Triunfo das esquerdas no Chile: foram abertas “as grandes avenidas”

imagemAtilio Boron

Nas eleições do passado fim de semana no Chile as forças populares e democráticas obtiveram um grande sucesso. Serão largamente majoritárias na Convenção Constitucional, e a direita sequer conseguiu o terço de representantes com que contava para bloquear uma nova constituição que ponha fim ao pinochetismo. As grandes lutas de massas (quase insurrecionais) de Outubro de 2019 tiveram expressão determinante na votação popular.

No seu último discurso, em 11 de Setembro de 1973, e enquanto a aviação bombardeava o La Moneda, Salvador Allende expressou a confiança de que, mais cedo do que tarde, se abririam «as grandes avenidas» pelas quais os chilenos marcharam para construir uma sociedade melhor. Decorreu mais tempo do que todos esperávamos, mas finalmente no domingo elas começaram a se abrir e a sua consequência foi uma vitória categórica da esquerda e uma derrota esmagadora da direita. Naquilo que todos consideravam como “a mãe de todas as batalhas”, a eleição da Convenção Constitucional, os “Outubristas”, filhas e filhos das grandes jornadas insurrecionais que se iniciaram em 18 de Outubro de 2019, alcançaram maioria que fez ir pelos ares o ferrolho da cláusula-armadilha do “terço de bloqueio”.

Como condição para aceitar a convocação para a Convenção Constituinte, a direita tinha imposto a regra dos dois terços para o quórum e para aprovar os conteúdos da nova constituição. Piñera e seus comparsas estavam seguros de que as urnas renderiam um resultado que lhes garantiria esse poder de veto, ao obter uns 35 ou 40 por cento do voto popular. Mas os cidadãos decidiram o contrário.

Castigaram o seu governo e seus aliados por três razões: a gestão desastrosa da crise da Covid-19 (tão admirada pelos sicários midiáticos da Argentina e pelos dirigentes do Juntos por el Cambio), a brutalidade da repressão aos protestos populares e a súbita tomada de consciência do saque a que o povo chileno fora submetido durante décadas pelo neoliberalismo governante, principalmente por obra de um perverso regime orçamentário e do endividamento exorbitante a que foram condenadas milhões de famílias caídas abaixo do limiar da pobreza. Resultado: a pior eleição da direita desde 1965. Particularmente desastroso foi o resultado da outrora poderosa Democracia Cristã, que apenas contará com três dos 155 convencionais que compõem esse corpo.

A derrocada da direita também se verificou para além dos resultados da Convenção Constitucional.
Houve outras derrotas igualmente emblemáticas, como a experimentada num bastião tradicional (e estratégico) como a Prefeitura de Santiago, nada menos, que consagrou para o cargo Irací Hassler, uma jovem comunista que derrotou o anterior titular Felipe Alessandri, neto do ex-presidente conservador Jorge Alessandri, que se havia candidatado à reeleição. Ou a vitória esmagadora de Daniel Jadue, prefeito comunista da comuna da Recoleta, ao norte de Santiago, que venceu com 65 por cento dos votos e se perfila como um dos candidatos melhor posicionados para as eleições presidenciais que terão lugar em novembro do corrente ano.

Em Valparaíso, Jorge Sharp, da Revolución Democrática/Frente Amplio, foi reeleito. Mas os seus companheiros arrebataram nada menos que a aristocrática Viña del Mar às forças conservadoras mais reacionárias e conquistaram também as comunas de Ñuñoa, Maipú e Valdivia, na região de Los Lagos, onde foi eleita uma ex-dirigente estudantil e integrante da Revolución Democrática, Carla Amtmann.

Foram também disputados cargos de Governadores das dezesseis regiões, uma novidade no Chile. Não têm muitas atribuições num país historicamente unitário, mas ainda assim houve situações ilustrativas dessa mudança no clima político transandino. O Frente Amplio venceu o governo de Valparaíso no primeiro turno, e outras forças de oposição fizeram o mesmo no extremo sul: Aysén e Magallanes. Nas outras 13 regiões haverá segundo turno e as estimativas anteriores indicam que será muito improvável que a direita consiga mais de duas governanças.

Em Santiago, travar-se-á uma grande batalha entre o democrata cristão Claudio Orrego, filho de um dirigente histórico dessa força (e encarniçado opositor do governo de Salvador Allende, estreitamente ligado à embaixada dos Estados Unidos, como demonstram documentos desclassificados da CIA) e Karina Oliva, do Partido Comunes, uma nova agrupação popular que conta com o apoio de outras forças de esquerda. Oliva está nos antípodas de Orrego, uma família pertencente à casta política tradicional do Chile, e define-se como “mãe solteira de Emilia, feminista e mulher popular, cientista política, frente-amplista e militante do Partido Comunes”.

Resumindo: a situação político-eleitoral mudou para melhor no Chile e isto alimenta expectativas promissoras não só para aquele país, mas para toda a América Latina. O projeto neoliberal, do qual o Chile era o navio almirante, está esgotado e, na eleição do passado fim de semana, foi carimbado o primeiro registro da sua certidão de óbito oficial. O segundo e último será conhecido no que resta do ano. Entretanto, na Argentina, ainda há alguns que anseiam imitar o “exitoso” modelo chileno e seu exemplar controle da pandemia e da crise econômica.

Também eles terão um rude despertar.

Fonte: https://www.lahaine.org/mundo.php/triunfo-de-la-izquierda-en

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