“Sim, radical!” – Entrevista com Jones Manoel

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Por Julia Rocha, militante do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro, em sua coluna na UOL.

A primeira coluna do ano é também a estreia de um novo formato para este espaço que ocupo há pouco mais de 28 meses. A cada semana, eu vou apresentar pessoas que conheço real ou virtualmente, que admiro e que realizam trabalhos relevantes de informação, politização e educação popular nas mais diversas áreas.

Hoje, eu quero apresentar a vocês o pernambucano Jones Manoel, um jovem comunista que, como tal, luta pela Revolução Brasileira. Jones completa 32 anos no próximo dia 9 e mesmo tão jovem vem despontando na cena política brasileira muito em função do seu trabalho como comunicador e educador popular. Através do seu canal no Youtube e da sua presença nas outras redes sociais, Jones promove um espaço de formação política e de debates muito aprofundados sobre diversos aspectos da história e da conjuntura brasileira atual.

Jones é um fenômeno nas redes, sobretudo se considerarmos que o seu discurso tensiona o debate público de forma radical. Com mais de 184 mil inscritos acompanhando seus vídeos no Youtube, 152 mil pessoas seguindo suas interações no Twitter e 147 mil seguidores interagindo com ele no Instagram, Jones faz uma disputa importantíssima dos corações e das mentes da juventude brasileira. Em plataformas onde a esquerda radical ainda não encontra muitos representantes com o seu peso e sua força, esse pernambucano, morador da favela da Borborema, no Recife, segue trabalhando sem descanso para que suas ideias cheguem cada vez mais longe.

Júlia Rocha – Jones, há algumas semanas você divulgou a sua pré-candidatura ao governo do estado de Pernambuco pelo PCB – Partido Comunista Brasileiro. O cidadão comum que contempla esse cenário pode concluir que, sim, a cena política brasileira tolera a diversidade. Afinal, há espaço para um homem negro, professor de história, comunista e morador da favela da Borborema na política institucional brasileira?

Jones: “Veja, Júlia: a democracia burguesa no Brasil foi arrancada com muita luta, inclusive com a luta dos comunistas. Acho importante lembrar que até 1988 os analfabetos não votavam. Entre a classe trabalhadora, os analfabetos constituíam uma parcela significativa e, em algumas cidades importantes, analfabetos eram a maioria da população. Faço lembrar que na eleição de 1955 metade da população de Fortaleza, capital do Ceará, era analfabeta e portanto não tinha direito ao voto. O voto para analfabetos, o voto para mulheres, o direito de organizar sindicatos, o direito de organizar greves, o direito de manifestação, o direito de organizar jornais operários e editoras críticas, socialistas, comunistas, tudo isso foi arrancado com muito sangue e com muita luta. A luta de brasileiros como Carlos Marighella, Gregório Bezerra, Ana Montenegro, Luiz Carlos Prestes. E é importante lembrar que mesmo essa democracia burguesa ultralimitada, bastante antidemocrática e que convive diariamente com o genocídio da população negra foi arrancada com muita luta. O fato de existir uma permissão legal para que um militante do partido comunista, um defensor da Revolução Brasileira seja candidato não mostra uma pluralidade. Pelo contrário. Só mostra que a resistência, a luta popular tem resultado. Aliado a isso, a gente sabe que o jogo da democracia burguesa é um jogo desigual. A gente sabe que no Brasil apenas 7 famílias controlam praticamente toda a comunicação social do país. E esses monopólios de mídia privilegiam um pensamento liberal do ponto de vista econômico e, quando necessário, defendem uma política fascista, como ocorreu em 2018 com o apoio massivo à Bolsonaro. Além disso, o acesso a dinheiro para financiamento das campanhas, os apoios de vários aparelhos do estado, a própria fiscalização desigual das contas de campanha, enfim, todas as condições da competição eleitoral burguesa são feitas para privilegiar os partidos e os candidatos do sistema burguês que defendem o sistema burguês. A nossa pré-candidatura para o governo do estado de Pernambuco é uma pré-candidatura contra-hegemônica, antissistêmica, que se propõe a usar o espaço eleitoral da democracia burguesa para fazer o debate sobre as pautas históricas da classe trabalhadora. Para ser um instrumento de organização e mobilização popular. Para debater os problemas fundamentais do povo trabalhador em Pernambuco e no Brasil. A gente vai aproveitar esse espaço inclusive para denunciar o quão pouco democrática é a democracia burguesa.”

Júlia Rocha – Quando a esquerda radical apresenta um caminho de construção de um poder realmente popular, muitas questões são levantadas tanto pela direita quanto pela esquerda moderada à respeito da viabilidade de um comunista como governador num contexto de uma república liberal. Qual a importância da presença de vozes como a sua nesse contexto? Em que aspectos é possível avançar em um cenário tão desfavorável?

Jones: “Júlia, eu costumo brincar que o impossível é só o que ainda não aconteceu. No Brasil do início do século XIX, muitos articulistas publicavam em jornais que era impossível acabar com a escravidão. Que a economia brasileira iria se acabar, porque o país foi criado em bases escravocratas. Há 90 anos, os jornais estavam recheados de colunas que defendiam ser impossível as mulheres terem direito ao voto ou ter igualdade jurídica frente aos homens já que a mulher não teria capacidade racional semelhante a do homem. Há 50 anos era ponto pacífico em vários setores da sociedade, da cultura, do establishment que os analfabetos nunca poderiam votar. A história se move a partir da ousadia, a partir da iniciativa daqueles homens e mulheres que olham a situação posta, percebem as contradições, as possibilidades de mudança e se atrevem a lutar para transformar radicalmente a realidade. A esquerda moderada no Brasil tende a fugir de uma questão fundamental: temos mais de 30 anos da Nova República, de democracia burguesa. Nesses mais de 30 anos de processo eleitoral contínuo o analfabetismo não foi extinto no Brasil. O desemprego, a fome continuam sendo um problema. O déficit habitacional, pessoas sem casa ou morando em situação precária, em moradias inadequadas, continua sendo um problema. A violência do estado nas comunidades periféricas, nas favelas, nos morros e alagados continua crescendo. O encarceramento em massa continua crescendo. A distribuição da terra é cada vez mais desigual. Nós somos um dos países com maior concentração fundiária do mundo e a reforma agrária não avança. Nos últimos anos, a cena política brasileira tem uma dominância no campo das esquerdas de uma esquerda moderada ou social-liberal, como gosto de chamar. É sobre a liderança dessa esquerda que o Brasil vive a maior ofensiva burguesa e a maior retirada de direitos dos últimos cem anos. é sob a liderança dessa esquerda que um fascista foi eleito presidente da república. É sobre a liderança dessa esquerda que a CLT foi revogada. É sob a liderança dessa esquerda que a gente voltou a ter um governo militar com mais de 5 mil militares ocupando cargos no governo federal. O que se tem é uma falência da moderação. O que se tem é uma falência desse jogo de tentar manter o capitalismo e a democracia burguesa tal como funcionam para conseguir alguns poucos avanços no aspecto social. A burguesia, a elite, a classe dominante do país decidiu partir para um tudo ou nada. Ela elegeu um fascista para tocar um programa ultraliberal que começou a ser aplicado já no final do segundo mandato da Presidenta Dilma, com Joaquim Levy no comando do Ministério da Economia. Isso se radicalizou com o governo Temer e ainda mais com o governo Bolsonaro. Para a burguesia brasileira, Bolsonaro pode sair do governo, desde que se mantenha a política ultraliberal de destruição do poder de compra do salário, de piora das condições de trabalho, de fim dos direitos trabalhistas, de privatização de tudo, de desmonte das políticas públicas, dos serviços públicos. Esse é um momento histórico em que a gente precisa ousar, que a gente precisa ir além, que a gente precisa confrontar a ofensiva burguesa com uma ofensiva popular que debata de maneira radical os problemas fundamentais do nosso povo e apresente uma alternativa radical. Sim, radical! Que vá até a raiz do problema. Precisamos enfrentar esse nosso adversário de classe e enfrentar para vencer. O futuro que a gente sonha precisa ser construído hoje. Se a gente não construir, a gente vai ser obrigado a viver essa longa noite neoliberal por muitos e muitos anos. Uma noite de destruição do país e da classe trabalhadora, com fome, miséria, desesperança e violência para todos os lados.

Júlia Rocha – Em um discurso bastante despolitizado, uma fração significativa da esquerda liberal brasileira segue se espantando com a existência do tal pobre de direita. Aquela trabalhadora, aquele trabalhador pobre, cheio de dificuldades cotidianas relacionadas ao desamparo e ao abandono do estado mas que vota em candidatos de direita, em nada comprometidos com as pautas da classe trabalhadora. Como você e outros militantes da esquerda radical pensam que deve ser o diálogo com essa parcela da população? Enfim, quais as estratégias para politizar o debate que se faz com a classe trabalhadora?

Jones: “Eu penso que esse discurso do “pobre de direita” é despolitizante. A classe trabalhadora não é obrigatoriamente revolucionária ou obrigatoriamente de esquerda. A classe trabalhadora tem suas contradições estruturais com o capitalismo. Ela é explorada e desumanizada nesse sistema, nesse modo de produzir e reproduzir a vida, sim, mas a consciência política da classe trabalhadora depende do trabalho político da vanguarda revolucionária que atua a partir de organizações revolucionárias. Parece uma tautologia mas a consciência de classe dos trabalhadores depende da própria atuação política junto a classe trabalhadora. É muito cômodo para certos setores da esquerda liberal usar esse espantalho do pobre de direita, considerando que nos últimos anos deixaram de fazer um trabalho de base adequado, deixaram de fazer a disputa política e trataram o trabalhador como apenas um eleitor. E o eleitor muda muito mais de posição política na dinâmica eleitoral do que o trabalhador com consciência política, que segue um projeto político consistente, com começo, meio e fim, com tática e estratégia. Eu acho que esse diálogo com a classe trabalhadora a gente vem conseguindo fazer no dia a dia. Engels colocava que a luta de classes se dividia em 3 frentes: a luta econômica, a luta política e a luta ideológica. A gente vem fazendo um trabalho cada vez mais forte de comunicação, de difusão do marxismo, de batalha das ideias que vem dando muito resultado, vem fortalecendo a presença no sindicalismo, nos movimentos populares de luta por moradia, de reivindicação de políticas públicas, de combate ao aumento do custo de vida e vem, cada vez mais, nos diversos ramos de atuação que a gente tem, nas diversas frentes que a gente se organiza, pautando uma perspectiva de conquista do poder político. A gente vem fazendo uma disputa política por um caminho estratégico da revolução brasileira. Isso vem dando resultado a olhos vistos. Basta olhar para o crescimento da UJC – União da Juventude Comunista, que é a juventude do PCB, para o crescimento do próprio partido e da adesão às ideias marxistas. O marxismo hoje é cada vez mais popular e circula cada vez mais em vários setores da juventude e da classe trabalhadora. Claro que ainda estamos longe do ideal. Eu sempre brinco que Pernambuco tem 10 milhões de habitantes. No dia que a gente tiver 1 milhão de comunistas organizados em Pernambuco, aí eu fico feliz, por que a gente vai ter chegado num padrão ideal. Estamos ainda longe do necessário mas é um trabalho que vem avançando, vem crescendo a partir das iniciativas militantes que estão realmente trazendo cada vez mais pessoas com disposição para lutar pela Revolução brasileira.”

Júlia Rocha – Jones, muito obrigada pelo seu tempo e pela sua disponibilidade. fique à vontade para deixar uma mensagem final a quem nos acompanhou na leitura dessa entrevista até aqui:

Jones: “Júlia, embora a Revolução Brasileira não esteja no horizonte imediato, ela é um projeto a ser construído hoje, por milhões de mãos de jovens, de mulheres, negros e negras, pelo povos do campo, pelo povos da floresta, enfim por todos os explorados e oprimidos. Já tivemos várias provas de que o Capitalismo não é capaz de solucionar os problemas fundamentais do povo trabalhador de forma universal e duradoura. O Brasil sai do mapa da fome e depois de 5 anos, volta. O Brasil coloca os jovens na universidade, mas depois de 6 ou 7 anos o que se vê é a evasão porque esses jovens não conseguem se manter nos seus cursos. E os que se formam não conseguem emprego. A Revolução brasileira não é algo utópico, não é algo distante, fora da realidade. A luta pela Revolução Brasileira é fruto de uma análise da realidade concreta que traz consigo a compreensão de que o capitalismo não oferece saídas ou alternativas para humanidade. E a partir disso, nas lutas diárias, nós vamos levantando as bandeiras históricas da nossa classe, vai defendendo as políticas públicas, vai resistindo às ofensivas do neoliberalismo e da burguesia brasileira para construir a emancipação da povo. Nessa eleição para o governo do estado de Pernambuco nós vamos levantar esse debate a partir das condições concretas da luta de classes no nosso estado. Queremos fazer o debate sobre os problemas que a classe trabalhadora pernambucana e brasileira enfrenta e usar o espaço eleitoral não só para buscar vencer as eleições mas para ganhar mentes e corações na construção dessa transformação radical e da emancipação verdadeira do povo brasileiro.