Esquerda x direita ou luta de classes?

imagemGiovanni Frizzo*

Algumas análises apressadas do processo eleitoral 2020 reproduzem o discurso de que Bolsonaro foi derrotado nas eleições. O motivo principal é que a maioria dos candidatos apoiados pelo presidente fascista perdeu em várias capitais. Até aqui, é correta essa afirmação. Porém, ao analisarmos estas eleições, vamos perceber que a política bolsonarista venceu.

Na imensa maioria das cidades brasileiras, o projeto vitorioso é exatamente o mesmo do governo federal: privatizações, destruição de direitos sociais, ataques ao serviço público, discursos opressores de ódio, subserviência a grandes empresários, destruição ambiental e disseminação de mentiras.

Tudo isso englobando diversos partidos da ordem e que dizem não ser aliados do governo federal, formando o que se propaga como o “centrão”. A única diferença (e nem sempre têm) entre estes é a forma de implementação do mesmo projeto político ultraliberal. Este setor é capitaneado por figuras reacionárias tradicionais e jovens conservadores que tentam parecer bonzinhos, dóceis e democráticos para se diferenciar da truculência e autoritarismo de Bolsonaro. Pode-se dizer que são bolsonaristas requintados.

Já os setores que se autoafirmam de esquerda, embora com diferenças significativas com o bolsonarismo, apresentaram propostas contraditórias para uma perspectiva contra-hegemônica. Em geral, as candidaturas do PT e PCdoB realizaram malabarismos narrativos em seus programas eleitorais para não se contraporem à ordem capitalista e, ao mesmo tempo, tentar se localizar como alternativa para o povo trabalhador. Para exemplificar, estas candidaturas não se disseram contra as privatizações, apenas defenderam algumas autarquias ou estatais públicas que são superavitárias (como a chapa do PCdoB e PT em Porto Alegre). Apresentaram propostas de “harmonia” entre setor público e privado, como se fosse possível que co-existam tais possibilidades com a garantia de direitos sociais (como a chapa do PT em Rio Grande-RS). Ou, ainda, chegam ao ponto de apoiar o PSDB em defesa da democracia (como fez o PCdoB em Santa Maria-RS). E, se precisar ir mais além, bastaria explicitar as coligações, no mínimo estranhas, que estas candidaturas fizeram pelo país (PT e PSL, por exemplo, se coligaram em 136 cidades do país) supostamente de esquerda.

É verdade que são projetos “menos piores” que o conservadorismo clássico, especialmente pelo caráter de impulsionamento destas candidaturas pelos movimentos sociais que poderiam tensionar os governos, caso eleitos, à uma agenda mais próxima dos trabalhadores e trabalhadoras. E esta foi a principal motivação que sustentou o apoio (crítico ou não) sem ilusões dos diversos segmentos socialistas e revolucionários nos pleitos de 2º turno.

Dito tudo isso, a questão central a compreender é que a sociedade capitalista não é dividida entre esquerda e direita, mas entre a burguesia e o proletariado. Entre opressores e oprimidos, explorados e exploradores. Esta compreensão é fundamental para extrairmos do contexto eleitoral os caminhos que devemos seguir dadas as sucessivas derrotas que o povo trabalhador vêm sofrendo.

Neste jogo burguês da institucionalidade, é preciso demarcar que não basta se dizer oposição a determinado governo para se constituir como alternativa para a classe trabalhadora. Até porque, estes diferentes setores de oposição quando estão ou estiveram nos governos operaram um jogo de conciliação de classes que somente prejudicou a imensa maioria da população. Frei Betto, em 2016, já apontava isso e aparentemente pouco eco teve na burocracia que dirige o PT atualmente:

“Trocamos um projeto de Brasil por um projeto de poder. Ganhar eleições se tornou mais importante que promover mudanças através da mobilização dos movimentos sociais. Iludidos, acatamos uma concepção burguesa de Estado, como se ele não pudesse ser uma ferramenta em mãos das forças populares, e merecesse sempre ser aparelhado pela elite”[1].

Obviamente que as nossas derrotas não devem ser creditadas apenas a estes setores, a análise apenas ilustra a necessidade da reorganização da classe trabalhadora que supere tais perspectivas e coloque o caráter anticapitalista e socialista como central na disputa de projetos de sociedade. O sistema capitalista é fundado, em essência, na exploração de um ser humano por outro para produzir mercadorias e, assim, produzir capital e riqueza para quem explora. Estas se transformam em formas de dominação que implicam em relações de subordinação do explorador sobre o explorado que demarca a existência de duas classes sociais antagônicas. Não tem alternativa diferente, ou és explorador ou explorado.

Nem de longe isso é novidade, mas parece que se insiste em esconder o óbvio em troca de projetos de poder institucional. As narrativas (interpretações alheias à realidade concreta) superestruturais de esquerda e direita não contribuem para o que é fundamental: avançar a consciência de classe do povo trabalhador não apenas para não votar no inimigo, mas para tomar as rédeas do seu destino, para fazer a disputa de poder para a transformação social radical e não para a acomodação nos governos e parlamentos da política tradicional.

De forma equivocada após os resultados eleitorais, em alguns círculos progressistas se disseminam vozes pequeno-burguesas de que o povo é burro, analfabeto político e que não sabe votar. Mas é preciso lembrar que os 45 dias de campanha eleitoral não superam os 4 anos anteriores de apassivamento e despolilitização.

Para um trabalhador ou uma trabalhadora que sequer consegue tempo para estudar alguma coisa, dada a terrível jornada de trabalho a que é submetido, as eleições se tornaram mais do mesmo, pois a vida real já demonstrou que diferentes governos recentes resultaram em poucas mudanças estruturais em suas vidas. No limite, algum tipo de benefício que, no imediato, ajuda a sobrevivência mas nem de longe muda estruturalmente sua vida ou avança a consciência.

A partir dessa análise é que conseguimos entender por que os partidos da ordem burguesa (mesmo os que se dizem de esquerda) fazem suas campanhas eleitorais escondendo seus partidos ou coligações, incentivando o voto em pessoas e não em projetos, comprando votos e outras práticas despolitizadoras que se repetem a cada eleição.

A tarefa central, portanto, é colocar a luta de classes como o centro da política, seja nas eleições ou fora dela. A formação política da classe para avançar a sua consciência passa por tudo o que fazemos no intervalo das eleições e não apenas na campanha eleitoral. Se realmente queremos transformar a realidade e acabar com o sistema de exploração, dominação e opressão esse é o ponto de partida.

*militante do PCB em Pelotas-RS

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