A “Esquerda Cordial” e o aumento da tarifa em Belém
A “Esquerda Cordial”: Notas sobre a linha política adotada pela Prefeitura de Belém-PA
Por Valentin
Desde 2021, a cidade é governada pelo prefeito Edmilson Rodrigues (atual PSOL, antigo PT) que fez sua campanha e mobilizou pessoas e votos com a promessa de uma “Belém de Novas Ideias”: uma Belém humana novamente (como, supostamente, havia sido em seus primeiros dois mandatos no final da década de 1990, início dos anos 2000, quando era quadro do PT), com participação popular e que “Ed” [1], voltaria com o “coração do amor” [2] para combater a onda bolsonarista no segundo turno, representada pelo candidato Delegado Eguchi (Patriota). E assim o “Ed do amor” foi eleito. Inclusive com voto da militância do PCB que, justificadamente no cenário apresentado, fez voto crítico ao candidato.
Passados um ano e três meses do início da gestão, vemos crises sobre crises, paralisações em órgãos públicos, aumento da tarifa de ônibus, greve dos servidores da FUNPAPA (órgão municipal que administra os serviços de assistência social de baixa, média e alta complexidade, desde CRAS a abrigos), greve dos trabalhadores administrativos e de serviços gerais da educação, as UPAS e Pronto-Socorros sendo sucateados com a canetada da prefeitura, falta de verba para tudo e os servidores estão tendo que, literalmente, pagar para trabalhar.
Estes fatos por si só já chamam bastante atenção. Porém o mais curioso é a forma como a prefeitura tem lidado com a oposição de esquerda e com as demandas, críticas e exigências da população e dos servidores do município.
Os assessores do gabinete do prefeito, que contam com uma base que blinda todos os equívocos da gestão, e constroem a tática do “Paraense Cordial” [3], na esperança de que se talvez desagradar um pouco a todos, consiga agradar a todos de alguma forma e se diferenciar dos seus antepassados após Belém passar 16 anos com gestões de direita, representadas por prefeituras do PSDB que deixaram a cidade abandonada às traças.
Para eles, fiéis escudeiros da prefeitura, qualquer opositor dentro da esquerda é tratado como exagerado e arruaceiro, radical e violento, agindo como “inimigos da classe trabalhadora”. “Estamos dando brecha para os bolsonaristas com essas críticas”, eles alertam nas redes sociais[4]. Assim, acusando os críticos, criam-se os opostos, os paraenses cordiais da prefeitura. São eles sim, que sabem se comportar e dialogar. Eles são racionais e moderados. Neste afã, inclusive, criam suas próprias fake news: ocupações imaginárias do gabinete da prefeitura [5], servidores que oferecem risco ao tentar entrar no próprio órgão que trabalham [6], dentre outros.
A “esquerda” do “paraense cordial”, essa entidade etérea que está mais no plano das ideias do que no concreto e real, seria naturalmente conciliadora e boa, mediando entre a população radical e os empresários gananciosos. E, como bom gerente do capital, deve entregar migalhas à população, enquanto nos bastidores troca tapinhas congratulatórias com as famílias e empresários mais tradicionais da capital da província do Grão-Pará, preparando o terreno para a próxima gestão de direita ocupar a prefeitura e “salvar” Belém de si mesma, mais uma vez.
É uma ideia antiga na esquerda ocidental essa aura de pureza e inocência das esquerdas, cheias de mártires e poucas vitórias, como o camarada de Jones Manoel em seu vídeo ““Marxismo Ocidental”, fetiche pela derrota e cultura cristã” [7]. Uma esquerda sem violência ou maus hábitos, onde conflitos são resolvidos com muita conciliação de classe, papos amigáveis e rodadas intermináveis em gabinetes, com cafés fracos e cadeiras desconfortáveis. A esquerda “cordial” com certeza quer resolver os problemas da sociedade e, para isso, sempre media os interesses a fim de chegar a um chamado “meio termo” favorável à população, mas que apenas existem num mundo de grande edição de cortes de vídeo, reuniões a portas fechadas, e malabarismos teóricos e práticos.
Nós, como classe trabalhadora, precisamos apontar a conjuntura até então posta: os ganhos reais para a classe trabalhadora não estão sendo entregues. Esta “esquerda cordial” não existe. Ser de esquerda é tomar posição, é escolher um lado. O “Paraense cordial” em sua forma militante, de fala mansa e frases marcantes, de bons bordões que não compõem um texto, que vai a protestos, mas quando encontra um trabalhador fica sem palavras, esta esquerda não serve a nós. Não serve à nossa classe, aos nossos interesses. É apenas um secretário executivo do capitalismo.
Os empresários e famílias mais “importantes e tradicionais” da província não irão reeleger ou eleger nenhum governo do povo, nem se sentir constrangidos por protestos e falas na frente de seus sindicatos patronais, como o do dia 28/03 na frente da Setransbel [8]. Eles não estão do nosso lado, disso já sabemos.
A pergunta que fica é: por quanto tempo esta gestão continuará acreditando em seus próprios mitos e ilusões? A “Belém de Novas Ideias” [9] sairá do imaginário com ações práticas quando? Quando as urnas baterem às portas?
Vemos neste caso uma Belém de ideias bem velhas, cheirando a mofo e lodo do fundo dos vários canais que cortam a cidade.
É preciso com urgência de uma análise política séria sobre que tipo de modelo de governabilidade está sendo executado pela prefeitura do sr. Edmilson Rodrigues, pois quem tem dois senhores, não tem nenhum. E uma gestão que foi eleita com o discurso de ser voltada aos interesses da classe trabalhadora deveria agir como tal e assumir seu lado. E isto sem se esconder em argumentações já batidas para equívocos insustentáveis, como quando tem a chance de clamar a participação popular para seus processos decisórios, mas utiliza farsas montadas, como o tal mecanismo de participação popular “Tá Selado” [10] (gíria de Belém que significa “está combinado”), que não contou com a presença do principal: o povo. Ou mesmo quando passa, à revelia de um debate amplo, um aumento da passagem em 40 centavos para encher os bolsos dos barões do transporte de Belém e região metropolitana.
Sabemos muito bem que o enfrentamento ao grande capital não é fácil e que não se dobrará com algumas palavras de ordem. E definitivamente não cairá do céu, milagrosamente, sem que seja construído uma nova correlação de forças em que o Poder Popular, que realmente emana do povo, seja o centro e não um mero apêndice em discursos eleitorais.
Quanto a nós, comunistas e opositores, seguiremos apontado o interesse e luta de classes quantas vezes for necessário. Seguiremos apontando as incongruências da esquerda liberal com sua política conciliatória que não beneficia a população. Continuaremos insistindo que somente com a radicalização pelas bases, nos locais de moradia, trabalho, estudo, construiremos não somente ideias, mas ações práticas que intervenham na realidade de vida da classe trabalhadora, que não fiquem só no idealismo bobo de que mudanças são possíveis quando disputadas à portas fechadas e blindadas em um gabinete, que por sua vez manda agredir manifestante na primeira oportunidade, e ainda ameaça: a quem aqui quiser adentrar, porrada vai levar ou fake news iremos inventar.
Notas:
[1] Como é chamado por seus apoiadores e “íntimos”.
[2] Tema musical marcante da campanha eleitoral
[3] Inspirados talvez na cordialidade que, segundo Sérgio Buarque de Holanda em seu livro “Raízes do Brasil”, seria a contribuição brasileira para a civilização. (pg 146.)
[4] Fala do Chefe de Gabinete da prefeitura, Luiz Araújo em postagem no facebook que depois foi apagada, restando os registros de prints e a repercussão da postagem.
[5] Mais uma curiosidade da nota do Chefe de Gabinete que alegou que nos recentes protestos chamados dia 28/03 contra o aumento da passagem, os estudantes forçariam uma ocupação do gabinete, que nunca foi nem ao menos mencionada em reuniões.
[6] Referência ao ato do dia 30/03, dos servidores da FUNPAPA, que estão em greve e foram em caminhada até a sede do órgão, sendo lá recebidos pela Guarda Municipal, acionada pela diretoria que alegava que os manifestantes estavam oferecendo risco de segurança e que não receberia os representantes dos servidores para nenhuma negociação sobre as reivindicações.
[7] “Marxismo ocidental”, fetiche pela derrota e cultura cristã – https://www.youtube.com/watch?v=BhgFt8GcRRM&ab_channel=JonesManoel
[8] Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belém
[9] Slogan da Campanha do sr. Edmilson Rodrigues em 2020.
[10] “Tá Selado” se caracterizou como supostas assembleias virtuais de participação popular, o que na prática, não teve divulgação e impacto dora de grupos de whatsapp das esquerdas aliadas (estes variando entre partidos políticos e movimentos sociais).