na hora certa. O projeto que orienta o maior Partido da Câmara de Vereadores de Uberaba é mais amplo, tem o ar de “novo” e brinca com o sentimento legítimo do povo por mudança nas estruturas políticas e sociais.

O maior Partido da Câmara de Vereadores de Uberaba não é o PP. O maior Partido da nossa Câmara de Vereadores não é nem mesmo um Partido, por assim dizer. O maior Partido eleitoral hoje, em Uberaba, se chama Renova BR. E nós tentaremos mostrar aqui quem são as pessoas por trás dessa organização.

Quem paga a banda, escolhe a música

Em um país onde a política é vista como um negócio e os Partidos são vistos como meras empresas, nada mais justo do que afirmarmos que nossos “representantes” eleitos são meros prestadores de serviços. Mas não se enganem, eles não estão nas Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas, no Congresso Nacional ou Palácios de Governo para prestar serviços a você, que acorda as 05:00 para pegar três ônibus para chegar ao trabalho antes das 07:00, ou para você que limpa o banheiro da família de algum engravatado, ou até mesmo para você, que está desempregado e precisa de garantir o pão na mesa fazendo um bico aqui e ali. Como a velha lógica de mercado nos ensina, quem paga por alguma coisa sempre espera receber algo em troca – e a parte mais rechonchuda das contas em eleições, muitas das vezes não somos nós que pagamos.

Vejam, por exemplo, o caso de Eduardo Mufarej, empresário da Educação e gestor de grandes companhias brasileiras na área de investimentos. Conhecido por vender “soluções inovadoras” para redes de escolas privadas, através da gigantesca Somos Educação, o empresário é um entusiasta da educação-mercadoria. Para ele a educação não passa de um nicho de mercado, um ambiente com grandes oportunidades para investimento e com possibilidade de vultuosos retornos financeiros. Com sua “visão empreendedora”, no ano de 2017, o empresário tomou a iniciativa de fundar, com o apoio de outros milionários brasileiros, a escola de formação e “renovação política” Renova BR. Iremos demonstrar logo mais qual é a função que essa “escola” cumpre e a quais interesses ela serve, mas antes, como prelúdio para essa demonstração, é importante entendermos como ela vêm operando na arena da política eleitoral e quem são seus principais financiadores.

As eleições na cidade de Uberaba, no interior de Minas Gerais, podem ter sido uma das maiores vitórias para o Renova BR, Eduardo Mufarej e seus financiadores. Quatro alunos do Renova BR foram eleitos por aqui: Celso Neto (PP), Rochelle (PP), Cabo Diego (PP) e Caio Godoi (Solidariedade). E pelo menos outros dois chegaram muito perto de serem eleitos: Daniel Angotti (PSD) e Rafael Carvalho (Podemos). Além de terem passado pela Renova BR, todos esses nomes tiveram outra coisa em comum: receberam doações de campanha do próprio Eduardo Mufarej e de nomes que constam como financiadores da organização – a grande maioria deles, como pode se esperar, com um histórico terrível para quem diz querer combater a corrupção e a “velha política”.

Tabela de Doações de Campanha – Alunos do Renova BR em Uberaba
Doador Donatário Valor
Eduardo Mufarej Rochelle (PP) R$ 1.500,00
Eduardo Mufarej Celso Neto (PP) R$ 3.000,00
Eduardo Mufarej Cabo Diego (PP) R$ 1.500,00
Eduardo Mufarej Caio Godoi (SD) R$ 3.000,00
Eduardo Mufarej Daniel Angotti (PSD) R$ 3.000,00
Eduardo Mufarej Rafael Carvalho (Podemos) R$ 3.000,00
Roberto Lombardi de Barros Caio Godoi (SD) R$ 5.000,00
Roberto Lombardi de Barros Cabo Diego (PP) R$ 3.000,00
Sergio Henrique Cançado de Andrade Caio Godoi (SD) R$ 3.000,00
Rogerio Frota Melzi Rochelle (PP) R$ 10.000,00
José Salim Mattar Júnior Daniel Angotti (PSD) R$ 10.000,00

É o caso de Salim Mattar, que doou a quantia de 10 mil reais para Daniel Angotti (PSD). Para quem não se recorda ou quem por acaso não chegou a conhecer, Salim Mattar é o mesmo sujeito que até poucos meses atrás estava no governo Bolsonaro, ocupando a Secretaria de Desestatização do Ministério da Economia de Paulo Guedes, com a tarefa de destruir a soberania do povo brasileiro sobre suas riquezas, buscando entregar todo o patrimônio nacional para a mão de seus companheiros de classe através de privatizações e terceirizações de serviços e empresas fundamentais para a população – como os Correios, a Petrobras, a Eletrobras e da PPSA. Será que um sujeito desse iria apoiar e financiar qualquer iniciativa que fosse na contra-mão dos seus interesses de classe? É claro que já conhecemos a figura de Daniel Angotti em Uberaba e sabemos que no mundo particular dele, de um jovem criado em berço de ouro de uma das famílias mais ricas e poderosas da cidade, suas ideias já são correspondentes com aquelas que representam a classe de Salim Mattar. Mas tal dado é no mínimo indicativo de qual o papel que as “novas lideranças” como essas já cumprem e deverão cumprir uma vez que forem eleitas com o apoio de iniciativas como o Renova BR.

Outro caso que nos chama atenção é o da doação recebida pela “progressista” Rochelle (PP), no valor de 10 mil reais advindos de Rogerio Frota Melzi, ex-presidente de um dos oligopólios da educação no Brasil – a Estácio – e atualmente presidente da Hospital Care, holding de saúde que nos últimos anos vem avançando sobre cidades em todo o Brasil, prestes a criar um novo monstro da saúde privada no país. Qual poderia ser o significado dessa doação? Podemos, por enquanto, apenas especular. Mas novamente somos tragados pelo incômodo de ver um gigante econômico “investindo” em uma candidatura, onde muito provavelmente ele espera poder cobrar um retorno, sem saber como irá se portar a nossa futura vereadora quando, por exemplo, os interesses da saúde pública na cidade se confrontarem com os interesses mercadológicos da saúde privada promovida por Rogério Melzi.
Sabemos que doações de campanha podem ser feitas por qualquer pessoa, para qualquer candidato. O que tentamos demonstrar aqui é que as doações recebidas pelos alunos e aluna do Renova BR eleitos em Uberaba – e até mesmo aqueles que não foram eleitos – nos parecem muito mais uma forma de estabelecer um compromisso político prévio com os doadores, do que um mero e ingênuo ato de “confiança” nos nomes que se colocaram à disposição da população uberabense nas eleições desse ano. Mas o que sustenta essa suspeita não é apenas o histórico de quem doou e a postura daqueles que receberam essas doações. O que nos dá munição para poder tecer esses comentários sobre o significado e o sentido dessas doações é o próprio papel que o Renova BR vem cumprindo no Brasil, quais os interesses que ele e seus alunos representam e quais são as concepções que orientam o seu trabalho de “formação de novas lideranças políticas”.

O maior Partido da Câmara de Vereadores de Uberaba não é um Partido

Análise do papel do Renova BR na política nacional, suas concepções e quais os interesses que seus alunos representam.

O que define o que é ou não um Partido? Os nossos Partidos são apenas aquelas organizações que possuem registro na Justiça Eleitoral? O título desse artigo pode nos indicar que sim, mas isso foi apenas uma forma de chamar sua atenção – e pretendemos, sinceramente, até o final dessas linhas, conseguir demonstrar que apesar de o nosso objeto de análise não se apresentar ou não ser reconhecido formalmente como um Partido, é exatamente como um Partido que ele atua. Como indicação preliminar, não podemos deixar de apontar que considerar como Partido apenas aquelas organizações que possuem registros partidários junto à Justiça Eleitoral seria uma definição bastante formalista e vazia do que é, de fato, um Partido. Seria, inclusive, um desrespeito à própria história do PCB, que durante mais de 70 anos de sua existência foi considerado ilegal pelos donos das togas e dos tribunais no Brasil, ainda que atuante politicamente no movimento sindical e nos movimentos populares durante todo esse período. A boa teoria política já afirmava: importa muito pouco como algo ou alguém se apresenta ou diz de si mesmo, é a prática que deve ser o critério da verdade.

Se você encontra um fruto que parece uma banana, tem a cor de uma banana, tem cheiro de banana, gosto de banana e se você o colheu em uma bananeira, ele só pode ser, afinal, uma banana. Se o RenovaBR atua politicamente nos quatro cantos do Brasil, forma candidatos para participar de eleições em todas as regiões, indica técnicas de comunicação e estruturas para construção de campanhas eleitorais e se seus diretores, conselheiros e financiadores injetam dinheiro nessas candidaturas de Norte a Sul no país, nada mais justo do que afirmar que o Renova BR é aquilo que, na prática, ele é: um Partido. Isso, em si, é um problema? Poderíamos dizer que não. Afinal não há nada mais justo, em um sistema multipartidário como o nosso, do que a existência de diversos Partidos.

Mas então, porque essa polêmica? Qual o sentido dos nossos apontamentos?
A grande questão é que, por detrás de toda essa balela de “renovação política”, “novas práticas”, “boa gestão pública” e da tão aclamada “gestão com base em dados e evidências”, está encarnado o espírito maligno que atormenta nossas vidas há pelo menos 40 anos, só que dessa vez, sem a brutalidade discursiva que lhe foi característica até aqui. Agora, com esses grupos, tudo está repaginado, está mais soft, mais moderno, mais palatável. A maldição continua a mesma, o que muda são os espíritos obsessores que colocam ela em ação. Se antes eram almas-penadas como a sanguinária Margareth Thatcher, o hollywoodiano Ronald Reagan, o democrático Augusto Pinochet, o principesco Fernando Henrique Cardoso e o moderninho Paulo Guedes, agora quem nos faz ter medo de olhar para os lados, sentir o peso do estômago vazio e a desesperança no amanhã são jovens sorridentes, cheios de boa vontade, que falam tanto sem dizer nada e que podem colocar uma faca no nosso pescoço enquanto nos encantam com sua boa lábia (ou seria velha?) sobre “boa política” e todas essas outras coisas que você já conhece bem.

Inclusive, é preciso afirmar que dados e evidências por si só não dizem nada. Muito me espanta que a tal “intelectualidade brasileira”, que dentro das Universidades e Grupos de Pesquisa está tão preocupada com as grandes discussões epistemológicas e metodológicas das inúmeras áreas da ciência, se preste a argumentos políticos tão chulos e insignificantes. Não é preciso ter um diploma de um curso superior para saber que tão importante quanto os “dados e evidências” apresentados para justificar qualquer ação ou posição, é a forma que selecionamos esses dados, e consequentemente como escondemos outros, assim como a abordagem e o trato que damos a eles, que dirá a quais interesses e sobre qual perspectiva estamos orientados em nossas análises e iniciativas políticas.

Ou vocês acreditam que pessoas como Salim Mattar (ex-Secretário de Desestatização de Jair Bolsonaro), Rogério Melzi (ex-presidente da Estácio), Eduardo Mufarej (fundador do Renova BR e empresário da Educação) vão financiar iniciativas que formam sujeitos que irão defender ampliação de direitos sociais, reversão de privatizações, restauração de direitos que nos foram roubados (como a previdência social e leis trabalhistas), maiores recursos públicos para educação e saúde públicas? Para os jovens cheios de energia – e alguns, devemos dizer, realmente podem chegar ali se preocupando em fazer algo diferente do que está posto pela política tradicional, mas acabam sendo tragados pela hegemonia liberal desse ambiente – do Renova BR e demais grupos de “renovação política” isso é praticamente impossível. Mas porquê?

No fundo, é porque a principal força ideológica que é alavancada no interior dessas iniciativas termina sendo aquela que professa a velha cartilha liberal: a das privatizações, destruição de direitos sociais, redução de investimentos em saúde, educação, moradia e saneamento básico, ampliando e aprofundando as dificuldades para a vida do nosso povo nas cidades brasileiras. E isso não é apenas retórica. Aqueles e aquelas que gostam tanto de dados e evidências, podem se deleitar com as informações a seguir.
Para comprovar a orientação da tendência ideológica desses grupos, basta analisarmos, por exemplo, quem foram os alunos do Renova BR que disputaram as Eleições Gerais de 2018 e que conseguiram conquistar cadeiras na Câmara de Deputados e nas Assembleias Legislativas de diversos estados. Dos 17 que naquela ocasião se elegeram, mais da metade são de Partidos de extrema direita e a maioria dominante – cerca de 8 deles – se elegeram pelo Partido Novo.

O Partido Novo, que é aquele mesmo Partido cuja bancada na Câmara de Deputados foi fiel ao presidente Jair Bolsonaro em 92% das votações de leis e projetos apresentados pelo governo do genocida nos últimos 2 anos. Dos 8 atuais deputados do Novo, 4 deles foram formados entre as turmas do “democrático” e “responsável” Renova BR e outros 3 são membros de um grupo similar, a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS) que cumpre basicamente o mesmo papel ideológico do grupo que até agora analisamos.

E isso não é tudo. O Partido que mais usufruiu dessa grandiosa escola de formação de “novas” lideranças políticas foi exatamente o Partido Novo, que desponta com o número de 152 filiados e filiadas que já passaram pela seleção e cursos de formação do Renova BR, segundo dados do próprio portal da organização. Atrás do Novo, temos o Cidadania com 104 formados, o PSB com 86, o Podemos com 54, o PT com 45 e o PP com 44. Resta analisar uma questão que para nós já está bastante resolvida: alguém pode acreditar que o Novo, que tem como uma de suas características a firmeza ideológica nos princípios do liberalismo, aceitaria que entre seus quadros fossem disseminadas visões de mundo e de política incompatíveis com as da privatização da saúde e educação, desregulamentação financeira, extinção de direitos sociais e trabalhistas, buscando privilegiar apenas os grandes empresários e patrões? Para nós a resposta dessa questão é simples, ficando nítido a quais interesses essas iniciativas de “renovação política” acabam servindo no final das contas.

Alunos Renova BR – Divisão por Partidos
Partido Nro. de Alunos
Novo 152
Cidadania 104
PSB 86
Podemos 54
PT 45
PP 44
PDT 43
DEM 40
Solidariedade 37
Avante 27

Vejam, por exemplo, a posição do Dep. Federal Tiago Mitraud (NOVO-MG), um dos formados na primeira turma do Renova BR, sobre as discussões no Congresso sobre o FUNDEB, ocorridas nesse ano. Em vídeos postados nos dias 21/07 e 22/07 no seu perfil no Instagram, o Deputado tentava se apresentar como uma figura sensata, que baseava suas posições nos famigerados “dados e evidências”, buscando demonstrar que é pouco estratégico do ponto de vista da administração pública que o Estado garanta, através dos recursos do Fundo, o pagamento do piso salarial para os professores e professoras dos municípios brasileiros. Sua proposta era uma vazia “defesa da Educação Básica” brasileira, apontando que os recursos do Fundo deveriam ser voltados para as próprias crianças – contrapondo os interesses destas aos de seus professores e professoras – na criação de condições para melhorar o ensino e o aprendizado dos jovens brasileiros.

Em momento algum o Deputado apresenta um discurso que poderia ser caracterizado como “ideológico” pelo senso comum ou pelos jornalistas globais, e é exatamente aí que reside a sofisticação da forma como opera a assim chamada “nova política”. Ideologia, segundo a escola Renova BR e o social-liberalismo que lhe dá sustentação, é coisa dos extremos. Jair Bolsonaro e Hugo Chávez é que são ideológicos. Ideológicos são os fascistas e os comunistas. A “nova política” não é ideológica, ela é técnica, eficaz, certeira – ou ao menos, é assim que ela gosta de aparecer.

Mas ocorre que ideologia burguesa não se esconde, pois ela fede a carne podre, cheiro de gente trabalhadora morta, que mesmo por detrás dos dentes brancos dessa gente de terno engomado exala um cheiro fétido de quem pouco se importa com a nossa vida e sente prazer em nos ver estampando os jornais implorando por emprego, paz e dignidade. Enquanto no vídeo citado acima, Tiago Mitraud se apresentava no Plenário da Câmara dizendo que “ninguém são defende que o FUNDEB acabe” e baseava sua proposta de não pagar o piso salarial para professores se ancorando em pesquisas que demonstram que “não há correlação entre aumento salarial e melhoria da qualidade da Educação”, o Deputado Mitraud, em ocasiões anteriores, como por exemplo em Audiência Pública realizada no dia 07/11/2019 , apresentava qual a sua real posição sobre o FUNDEB: a destinação dos recursos do Fundo para financiamento irrestrito de vales-educação (os conhecidos vouchers), em uma clara tentativa de transferir montantes de dinheiro público para as mãos das empresas da Educação. O Deputado inclusive assinou uma Proposta de Emenda à PEC do FUNDEB (Emenda 3/2019 à PEC 015/15 ) que, caso fosse aprovada, permitiria que o dinheiro do FUNDEB, que deve ser utilizado exclusivamente para o fortalecimento da Educação Básica pública, poderia ser transferido para as mãos das empresas da Educação – algumas cuja maioria dos presidentes e diretores executivos se encontram entre os financiadores de várias dessas iniciativas de “renovação política”. Detalhe importante: essa Proposta de Emenda foi elaborada por Tiago Mitraud e pelo Deputado Federal Marcelo Caleiro (Cidadania/RJ). Ambos já compartilharam outro espaço juntos e não deve ser muito difícil imaginar qual seja esse ambiente, dado o teor do nosso texto. Para que não restem dúvidas, ambos são Deputados eleitos provenientes da primeira turma do Renova BR.

Alunos Renova BR eleitos em 2018 – Divisão por Partidos
Partido Nome Cargo
Novo/RJ Lucas Gonzalez Deputado Federal
Novo/RJ Vinicius Poit Deputado Federal
Novo/RJ Paulo Gamine Deputado Federal
Novo/MG Tiago Mitraud Deputado Federal
Novo/SP Ricardo Mellão Deputado Estadual
Novo/SP Daniel José Deputado Estadual
Novo/RS HeniEziCukier Deputado Estadual
Novo/RS Fábio Ostermann Deputado Estadual
Cidadania/SE Alessandro Vieira Senador
Cidadania/RJ Marcelo Caleiro Deputado Federal
PSB/ES Felipe Rigoni Deputado Federal
PSB/RJ Renan Ferreirinha Deputado Estadual
PSL/RJ Luiz Lima Deputado Federal
DEM/AL Davi Maia Deputado Estadual
REDE/SP Marina Helou Deputada Estadual
PDT/SP Tabata Amaral Deputada Federal
REDE/RR JoeniaWapichana Deputada Federal

Não podemos deixar de apontar que a presença de Partidos como o PT (com 45 formados pelo Renova BR), PDT (43), PSB (86), PCdoB (8) e até mesmo alguns filiados do PSOL (10) dentro desses grupos de “renovação política” cumpre apenas o papel infeliz de aumentar o prestígio dessas iniciativas perante a sociedade e de fortalecer a mistificadora capa de “ambiente democrático”, “suprapartidário” e de “pura formação técnica” que esses grupos tentam – e acabam conseguindo – imprimir a si mesmos. No fim, esses Partidos permitem que ainda mais cavalos-de-Tróia se infiltrem em suas fileiras, disseminando concepções estranhas àquelas que deveriam ser defendidas como princípios no interior de organizações de esquerda.

Ainda que seja bastante nítido para qualquer militante comunista que PDT e PSB são Partidos que renegaram suas origens de esquerda há bastante tempo, reiteramos aqui, para limpar o terreno de quaisquer interpretações equivocadas sobre a nossa análise, que do ponto de vista da maioria da sociedade eles ainda são vistos como agremiações que se localizam no campo das esquerdas, e que isso, de certa forma, contribui para o fortalecimento da mistificação que cobre essas tais iniciativas de “renovação política” que apontamos agora há pouco.

É importante ainda ressaltar que, apesar de não termos dados consolidados sobre quais foram os alunos e alunas do Renova BR que conseguiram se eleger nas Eleições Municipais do último dia 15/11 e por qual Partido se candidataram e acabaram sendo eleitos, já está estampado no próprio portal da organização que foram 147 os sujeitos que passaram pelos cursos de formação do Renova BR e que conseguiram conquistar cadeiras, seja nas Câmaras de Vereadores, seja nas Prefeituras, de diversas cidades brasileiras no último final de semana. Isso demonstra que sim, esses grupos vieram para ficar e possuem uma tendência de crescimento bastante aguda para as próximas Eleições Gerais, programadas para 2022. Para aqueles e aquelas que não se deixam enganar pela velha retórica reformulada, pelo perfume enganador que tenta encobrir o terrível odor desse liberalismo disfarçado, resta denunciar e apontar o perigo que essas “alternativas” representam para a construção de um caminho autônomo e independente para a classe trabalhadora brasileira.

Que esses tais grupos de “renovação política” gostam da “boa política”, da “nova política”, da “boa gestão pública”, das “boas decisões com base em dados e evidências” e de tudo que é “bom” nós já sabemos, pois eles fazem questão de repetir isso como um disco arranhado. Mas o critério principal para nossa análise, como dissemos anteriormente, não pode em hipótese alguma ser baseado na forma como esses sujeitos apresentam a si mesmos – afinal, é a prática que é o critério de verdade. E a prática desses grupos já é há tempos bastante conhecida através dos mandatos dos deputados do Novo, Cidadania e Solidariedade que se formaram nessas escolas. E se ainda restarem dúvidas, perguntem a si mesmos e investiguem com seus próprios meios: sob quais interesses de classe e bandeiras políticas se organiza e se movimenta o RenovaBR e grupos similares? Essas bandeiras são do interesse da maioria da população, da população desempregada ou subempregada, dos trabalhadores e trabalhadoras das fábricas, do comércio e do setor de serviços em geral? Esses interesses são condizentes com a realidade das mulheres que, além de precisarem de enfrentar as duplas ou triplas jornadas de trabalho durante um dia, sofrem com situações de violência doméstica, não tendo qualquer apoio ou políticas públicas que lhes dêem o mínimo de segurança para viver sua vida em paz? São bandeiras reais e concretas para as mães pretas das periferias de todo Brasil, que temem e oram para que seus filhos voltem vivos para casa e não sejam encontrados mortos num beco ou que sejam “confundidos” e levem um balaço na cabeça, em via pública, a plena luz do dia?
Certamente, se confrontados com essas perguntas, nossos “novíssimos” vereadores e vereadora de Uberaba – Celso Neto, Rochelle, Cabo Diego e Caio Godoi – que se formaram “boas” lideranças no Renova BR, irão lhe fazer promessas e firmar compromissos de olhar pelo nosso povo, fazendo diferente do que até agora já foi feito. Mas ao fim dos mandatos tudo irá permanecer como está, pois a aclamada “nova política” já mostrou que não é nada mais do que aquilo que já conhecemos, mas agora com clareamento nos dentes, penteados modernos, um sapatênis da moda e a boa vontade de mudar tudo, deixando tudo como está.

O maior Partido da Câmara de Vereadores de Uberaba não é um Partido. O maior Partido de Uberaba é o Renova BR – e agora vocês sabem que eles realmente são.

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