Sem 21, não tem 22: a hora é essa! (parte 1)
Por Dmitry Galvão
Há 119 anos, em 1902, um Lenine, da Rússia, perguntou “O que fazer?”. Muitas décadas depois, na música “Sob o mesmo céu”, outro Lenine, esse do Brasil, perguntou “Com quantos Brasis se faz um Brasil?”.
Hoje, se invertermos a ordem das perguntas, perguntando primeiro com quantos Brasis se faz um Brasil e, a partir das respostas que surgirem, avançarmos sobre o que fazer, é possível que cheguemos a resultados interessantes.
Estamos a poucos dias do fim do ano de 2021. Grande parte da mídia, no entanto, se esforça para convencer a população de que o ano de 2022 já começou. E o pior, há quem acredite.
Essa construção visa antecipar o debate das eleições presidenciais previstas para outubro de 2022, com vistas à posse presidencial de janeiro de 2023. Esse debate não poderia estar mais distante da realidade da população trabalhadora brasileira que vem sofrendo desde a redemocratização com políticas de austeridade/ajuste fiscal.
Políticas essas que foram intensificadas com brutalidade sobretudo após o golpe de extrema-direita que instalou Temer na presidência, em 2016. O governo Temer representou historicamente um momento de violentas retiradas de direitos sociais, aumento da militarização da vida social e da educação e a definição de uma política econômica voltada exclusivamente para a especulação financeira e a exportação de produtos da indústria extrativista e agroextrativista.
Das bases desse regime de exceção (ilegítimo e rejeitado por 97% da população) vieram as eleições de 2018 que, realizadas sem que Lula, favorito das intenções de voto pudesse concorrer, resultaram na eleição do governo fascistizante de Bolsonaro.
Quando nos aproximamos do fim do 3o ano desse governo criminoso e genocida, que tem como saldo centenas de milhares de brasileiros mortos, estamos diante de uma escolha. É preciso decidir se permitiremos mais um ano de fome, miséria, desemprego e desesperança com sabe-se lá quantos mais mortos, vítimas da brutalidade capitalista em sua expressão mais perversa, a fascista.
Compreender os acontecimentos observados na política nacional nos últimos anos tem sido um desafio para o conjunto da esquerda brasileira. Um desafio sobre o qual as forças revolucionárias e socialistas têm se dedicado com especial atenção, tendo como objetivo a promoção, através da construção da luta e organização da classe trabalhadora, da consciência sobre o esgotamento do atual modelo societário vigente no Brasil e a necessidade da construção de uma alternativa socialista para que o Brasil tenha um futuro.
1822 e 1922
Ao longo dos últimos dois séculos, o ano de 22 foi marcante para a história nacional. 1822 marcou o início da formação do Estado no Brasil. 1922 marcou o início de três processos que seriam determinantes para a construção da nacionalidade brasileira ao longo do século XX.
Em 1822, teve início a formação do Estado no Brasil, que unificou as diferentes colônias portuguesas na América sob uma monarquia comandada pelo herdeiro do trono português. Essa conformação teve como marcas centrais a preservação e o aprofundamento da estrutura de classes do tempo da colônia e a manutenção da ordem social e econômica vigentes, de uma economia extrativista, agroexportadora e baseada no trabalho de pessoas negras escravizadas. Esse processo de construção do Estado foi conduzido pela classe dominante e teve como conteúdo uma transformação conservadora.
Foi a síntese de diversos processos históricos externos e internos, com notável destaque para as revoltas populares observadas principalmente nas províncias das regiões Norte e Nordeste do Brasil, como a Revolução Pernambucana de 1817. Muitas dessas revoltas tinham como bandeiras o fim da escravidão e a instalação de Repúblicas e eram influenciadas pelos processos de libertação observados nas colônias espanholas na América e por ideias propagadas pelo islamismo malê e o iluminismo europeu.
O processo de consolidação do Estado no Brasil só foi concluído quando foi coroado o filho do primeiro imperador, na década de 1840. Durante todo esse período, continuaram a eclodir revoltas. O Estado constituído era tão somente a extensão dos interesses de latifundiários escravagistas. O comitê gestor dos negócios da burguesia, como descrito por Marx. Enquanto o Estado cumpria o papel de facilitar a entrada dos produtos do Brasil no mercado externo, internamente a sua única expressão se dava na repressão da população pobre, sobretudo da população negra e escravizada.
O parlamento e todas as funções de Estado eram hegemonizadas diretamente pelos próprios latifundiários. Esse quadro se manteve dessa forma também após a proclamação da república, em 1889, que não representou qualquer alteração do ponto de vista da disposição do Estado.
A Lei de Terras (1852) continuou em vigor, privando a população negra do direito à terra e empurrando esses trabalhadores para as cidades, onde também não haviam oportunidades de trabalho, colocando sob constante ameaça e em condição de marginalidade as pessoas que, não podendo chegar a territórios quilombolas, faziam essa migração. Soma-se a esse quadro o projeto de embranquecimento da população, promovido pela burguesia, que buscou absorver imigrantes de países europeus que estavam em crise, como a Itália e a Alemanha.
A primeira república do Brasil, conhecida como República Velha, República Oligárquica ou República do Café com Leite, devido ao grande peso que os estados de São Paulo e Minas Gerais desempenhavam na política nacional, era marcada por práticas como o voto de cabresto, a repressão aos movimentos reivindicatórios, e por uma política voltada única e exclusivamente para a produção e exportação de café, que beneficiava tão somente esses latifundiários.
Em 1922, ainda em plena república velha, três movimentos fundamentais tiveram início, e estes se desdobrariam com grande intensidade principalmente nas duas décadas seguintes. Nenhum deles, no entanto, foram as eleições ocorridas também naquele ano.
Um deles foi no campo das artes, a Semana de Arte Moderna, que marcou a criação de um movimento que tinha por objetivo a ruptura com os padrões estéticos e de conteúdos europeus e a criação de uma arte nacional. Em um primeiro momento capitaneado por setores de renda média e alta e abordando temas mais abstratos, esse movimento ganharia impulso nos anos e décadas seguintes e teria notabilizada a sua segunda geração por abordar os temas sociais e regionais do Brasil.
Outro foi o Movimento Tenentista que no mesmo ano marcou a revolta dos Tenentes contra a república oligárquica. Esses oficiais de baixa patente estavam entre os poucos indivíduos da classe trabalhadora que tinham acesso à instrução formal e que se rebelaram pela constituição de uma verdadeira república que não fosse apenas o jogo de cartas marcadas dos capitalistas no Brasil.
O terceiro foi a fundação da Seção Brasileira da Internacional Comunista, atualmente Partido Comunista Brasileiro, que, no esteio das ideias e sobretudo no modelo organizativo desenvolvido por Lenin e aplicado pelo Partido Bolchevique, revolucionaram a Rússia e apontaram uma alternativa concreta para a libertação dos povos explorados e oprimidos de todo o mundo. A criação do Partido Comunista marcou a inserção ativa da classe trabalhadora brasileira no contexto internacional da luta classes do século XX.
Esses três movimentos, iniciados em 1922, não surgiram por geração espontânea. Foram o resultado de processos de disputa política e ideológica iniciados séculos antes e mais fortemente influenciados por eventos dos anos anteriores. Muitos classificam autores como Machado de Assis, Lima Barreto, João do Rio como pré-modernistas. Esses autores já haviam iniciado um processo de ruptura com a forma e o conteúdo de fazer literatura observada na Europa.
A luta dos oficiais de baixa patente e soldados por melhores condições e contra os castigos físicos, por exemplo, já havia se expressado na Revolta da Chibata de 1910. Muitos dos fundadores do Partido Comunista eram ex-anarquistas veteranos da 1a greve geral do Brasil, de 1917.
1922 foi o marco desses três processos, mas definitivamente não foi o seu início e também não foi o seu fim. As principais expressões desses três eventos se dariam ao longo da década de 1920 e começariam a ganhar contornos mais bem definidos apenas a partir da década de 1930.
Do movimento tenentista, três correntes principais se desenvolveram. Justamente as três perspectivas políticas que disputaram os rumos do Brasil principalmente até 1964. Uma deu origem à invicta Coluna Prestes, que, liderada por Luiz Carlos Prestes, percorreu mais de 25.000 km do território nacional combatendo e derrotando 11 generais da República Velha.
A segunda tinha uma perspectiva nacionalista e conservadora, que se associou à luta encabeçada por Getúlio Vargas, que representava as oligarquias dissidentes na luta contra a hegemonia de São Paulo e Minas Gerais na política nacional. E a terceira, representada por figuras como Filinto Muller, viria a se vincular às ideias integralistas/fascistas.
Ao final da década de 1920, a crise mundial do capitalismo eclodiu. A classe dominante no Brasil, que já vinha tendo prejuízos por aumentar constantemente a área de cultivo e a produção de café, que é um produto com demanda limitada e que portanto tem seu preço reduzido quanto maior é a oferta, se via em situação delicada.
O PCB, que desde a sua fundação passara pouquíssimos momentos na legalidade, adotou uma tática arrojada e lançou em 1930 a candidatura à presidência de Minervino de Oliveira, militante do Partido, negro e operário, através do Bloco Operário e Camponês (BOC). Mesmo com as conhecidas fraudes do período, a candidatura contou com cerca de 4% dos votos nos resultados oficiais.
Getúlio Vargas, candidato das oligarquias dissidentes, foi derrotado pelo paulista Júlio Prestes, candidato da república velha, mas o assassinato de João Pessoa, candidato à vice-presidente na chapa de Vargas, foi a senha para o que ficaria conhecido como revolução de 1930. Essa tomada de poder por parte das oligarquias dissidentes foi definida pelo então governador do estado de Minas Gerais, Antônio Carlos de Andrada, à época chamado de presidente do estado, pela seguinte frase: “Façamos a revolução antes que o povo a faça”. Nessa construção está contido o sentido da tomada de poder por essas oligarquias: a organização do capitalismo no Brasil aos moldes que se apresentavam necessários no século XX, sobretudo a partir da eclosão da crise de 1929.
O governo de Vargas representou o atendimento parcial de demandas colocadas pelas camadas médias e populares. Na mesma medida em que combateu o federalismo, estimulou o desenvolvimento de uma identidade nacional, que ainda que deslocada da realidade concreta e material da formação social brasileira, impacta até hoje no ideário de parte considerável da população. Essa identidade está baseada no mito de que o Brasil seria um país livre de racismo e no qual vigoraria uma “democracia racial”, diferentemente do que ocorreria em países como os EUA.
Vargas abriu espaços na política institucional que até então eram ocupados apenas pelas oligarquias, para profissionais liberais, afastando parte desses segmentos de perspectivas de radicalização política e de uma união mais orgânica com as camadas populares da classe trabalhadora. Vargas fez isso nomeando como interventores de capitais e de governos estaduais, médicos, militares de média patente, advogados, dentre outros. Ampliou funções do Estado, criando a justiça eleitoral, instituindo concursos públicos e aumentando a capacidade de intervenção e investimento público e assumiu as rédeas da política econômica, queimando a contragosto das oligarquias cafeicultoras grandes quantidades de café com o objetivo de eliminar a superprodução do mercado e assim estancar a queda de preço do produto no exterior. Dentre suas medidas para os trabalhadores envolveram a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e o salário mínimo, não sem que fosse minada a representação independente da classe trabalhadora, que era obrigada a se vincular aos sindicatos do Estado.
Ao longo da década de 1930, foram três as lideranças que disputaram os rumos do Brasil que emergia da luta de classes. Getúlio Vargas, representante das oligarquias dissidentes e muitas vezes próximo do ideário fascista, Luiz Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança, que no começo da década de 1930 teve contato com o ideário marxista-leninista e ingressou no PCB, e Plínio Salgado representante do nazifascismo no Brasil sob a forma do integralismo. Prestes foi presidente de honra da Aliança Nacional Libertadora (ANL), a primeira frente de massas em escala nacional, que chegou a contar com mais de 1 milhão de membros, mas que acabou desarticulada após o insucesso do Levante de 1935.
A ditadura empresarial-militar de 1964
A classe capitalista no Brasil, como se observa desde a colonização, sempre foi antinacional, antipopular, genocida, sócia menor e subordinada aos interesses externos dos países capitalistas centrais. Como classe, nunca teve interesse no desenvolvimento do Brasil ou na garantia de condições mínimas de vida para a população brasileira. Ao contrário, praticou continuamente o genocídio dos povos indígenas e do povo negro e sempre que pôde adotou o método da repressão brutal como forma de contenção das insatisfações. Trata-se de uma classe composta por indivíduos que têm como único interesse o lucro individual e familiar. As apostas em uma burguesia nacional industrial desenvolvimentista, muito presente até os dias de hoje na estratégia neodesenvolvimentista, observada em partidos como o PT, o PCdoB e o PDT, mostraram-se definitivamente equivocadas já em 1964.
Não que não houvesse entre os capitalistas indivíduos que defendessem o desenvolvimento nacional e algum grau de melhoria das condições de vida da classe trabalhadora. A questão é que esses indivíduos que podem ser rastreados até o Barão de Mauá e chegar aos empresários apoiadores de Jango, sempre foram fração francamente minoritária dentro da classe capitalista, tendo a regra prevalecido em relação às exceções.
Em 1964, o conjunto da classe capitalista esteve diante dos rumos que se apresentavam para o Brasil. Um era o desenvolvimento de um capitalismo no Brasil com ampla participação popular, estímulo ao mercado interno e com melhorias das condições de vida da população, encampado por Jango.
O segundo era o modelo socialista, encampado pelo PCB, mas que naquele momento apostava em uma etapa democrática e nacional da revolução, que segundo essa análise envolveria também a burguesia industrial, que estaria em contraponto ao capitalismo agrário atrasado. O terceiro seria o modelo de modernização conservadora, subordinada política, ideológica e economicamente aos EUA. Este último foi a escolha da classe capitalista no Brasil e a sua expressão foi o golpe empresarial-militar de 1964.
A gente veio do presente conhecer nosso passado
A vitória do projeto de desenvolvimento subordinado aos EUA representou um processo de concentração e centralização de capitais que convergia para beneficiar empresas ideologicamente alinhadas ao regime. Outro movimento foi dado contra as entidades da classe trabalhadora, como sindicatos, grêmios e diretórios estudantis, associações de militares de baixa patente, militares nacionalistas e de esquerda e lideranças populares.
De 1964 a 1968, a ditadura dedicou-se à repressão dessas entidades até que procedeu à total inviabilização das suas atividades. De 1968 a 1973 foi implementada a repressão sistemática aos movimentos de resistência armada ao regime que se avolumaram a partir das gravíssimas restrições e violações dos direitos humanos fundamentais impostas desde 1964, e aprofundadas pelo AI-5, assinado em 13 de dezembro de 1968. O AI-5 veio como uma resposta às grandes mobilizações que se desenrolaram no decorrer do ano. Um exemplo foi a Marcha dos Cem Mil, em protesto ao assassinato do estudante secundarista Edson Luis.
O movimento sindical também ensaiava uma rearticulação e greves começavam a pipocar.
Forte ofensiva se deu também contra os movimentos do campo e pela reforma agrária. A política de substituição de importações, que tinha por objetivo fazer a transição da economia brasileira de agrário-exportadora para industrial foi abandonada. Essa política foi praticada por JK, com maior participação do capital transnacional; e por Jango, com maior participação de capital nacional.
A ditadura empresarial-militar apostou em uma expansão da fronteira agrícola em direção ao centro-oeste e ao norte. Um movimento semelhante à marcha para o oeste realizada pelos estadunidenses e que, tal como esse outro evento, promoveu o genocídio e a desapropriação de povos indígenas. E a soja passou a ser o produto destaque na produção nacional, status que mantém até hoje.
O Brasil era um país de industrialização recente, mas que já se aventurava na produção de diferentes gêneros industriais e que possuía empresas que disputavam fatias do mercado internacional, reservadas aos países de capitalismo central. O rumo adotado a partir do golpe de 1964 fez com que o país voltasse a ocupar a posição dependente e subordinada ao centro do sistema capitalista, que desde o fim da 2a Guerra Mundial, era os EUA.
Essas políticas, associadas ao rebaixamento forçado do salário mínimo, garantiu elevadas taxas de lucro para as empresas transnacionais, tendo como pressuposto a deterioração das condições de vida da classe trabalhadora. Nas palavras de Delfim Neto, ministro plenipotenciário da fazenda de todos os ditadores do período, um dos que assinou o AI-5 e que hoje se apresenta como democrata e progressista: “é preciso fazer o bolo crescer pra depois dividir.”
Essa divisão, nunca veio. O chamado “milagre econômico” durou apenas até a crise mundial do petróleo de 1973 e a partir daí as condições de vida da classe trabalhadora foram deterioradas em ritmo alarmante.
Na conjuntura de crise, havia uma tendência para o fortalecimento das lutas de massas contra o regime, e o Partido Comunista Brasileiro estava bem posicionado para organizar essas lutas. Esse fato fica demonstrado por paralisações e greves que contaram com participação decisiva do Partido no período.
Nesse momento, a repressão se voltou, por meio da Operação Radar (1974-1975), contra o PCB, que havia adotado a tática da luta de massas pelas liberdades democráticas e que até aquele momento tinha conseguido preservar a maior parte da estrutura partidária. Essa operação, que assassinou 1/3 do comitê central do Partido e acarretou na prisão de mais de 800 militantes em todo o Brasil, reduziu drasticamente a capacidade e qualidade de intervenção do Partido na conjuntura posterior a essa ofensiva e impactou profundamente o PCB até o começo da década de 1990, quando teve início o processo de Reconstrução Revolucionária, concluído de maneira bem-sucedida no último período.
Na sequência, em 1976, vieram as mortes das três últimas lideranças civis consideradas como tendo peso suficiente para influir na transição pelo alto preparada pelos militares. Foram eles os dois ex-presidentes: João Goulart, golpeado em 1o de abril de 1964 e Juscelino Kubitschek, que à época senador, votara no ditador Castelo Branco na eleição indireta realizada no congresso e que foi utilizada para tentar legitimar o golpe; e Carlos Lacerda, golpista de longa data, apoiador de primeira hora do golpe de 1o de abril, mas que havia se desiludido com o regime.
Com as principais organizações socialistas fragilizadas pela brutal repressão e as mais proeminentes figuras políticas fora do jogo, o caminho para a “abertura lenta, gradual e segura” apregoada pelo ditador Geisel estava posta. Em 1979, foi aprovada a Lei da Anistia, que permitiu que militantes e lideranças da esquerda que por 15 anos estiveram afastadas do país ou da vida pública pudessem voltar à cena.
Em 1980, teve fim o bipartidarismo. Como é próprio dos partidos de direita, a ARENA, partido de sustentação da ditadura, mudou de nome e se converteu em PDS, partido democrático social. O MDB, até então único partido de oposição legal, transformou-se em PMDB. A legenda do PTB, pleiteada por Brizola e pelo grupo de trabalhistas históricos da esquerda, foi cedida ao grupo fisiológico de Ivete Vargas. Os trabalhistas de esquerda, tiveram de registrar outra sigla: PDT, no que foi entendido à época como uma manobra dos militares para minar parte da força política que Brizola poderia adquirir se estivesse em um partido com a sigla PTB, historicamente identificado com Vargas e com Jango. Foi registrado também o PT, surgido de articulação entre lideranças estudantis da década de 1960, sindicais destacadas nas greves salariais de 1978 e 1979, intelectuais e da esquerda católica.
Os partidos comunistas, PCB e PCdoB, no entanto, tiveram os seus registros eleitorais negados por 5 anos, só os conseguindo em 1985. Em 1984, ocorreu a campanha pelas Diretas Já, que exigia a convocação de eleições diretas para a presidência já em 1985. Apesar de grande mobilização de massas, a emenda foi derrotada e as eleições foram indiretas. A vitoriosa chapa da oposição no colégio eleitoral, encabeçada por Tancredo Neves era uma de acomodação e trazia como vice o arenista José Sarney, que se tornaria presidente após a morte de Neves.
Nesse processo também foi instalada a Assembleia Nacional Constituinte que presidida por Ulysses Guimarães, concluiu seus trabalhos em 1988. A Constituição produzida, ficaria conhecida como “Constituição Cidadã”. Nela, diversos avanços e direitos sociais foram conquistados, sendo exemplo importante o Sistema Único de Saúde. No entanto, ambiguidades que permitem a existência da medicina privada, para seguir no caso específico da saúde, e que impedem que o SUS seja de fato único, demonstram uma correlação de forças difusa.
Ulysses Guimarães viria a ser chamado de “pai” da constituição da chamada nova república e seria alçado à estatura de referência democrática. Mesmo tendo se convertido em oposicionista à ditadura posteriormente. Pois foi o mesmo que as 3h55 da manhã, no dia 2 de abril de 1964 participou da posse improvisada do golpista presidente da câmara dos deputados Ranieri Mazzili, que esquentou por alguns dias a cadeira até a posse do ditador Castelo Branco. E foi assim que, em 1989, depois de 29 anos sem eleições diretas para a presidência, o Brasil voltou a votar para presidente e teve início a nova república.
(O artigo terá continuidade. Na próxima semana será publicada a parte 2)
Dmitry Galvão: É militante da UJC e do PCB no Distrito Federal, Licenciado em Ciências Sociais pela Universidade de Brasília.