“É um erro acreditar em acordo com a direita”

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“É um erro acreditar em acordo com a direita”, diz pré-candidata comunista Sofia Manzano, pré-candidata do PCB à presidência

Entrevista de Sofia Manzano para Lucas Borges Teixeira do UOL

Industrialização, reestatização de empresas, controle da taxa de câmbio, revogação das reformas e organização do estado em torno da classe trabalhadora. Se, ao ler essas propostas, a palavra comunista vier à mente, a associação está correta. A formação de um Estado que possibilite o fim das diferenças entre classes sociais é o centro do pré-candidatura da economista paulistana Sofia Manzano ao Palácio do Planalto pelo PCB (Partido Comunista Brasileiro). Para ela, “é um erro” partidos de esquerda acreditarem em qualquer tipo de aliança com a direita.

No ano do seu centenário, o Partidão de Jorge Amado e Carlos Marighella viu novamente a necessidade de lançar candidatura própria à presidência e tem investido em pré-candidaturas a governos estaduais, incluindo Pernambuco, com o produtor de conteúdo Jones Manoel (PCB).

É a primeira vez que Manzano se lança a um cargo majoritário. Em 2014, compôs a chapa de Mauro Iazi (PCB) como vice, mas acabou em décimo lugar, com 0,05% dos votos, à frente apenas do PCO. Economista com doutorado na USP (Universidade de São Paulo), é professora da Uesb (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia) em Vitória da Conquista (BA) e produz pesquisas sobre mercado de trabalho e desigualdade social.

Ao UOL, ela explica parte do seu plano de governo, defende o modelo comunista “voltado à classe trabalhadora” e a revogação “de todas as reformas”, reavalia os erros da esquerda desde que chegou ao poder, com Lula (PT), em 2002, e explica por que o partido mais uma vez não aderiu à aliança coordenada pelo PT.

Os erros da esquerda

Filiada ao PCB desde 1989, quando tinha 18 anos, Manzano participou de todas as eleições presidenciais junto ao partido desde a redemocratização. Em três momentos, apoiou e foi às ruas pela candidatura do PT e de Lula: em 1994, 1998 e 2002, quando veio a vitória. Com a ascensão do ex-presidente, o PCB tornou-se crítico ao então governo petista (tanto que apoiou o PSOL em 2006 e 2018), em especial por causa da “aliança com a centro-direita”. Este foi, para Manzano, um dos principais erros da esquerda no governo.

“É um erro acreditar que é possível fazer algum tipo de aliança mais orgânica com a direta, que representa seus próprios interesses – por mais variados que sejam – e que estes acordos serão cumpridos. É só estudar um pouco da história do Brasil que vemos que a direita brasileira é extremamente autoritária. Quando seus interesses não são atendidos na integralidade, ela ou dá um golpe como o de 1964, ou derruba o presidente – ou a presidenta”, completa, referindo-se ao golpe que implantou a ditadura militar no Brasil (1964-1985) e ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016.

Isso, ela avalia, segue acontecendo na pré-campanha petista —e não só na figura da escolha do ex-governador Geraldo Alckmin (PSB), ex-tucano, mas de outras alianças que Lula tem costurado na sua pré-candidatura. “Todas essas possíveis costuras, a conversa com o MDB, essa procura de coalizão que chamo de centro-direita, estão muito mais voltadas a reproduzir uma relação de classe mais rebaixada ainda do que era em 2003 [quando Lula assumiu]”, critica.

Esse foi um dos motivos pelos quais o partido comunista mais uma vez decidiu seguir crítico às propostas petistas e não se juntar ao partido. “Acreditamos que essa polaridade que está se consolidando, de uma candidatura de extrema-direita e outra que representa centro-esquerda, mas também setores da direita, não está colocando em debate questões centrais da vida trabalhadora. [Devemos colocar,] em primeiro lugar, a classe trabalhadora, e não os interesses de estabilidade político-eleitoral de manutenção de cargos”, afirma a candidata.

Ela ainda não fala em apoio a Lula num eventual segundo turno com Bolsonaro por argumentar que isso cabe a “uma decisão coletiva”, mas diz que é preciso impedir a reeleição do presidente “de qualquer jeito”. Uma coisa nós [do PCB] temos: responsabilidade política em relação ao momento que nós vivemos e temos a certeza de que, nesse processo eleitoral, a principal questão é derrotar Bolsonaro, [o vice-presidente Hamilton] Mourão, [o ministro da Economia Paulo] Guedes e toda essa quadrilha.

Um governo voltado à classe trabalhadora

Esta é a quarta vez desde a redemocratização que o PCB aponta candidato próprio à presidência (antes, em 1989, 2010 e 2014). Após quase quatro anos de um governo de direita e conservador, comandado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), e com taxa de desemprego acima dos dois dígitos, Manzano diz que é o momento mais propício para retomar a empreitada.

Para ela, o Brasil precisa, mais do que nunca, pensar na organização de um estado “em torno da classe trabalhadora”. Se a classe trabalhadora não estiver organizada a partir dos seus próprios interesses, independente das estruturas do Estado, ela não alcança os objetivos mínimos, e, por mais que o Estado possa fazer alguma política de auxílio, quando ela não está organizada, esses direitos são rapidamente desmontados, como vimos em todas as reformas.”

Como base central da candidatura, Manzano prega a revogação de todas as reformas realizadas no governo Michel Temer (MDB), entre 2016 e 2018, e a reversão do processo de desindustrialização do Brasil. “[As reformas] precarizaram não só as condições da classe trabalhadora, mas da própria estrutura produtiva nacional. O Brasil passa a ser exportador de produtos com baixo valor agregado”, argumenta.

De acordo com uma pesquisa da USP (Universidade de São Paulo) publicada em março de 2021, o Brasil acentuou o processo de desindustrialização a partir de 2015. Em seis anos (2015-2021), o país fechou 36,6 mil fábricas — equivalente a 17 unidades por dia. “Um país desse tamanho, que já teve parque industrial significativo, com população urbanizada, voltar a ser exportador de commodities simplesmente, é fazer uma regressão social com um empobrecimento brutal da população.”

Como reverter, então? Estímulo ao processo de industrialização por meio do estado, com nacionalização de indústrias de setores-chave, e controle da taxa de câmbio, sugere a economista. “Tradicionalmente, o Estado foi o grande impulsionador da industrialização [no Brasil]. Somos completamente favoráveis à reestatização de setores estratégicos: petróleo, energia, utilização do subsolo. O Estado precisa investir e dinamizar esses setores”, afirma.

Também diz ser preciso controlar a taxa de câmbio. “Todo país da América Latina que fez processo de industrialização intensa o fez. Se ela fica totalmente livre e, principalmente, vinculada ao capital estrangeiro especulativo, sempre vai prejudicar o investimento interno, tendo como prioridade apenas os interesses desse mercado.”

Desigualdade e concentração de renda ‘provam que capitalismo não deu certo’

Fundado em 1922, o Partido Comunista Brasileiro nasceu à luz da Revolução Bolchevique, na Rússia, sob o objetivo de trazer a mesma revolução para cá. Cem anos depois, se algumas demandas mudaram, Manzano argumenta que a concentração de renda e a desigualdade social em grande parte do globo “são a prova de que o capitalismo, de fato, não deu certo”.

“Temos uma quantidade gigantesca da população não só excluída do processo produtivo [empregadas] como excluída de condições de vida minimamente dignas. O comunismo é o projeto que nunca foi experimentado — o que tivemos foram experiências socialistas —, que é acabar com a desigualdade fundamental da nossa sociedade, que é a sociedade de classes”, afirma a presidenciável. “O meu governo pretende colocar as políticas econômicas, públicas, sociais, de desenvolvimento, de meio ambiente, a serviço de uma estruturação de uma classe trabalhadora que entenda a necessidade desse processo revolucionário”, diz a economista.

Ela reconhece, no entanto, que não se transforma uma sociedade capitalista em comunista por meio de uma eleição. “Mas por meio eleitoral pode se chegar a prioridades que levem em consideração, em primeiro lugar, os interesses da classe trabalhadora e não os interesses da classe dominante.”

[Imagem: Luiza Magalhães/PCB RJ]