Ocupar o parlamento enquanto tribuna popular

imagem

A tarefa dos comunistas nas urnas

Por Gustavo Pedro, militante do PCB e da UJC no Rio de Janeiro

Nosso modelo de sistema político vem sendo questionado há tempos por boa parte da população trabalhadora e não sem razão de ser. Vivemos sob um sistema econômico que, para se reproduzir, busca a todo momento aumentar as taxas de lucratividade do capital e o faz aumentando a exploração do trabalho sobre a maioria da população que tenta sobreviver no capitalismo. Em um país atravessado por um desenvolvimento histórico calcado primeiro na escravização e massacre do povo negro e de povos originários e, posteriormente, na brutalidade da exploração assalariada de uma formação econômico-social de capitalismo dependente, frente aos centros de acumulação mundial do capital, a experiência de tentar sobreviver em nosso país é bem mais complicada do que em outros países nos quais seus capitais se aproveitaram da exploração de outros povos para distribuir pequenos avanços a parcelas de suas classes trabalhadoras. O nosso desenvolvimento histórico não é apenas uma tradição que pesa sobre a consciência dos brasileiros atualmente, mas também a história nos coloca as circunstâncias sob as quais atuamos politicamente para transformar a realidade em que nos encontramos.

O poder econômico que domina as nossas condições de trabalho, de locomoção na cidade, nossas possibilidades de nos alimentar ou de ter um teto para morar é também o poder que domina o Congresso Nacional. Isso não começou hoje nem terminará depois da atual legislatura, seja qual for o resultado tirado das urnas. Portanto, o entendimento, sem ilusões, de quem domina tal instituição da sociedade burguesa, que elege nomes como Arthur Lira, Rodrigo Maia ou Eduardo Cunha para presidir seus instrumentos parlamentares, e as utiliza contra os interesses dos trabalhadores é fundamental. Se a chamada “esquerda progressista” também fomenta a descrença com nossas possibilidades de luta enquanto classe, afastando-se das massas e apenas retornando aos seus locais de moradia, de estudo e de trabalho nos momentos eleitorais para pedir votos, devemos formular e agitar entre as massas sobre qual deve ser a função de um parlamentar comunista do PCB que ocupe uma cadeira no parlamento.

O combate ao oportunismo

A crítica – a mais implacável, violenta e intransigente – deve dirigir-se não contra o parlamentarismo ou a ação parlamentar, mas sim contra os chefes que não sabem – e sobretudo contra os que não querem – utilizar as eleições e a tribuna parlamentares de modo revolucionário, comunista. Somente essa crítica – ligada, naturalmente, à expulsão dos chefes incapazes e sua substituição por outros mais capazes – constituirá um trabalho revolucionário proveitoso e fecundo, que educará simultaneamente os “chefes”, para que sejam dignos da classe operária e das massas trabalhadoras, e as massas, para que aprendam a orientar-se como é necessário na situação política e a compreender as tarefas, frequentemente bastante complexas e confusas que decorrem dessa situação. (LÊNIN, [1920] 2014, p. 104)

O primeiro elemento a ser destacado é que o parlamentar comunista deverá, através de sua prática constante, construir um trabalho de disseminação das lutas nas bases que atua em duas vias que se retroalimentem: 1) deve utilizar todos os espaços disponíveis no parlamento como espaços de denúncia das condições de vida e de trabalho sob as quais a população trabalhadora vem sendo submetida, para que possamos organizar as lutas específicas e unificá-las nas lutas gerais pela criação do Poder Popular; e 2) atuar junto a espaços como sindicatos, associações de moradores, entidades representativas dos movimentos populares e estudantis e coletivos de lutas locais para recolher e organizar acúmulos que possam ser transformados em projetos legislativos que resolvam seus problemas práticos, mas principalmente denunciando os ataques da classe dominante que estão sendo promovidos no parlamento federal, sempre visando dar mais instrumentos para o movimento de massas barrá-los e, a partir da organização articulada de tais lutas, questionar e lutar contra a ordem vigente que nos explora e nos massacra. A necessidade dessa articulação está posta ao movimento comunista desde o lançamento do manifesto do partido comunista no qual Marx e Engels já apontavam que “os comunistas lutam pelos objetivos e interesses mais imediatos da classe operária, mas, ao mesmo tempo, representam no movimento atual o futuro do movimento” ([1848] 2008, p. 64).

O compromisso fundamental do mandato parlamentar comunista deve ser o de atuar como um instrumento de organização e de fomento da luta de massas da classe trabalhadora, combatendo sempre as posturas conformistas de partidos que rifam as lutas da classe em favor de acordos parlamentares que apenas fortalecem a burguesia. Lênin, escrevendo sobre a atitude do partido operário frente às eleições para a Duma (parlamento da Rússia) aprofunda esse elemento:

O que nos importa não é assegurar por meio de negociatas um lugar na Duma. Ao contrário, estes lugares só são importantes na medida em que possam contribuir para desenvolver a consciência das massas, elevar o seu nível político, organizá-las, não em nome da placidez filisteia, da “tranquilidade”, da “ordem” e da “prosperidade pacífica (burguesas)”, mas em nome da luta, da luta para conquistar a plena libertação do trabalho de toda a exploração e opressão. Só nesta medida são importantes para nós os postos na Duma e toda a campanha eleitoral. (1906, p. 3)

Organizado como uma trincheira em território inimigo do povo trabalhador, o mandato deve ser orientado para tensionar os debates e pautar projetos que possam servir para atender demandas emergenciais do nosso povo no atual momento histórico, como a luta contra a fome, inflação, desemprego e pelo acesso a serviços essenciais à vida, mas também visando destruir estruturas – através de todos os meios que possam vir a serem utilizados – que exploram e massacram o povo trabalhador do campo e da cidade. A luta política pela aprovação dos mesmos será impulsionada sempre pelo recurso a variadas formas de pressão popular sobre o parlamento burguês, visto que não será de dentro dele que surgirão as forças sociais que garantam sua aprovação. A força das pautas da classe trabalhadora será tão maior, em qualquer Congresso burguês, quanto maior for também a sua luta organizada e radical por fora dele! Seja em governos reacionários ou em governos progressistas, avaliamos que, adaptando um relativamente famoso ditado popular, “Congresso é igual feijão, só funciona na pressão”! Essa máxima vale para que a legislatura funcione, pelo menos parcialmente, para a manutenção de direitos e possíveis avanços dos interesses da classe trabalhadora. Caso tal instituição não seja firmemente pressionada pelo movimento de massas, seguirá apenas respondendo e sustentando os interesses hostis aos dos trabalhadores, como é o caso brasileiro nos últimos anos com a aprovação das contrarreformas trabalhista e da previdência, da EC do Teto de Gastos, das privatizações, do avanço da violência do Estado contra parcelas do povo morador das favelas e das áreas rurais e as retiradas de direitos históricos da classe trabalhadora enquanto nossas capacidades de resistência estão reduzidas pelo desarme de nossos instrumentos de luta classista nas últimas décadas.

A ilusão de que conquistaremos grandes vitórias a partir de acordos de gabinete e nos palácios é algo que deve ser combatida por nós desde o primeiro momento das pré-campanhas comunistas. Isso não por uma negação de qualquer tipo de negociação que faça avançar nossas pautas, mas porque é condição prévia para qualquer negociação a demonstração de força política e de manejo de instrumentos de pressão que coloquem os nossos adversários na luta de classes contra a parede. É também um dever dos comunistas o firme combate às ilusões, de caráter democrático-burguês, de que a classe trabalhadora só poderá avançar em suas pautas caso eleja mais da metade do parlamento com suas candidaturas “progressistas”. Isso não acontecerá por dois motivos: 1) o poder econômico que domina os aparelhos ideológicos e as instituições do Estado já organiza a disputa para que candidaturas radicais sejam embarreiradas e restringidas sob variados métodos, quanto mais para formar uma maioria de 50% + 1 voto no Congresso; e 2) são vários os casos de vigaristas infiltrados nesse campo difuso do “progressismo”, formados em organizações comandadas por burgueses donos da Ambev, Itaú, Natura, Linhas Aéreas Gol, e etc, que tem o costume de passar por cima de demandas populares e votarem com quem banca suas campanhas, acompanhando os interesses do capital.

Temos então um cenário em que para que o Congresso funcione minimamente no interesse do povo trabalhador, seja para recuperar direitos ou para avançar na luta política como um contra-ataque à burguesia, teremos que apostar na luta de massas para pressioná-lo e forçá-lo a aprovar nossas demandas, independentemente do quantitativo de parlamentares que sejam genuinamente identificados com as lutas populares e estão por lá. O bom mocismo da esquerda republicana não nos trará vitórias concretas que abalem ou danifiquem as estruturas do capital.

Por uma atuação de novo tipo

Fomentar uma atuação parlamentar de novo tipo em nosso país, que combata tanto o carreirismo de figuras que se destacam na luta política quanto o liberalismo que atravessa a sociedade burguesa, e seja organizada a partir de uma leitura concreta da realidade de um capitalismo dependente, que nos coloca frente a profundas contradições a serem exploradas na agitação política entre as massas, é uma tarefa que está dada para os futuros parlamentares do PCB. No espírito da mais avançada estrutura de organização para a ação, de tipo leninista, entendemos que

“É necessário que o Partido Comunista lance suas palavras de ordem; que os verdadeiros proletários, com a ajuda da gente pobre, inorganizada e completamente oprimida, repartam entre si e distribuam panfletos, percorram as casas dos operários, as palhoças dos proletários do campo e dos camponeses que vivem nas aldeias longínquas (que, felizmente, existem em número muito menor na Europa que na Rússia, e são raras na Inglaterra), entrem nas tabernas frequentadas pelas pessoas mais simples, introduzam-se nas associações, sociedades e reuniões eventuais das pessoas pobres. Que falem ao povo não de forma doutoral (e não muito à parlamentar), não corram, por nada neste mundo, atrás de um “lugarzinho” no parlamento, mas despertem em toda parte o pensamento, arrastem a massa, tomem a palavra da burguesia, utilizem o aparelho por ela criado, as eleições por ela convocadas, seus apelos a todo o povo e tornem conhecido deste último o bolchevismo, como nunca antes haviam tido oportunidade de fazê-lo (sob o domínio burguês) fora do período eleitoral (sem contar, naturalmente, os momentos de grandes greves, quando esse mesmo aparelho de agitação popular funcionava em nosso país ainda mais intensamente).” (LÊNIN, [1920] 2014, p. 147-148)

As disputas eleitorais devem então ser usadas como mais um dos instrumentos de agitação dos comunistas, onde quer que exista a possibilidade de disputar um trabalhador ou trabalhadora para a causa dos revolucionários ou de causar fissuras nos aparelhos de dominação da burguesia. O combate às ilusões ante a atuação parlamentar fomentada pelos partidos que sustentam a ordem vigente – ilusões essas disseminadas como única forma possível de atuação pelos aparelhos da classe dominante –, ainda que se coloquem como “progressistas” ou de “esquerda”, servirá como mais um dos elementos de elevação do grau de consciência da nossa classe e de nossa atuação para organizá-la em confrontação com a ordem estabelecida que nos oprime e explora no cotidiano. Isso deve ser feito de forma aberta e honesta por nossos militantes que assumam tal tarefa.

O poder da classe trabalhadora nasce de sua organização para a luta e da libertação das influências da burguesia sobre as massas no campo e na cidade. Quanto maior a independência de classe conquistada, como fruto da luta de massas, maiores serão também nossas possibilidades de seguir fortalecendo as lutas dos trabalhadores e das trabalhadoras em todas as suas especificidades. A disputa pela hegemonia feita pelos comunistas deve sempre visar a organização das maiorias para o fortalecimento de seus instrumentos de luta política e econômica no sentido revolucionário. O papel do agitador comunista em toda tribuna que ocupe deverá então confluir nesse mesmo sentido. A tribuna parlamentar, utilizada pelos revolucionários como uma tribuna popular, deve ser um instrumento impulsionador das lutas de toda a classe trabalhadora!

Textos citados ou consultados

LÊNIN, V.I. Esquerdismo, doença infantil do comunismo. São Paulo: Expressão Popular. [1920] 2014.

______. Qual é a atitude dos partidos burgueses e do partido operário frente às eleições para a Duma? 1906. Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/lenin/1906/12/31.htm>.

______. Sobre a dualidade de poderes. 1917. Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/04/09.htm>.

MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Manifesto do partido comunista. São Paulo: Expressão Popular. [1848] 2008.

Categoria
Tag