Carta em defesa da categoria da enfermagem

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A categoria de trabalhadoras e trabalhadores de enfermagem, seja enfermeiras, técnicas e técnicos ou auxiliares de enfermagem, enfrentam historicamente condições de trabalho precárias, com cargas horárias extenuantes e baixa remuneração. Estas condições refletem o projeto de desmonte e sucateamento dos serviços públicos, em especial, o do Sistema Único de Saúde, nosso SUS, fruto da luta de trabalhadoras e trabalhadores, mas que, desde o seu surgimento, sofre desfinanciamento, desmonte de capacidade produtiva nacional e pressão dos planos de saúde e indústria farmacêutica privada. De forma legítima, a categoria segue na luta por melhores condições de trabalho e também busca apoio para aprovação do Projeto de Lei 2564/2020, que institui o piso salarial nacional de Enfermeira/o, do Técnica/o de Enfermagem, do Auxiliar de Enfermagem e da Parteira.

De autoria do senador Fabiano Contarato (ES), o projeto de lei estabelece piso de R$ 4.750,00 para enfermeiras e 70% do valor para os técnica/os e 50% auxiliares e parteiras, considerando jornada de trabalho de 30 horas semanais. A proposta original era uma quantia de R$ 7.315,00, tendo sido aprovado no Senado um substitutivo, em novembro de 2021.

Sabemos que a categoria de enfermagem é a maior força de trabalho do setor da saúde no país, representando 50% de trabalhadores dessa área, e segue em condições de subsalários e subemprego. A categoria de trabalhadoras/es de Enfermagem, incluindo auxiliares e técnicas/os, no Brasil, 85% são mulheres e 53% são mulheres negras.

Durante a pandemia, com as contradições do capitalismo acirradas, as condições de trabalho seguiram precarizadas e com o agravo do risco de contaminação com o coronavírus, com falta de equipamentos de proteção individual (EPIs), EPIs de baixa qualidade e falta de orientação quanto ao uso e descarte destes. Segundo dados do Conselho Internacional de Enfermeiros (ICN), um terço dos profissionais de Enfermagem mortos pela Covid-19 no mundo é do Brasil. De acordo com dados do observatório da enfermagem, organizado pelo Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), foram reportados desde o início da pandemia da Covid-19 63.357 possíveis casos de Covid-19 em trabalhadores da enfermagem, com 872 óbitos registrados. Em Pernambuco, foram 1.731 possíveis casos, com 37 óbitos confirmados, sendo o estado do Nordeste com mais óbitos de trabalhadores da enfermagem e com taxa de letalidade quase duas vezes superior a taxa nacional. Não sendo suficiente a maior exposição ao vírus e as precárias condições de trabalho, pesquisa do Dieese aponta que a categoria, durante a pandemia, teve perda salarial de 11%. Combine a perda salarial com o aumento generalizado do custo de vida, no preço do gás, da gasolina, do feijão, da energia, da moradia, não deixa alternativa para essas trabalhadoras/es, que tem de se desdobrar em plantões seguidos, em condições insalubres, afetando o sono, a saúde física e mental, com sobrecarga de trabalho, resultando em pessoas que cuidam da saúde com a própria saúde fragilizada.

Desde 2019, a categoria vem se manifestando, com protestos em áreas centrais do Recife e o PSB segue omisso, além de permitir que a categoria seja recebida nas ruas com abordagens truculentas do Batalhão de Choque da Polícia Militar, como foi em 2020, com repressão da manifestação legítima de trabalhadoras/es, levando preso o presidente do Sindicato Profissional dos Auxiliares e Técnicos de Enfermagem de Pernambuco – SATENPE. A greve deflagrada em 2020 foi considerada ilegal pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco e representantes do Estado à época alegaram que a Lei de Responsabilidade Fiscal impede as resoluções reivindicadas.

Não podemos mais aceitar que milhares de profissionais de Enfermagem sejam obrigados a trabalhar 44 horas semanais, por um salário mínimo, sem insumos para garantir o cuidado em saúde e sem a proteção necessária.

As mudanças radicais nas condições de trabalho, salário e dignidade na categoria de enfermagem passa por uma mudança substancial na política de saúde do estado. Uma olhada rápida no orçamento da saúde nos últimos três anos é ilustrativa:

Orçamento geral para saúde

2019: R$ 5.973.329.600
2020: R$ 6.330.921.400
2021: R$ 6.764.424.615

Repasse às OSSs

2019: R$ 1.826.805.223,65
2020: R$ 2.190.966.979,57
2021: R$ 2.126.785.565,86

Agora podemos comparar com os números referentes ao investimento em atenção básica.

2019: R$ 22.051.828,91
2020: R$ 21.346.725,58
2021: R$ 33.378.273,30

Com um modelo de gestão da saúde privatizado, colocado ao encargo das OSSs, pouco transparente nos números e padrões de custos, o governo do PSB gasta bilhões anualmente com o financiamento da gestão do sistema de saúde e alguns milhares com políticas estruturantes, como o caso da Atenção Básica a saúde. Sabemos que é fundamental, numa política de saúde integral, garantir boa atenção básica, acompanhamento comunitário e condições adequadas de vida ao povo trabalhador – como acesso à água tratada, saneamento básico e boa alimentação.

O modelo de saúde do PSB investe numa lógica “médico – hospitalocêntrica”, focada na perspectiva da queixa-conduta (caso das UPAs é emblemático para tratar do assunto) relegando a atenção básica ao nível de baixo investimento, descuidando do fundamental em infraestrutura social, sujeitando os profissionais de saúde a baixos salários e péssimas condições de trabalho e mesmo os hospitais, tão aclamados nas propagandas eleitorais, sofrem com condições inadequadas de manutenção e equipamentos.

A política de saúde defendida pelo PCB, contemplando os profissionais da enfermagem, se baseia em alguns pilares importantes que vão na contramão da política executada pelo PSB e, consequentemente, o governador Paulo Câmara.

– Defesa de uma concepção de saúde integral, compreendendo a determinação social do processo de saúde-doença. A construção progressiva de uma infraestrutura social digna desse nome, buscando universalizar direitos humanos como saneamento básico, água potável, moradia digna, alimentação, trabalho, transporte etc.

– Crescimento substantivo do investimento em atenção básica, buscando políticas de aumento da arrecadação (numa lógica de tributação progressiva), remanejamento orçamentário e outras políticas de fortalecimento da capacidade de investimento do estado. A perspectiva do projeto comunista é buscar aumentar em 20 milhões a cada ano o investimento na atenção básica – colocando essa perspectiva como meta mínima.

– Ampliação da estruturação da Vigilância em Saúde, com fortalecimento da Vigilância em Saúde do Trabalhador, a fim de garantir ações prioritárias de Vigilância em Ambientes e Processos de Trabalho em locais de trabalho dos profissionais de saúde, sejam esses público ou privados, com participação ativa dos trabalhadores e de suas representações, de maneira continua e sistemática, de modo a garantir ambientes e processos de trabalho saudáveis.

– Ampliar os concursos públicos, pagar o piso da categoria da enfermagem (e de todas as categorias da saúde) e tornar efetivo a jornada de 30h semanais. Essas medidas passam, novamente, por uma mudança na política orçamentária do estado – seja mudança na receita, a partir da política tributária, seja mudança nas prioridades de gasto público.

– Revisão dos Planos de Cargos e Carreira dos servidores públicos estaduais garantindo incentivo a formação profissional, valorização profissional, salarial e uma carreira digna no serviço público.

– As mudanças progressivas na política de saúde vão ser acompanhadas pelos conselhos no setor (fortalecidos, valorizados e com real participação nas decisões) e espaços de cogestão dos serviços públicos dos trabalhadores no geral e de cada categoria em particular. O PCB defende a construção do poder popular e uma dinâmica de gestão pública com ativa e intensa participação de movimentos populares, conselhos de categorias, sindicatos e mundo acadêmico, deixando transparente o que é possível fazer no momento e quais as perspectivas para ampliar a qualidade dos serviços públicos para os trabalhadores e usuários. Esse incentivo, perpassa evidentemente pela real atuação do controle social no Sistema Único de Saúde.

– Os limites a um serviço de saúde 100%, formado via concurso na gestão e execução, são oriundos da Lei de Responsabilidade Fiscal e da “reforma do Estado” do Governo FHC. O governo estadual tem margem para contornar alguns aspectos dessa legislação, mas é fundamental revogá-la, criando um novo marco legal para o serviço público. O governo do PCB terá compromisso de pautar, no plano nacional e na articulação com outros governadores, um novo marco legal para o serviço público combatendo o legado neoliberal e a dinâmica proliferação de Organizações Sociais da Saúde (OSSs), Fundações de Direito Privado, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips), Hospitais “filantrópicos”, entre outras formas de privatização e sucateamento do serviço público.

– Uma auditoria nas contas públicas no setor da saúde, verificando, em particular, a relação do governo com as OSSs. Temos várias denúncias e indícios de mau uso do dinheiro público e contratos pouco transparentes e sem controle social. É necessário verificar todos esses contratos e estabelecer um novo padrão na gestão pública – ampliando a transparência, participação popular e com real controle social.

– Por fim, é fundamental resgatar e fortalecer o LAFEPE. A empresa pública passa por um déficit de funcionários, sem concurso público desde 2013 e um gradual processo de redução do investimento (mesmo com a pandemia do covid-19). É significativo que em 2008, o investimento no LAFEPE foi de R$ 25 milhões e em 2022, apenas R$ 18,6 milhões (além da redução em termos absolutos, considerando a inflação e os custos de manutenção, temos uma brutal redução do investimento na modernização e ampliação da capacidade produtiva dessa estratégica empresa pública para a saúde e economia do nosso estado).

– Fortalecimento dos programas de residência uniprofissional e multiprofissional em instituições públicas do estado e em consonância com os princípios e diretrizes da educação permanente em saúde. As residências não devem servir como “tapas buracos” da precária estrutura e ausência de profissionais nos setores. Pelo contrário, o processo de fortalecimento das residências em saúde deve levar em consideração a formação (teórico/prática) dos residentes, bem como sua interação com os trabalhadores do serviço onde este profissional esteja inserido.

Essas linhas mestras da nossa política de saúde, a serem desenvolvidas e debatidas em detalhe durante toda campanha, terão capacidade de não só defender o SUS, melhorar o serviço de saúde, como mudar radicalmente as condições de trabalho e salário da enfermagem e de todos os trabalhadores/as da saúde. E, nunca é demais destacar, essas mudanças vão ser tocados com intensa e ativa participação popular, onde o povo trabalhador será real protagonista e não apenas espectador da gestão.

Partido Comunista Brasileiro – Pernambuco
Recife, 20 de abril de 2022.

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